A Legislação Penal
Por: Hugo.bassi • 15/11/2018 • 8.120 Palavras (33 Páginas) • 260 Visualizações
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9.1.2. Detenção momentânea versus prisão para averiguação
Outra questão problemática é a detenção de pessoas. Conforme já ressaltamos, é muito tênue a linha que divide a discricionariedade da arbitrariedade, razão pela qual somente a análise das circunstâncias do caso concreto e da intenção do agente permitem constatar se o ato consistiu abuso de autoridade ou, ao contrário, legítimo exercício de poder de polícia.
Parece-nos adequado, portanto, fazer uma distinção entre detenção momentânea (breve retenção da pessoa ou condução dela a alguma repartição pelo tempo estritamente necessário para o esclarecimento de uma justificável situação de dúvida ou de uma verificação) e a prisão para averiguação (restrição da liberdade da pessoa para apurações de suposta prática de crime sem ordem judicial ou situação de flagrante).
Na detenção momentânea, não havendo excessos, há ato legítimo de poder estatal; a prisão para averiguações, ao contrário, consistirá sempre abuso de autoridade. Por exemplo, manter uma pessoa retida em um bloqueio policial ou conduzi-la até a delegacia para a conferência de um documento com sinais de falsificação é ato legítimo; também é lícita a conduta de conduzir a uma delegacia uma pessoa que ainda consta nos cadastros policiais como “procurado”, embora ela não esteja mais nessa condição. Muitas vezes os registros policiais não são atualizados em tempo oportuno, razão pela qual uma pessoa que não tem mais pendências com a Justiça continua registrada como “procurado”. Nesse caso, sem embargo da responsabilidade do Estado pela sua desorganização, verdade é que os agentes públicos não têm outra opção a não ser conduzir a pessoa até a delegacia para que sejam realizados os contatos necessários (v.g. com a Vara Criminal onde tramitou o processo) para se esclarecer a real situação do conduzido. Também não há abuso na conduta de conduzir até a delegacia um suspeito de estar em situação de flagrante para que a vítima o veja, ainda que não seja possível fazer o formal reconhecimento, nos moldes do CPP. No cotidiano policial, muitas vezes, enquanto a vítima está na delegacia registrando o roubo de seus pertences, a polícia militar realiza buscas na localidade do delito e acaba por encontrar pessoa com as exatas características físicas e trajes mencionados pela vítima, o que exige ao menos a apresentação dessa pessoa à vitima para que ela confirme se é ou não o infrator (e muitas vezes a pessoa conduzida é realmente o infrator).
Quanto a este tema, Mirabete muito bem coloca que são inconstitucionais as chamadas “prisão correcional”, “prisão para averiguações”, “(...) o que não impede que uma pessoa seja detida por momentos, sem recolhimento ao cárcere, em casos especiais de suspeitas sérias, diante do chamado poder de polícia”[5]. No mesmo sentido Nucci esclarece que “a retenção de alguém em algum lugar, a pretexto de verificar sua identidade e saber se é pessoa procurada pela Justiça ou autor de algum delito, que esteja em fuga, pode ser crime de abuso de autoridade ou configurar o mero exercício do poder de polícia legítimo do Estado. Por isso, é fator fundamental a analise do elemento subjetivo específico (vontade de abusar do poder)”[6]
O STF já reconheceu configurado abuso de autoridade na conduta de Secretário da Segurança Pública por ele “(...) haver ordenado a delegado de polícia que mantivesse a custódia de algumas pessoas, cujas prisões foram realizadas sem determinação escrita da autoridade judiciária e sem que estivessem em flagrante delito” (HC 93.224/SP, rel. Min. Eros Grau, 13.5.2008). Nesse caso houve abusiva prisão para averiguação.
9.2. Atentado à inviolabilidade do domicílio;
Dispõe o art. 5º, XI da CF/88 que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
A proteção do domicílio (desde um humilde casebre até a mais suntuosa mansão) merece de fato toda a proteção da Constituição e da lei, por ser o recôndito mais íntimo das pessoas, onde ocorrem as manifestações mais particularizadas da privacidade humana. Além disso, é o ambiente onde a pessoa encontra seu refúgio para o direito de estar só (ou só com quem queira).
Quanto ao conceito de domicílio, a expressão, no sentido constitucional, inclui qualquer local não aberto ao público, onde a pessoa exerça moradia (habitual ou passageira, v.g. quarto de hotel), atividade ou trabalho, incluindo suas dependências (ex. jardins intra muros). O conceito de domicílio pode ser buscado ainda nas disposições do art. 150, § 4º do CP.
Conforme Capez, “a expressão ‘domicílio’ não tem, nem pode ter, o significado a ela atribuído pelo direito civil, não se limitando à residência do indivíduo, ou seja, ao local onde o agente se estabelece com ânimo definitivo de moradia (CC/2002, art. 70), tampouco ao lugar que a pessoa elege para ser o centro de sua vida negocial. A interpretação deve ser o mais ampla e protetiva possível, consoante o disposto no art. 150, § 4º, do Código Penal”[7].
O STF e o STJ consideram os escritórios profissionais como “domicílio”. Assim sendo, a entrada neles, sem ordem judicial, pode configurar delito de abuso de autoridade. Nesse sentido:
“Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita. (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos,
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