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Ortotanásia como excludente de tipicidade no novo código penal

Por:   •  19/12/2018  •  5.556 Palavras (23 Páginas)  •  273 Visualizações

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1 ORTOTANÁSIA

1.1 ASPECTOS GERAIS

A origem da denominação de ortotanásia é atribuída a Jacques Roskam, professor da Universidade de Liege, na Bélgica, que em 1950, trouxe a ideia de que entre a eutanásia e a obstinação terapêutica, existiria uma possibilidade de morte justa[3].

Entende Lana Drapier Albuquerque, que a ortotanásia “trata-se de desviar-se do prolongamento desnecessário de uma vida considerada indigna, sem, contudo, antecipar-se a morte, fazendo com que a mesma ocorra em seu momento correto, não concorrendo para isso a existência de uma ação por parte do médico”[4].

Etimologicamente, ortotanásia advém do grego “ortho” (normal, correta) e “thánatos” (morte), designando, portanto, a “morte natural ou correta”. Assim sendo, a ortotanásia consiste na morte a seu tempo, sem abreviação do período vital, nem prolongamentos irracionais do processo de morrer. É a morte correta, mediante a abstenção, supressão ou limitação de todo tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional, ante a iminência da morte do paciente, morte esta a que não se busca – pois o que se pretende aqui é humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente –, nem se provoca – já que resultará da própria enfermidade da qual o sujeito padece[5].

Nesse sentido, a morte do paciente ocorre dentro de uma situação de terminabilidade da vida, visto que não se inicia com uma ação médica, e sim, pela interrupção de medidas extraordinárias, como o objetivo de minorar-lhe o sofrimento[6].

Fica claro o reconhecimento da condição humana de mortalidade, bem como a aceitação de que o conhecimento biomédico é limitado. Acima de tudo, a função do médico de beneficência ao seu paciente é assumida, como consequência clara do princípio da dignidade da pessoa humana[7]. A preocupação com a qualidade de vida do ser humano é, cada vez mais, reivindicada no momento da morte, para que esse processo natural aconteça de forma digna. A morte digna ocorre quando o paciente tem direito a escolher submeter-se à: a) manobras tecnológicas que farão que sua vida seja prolongada, o que poderá, da mesma forma, prolongar seu sofrimento (distanásia); b) antecipação da morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre (eutanásia); ou, c) deixar a morte acontecer em seu tempo certo, pelo seu processo natural (ortotanásia). Nessa perspectiva, há um “apelo ao direito de viver uma morte de feição humana (...) que significa o desejo de reapropriação da sua própria morte, não objeto da ciência, mas sujeito da existência”[8].

O que caracteriza a ortotanásia é a escolha de terapias apropriadas ao caso em concreto, não importando no abandono do tratamento do doente. A decisão do médico será de não insistir em determinadas formas de terapia - como hidratações, utilização de aparelhos invasivos, cirurgias e outras - que podem lhe causar maior sofrimento, sem a garantia de sucesso na postergação do desfecho fatal, para fazer uso de outras, possibilitando o aumento no conforto do enfermo. É provável que a terapia escolhida, dessa forma, seja por tratar um doente que sofre, e não a doença incurável[9].

Mais especificamente, a ortotanásia, no caso de pacientes terminais, não impõe a estes um tratamento longo e sofrido que não traz nenhum benefício ao enfermo, apenas o sofrimento e agonia deste. No entanto, a ortotanásia não se confunde com a eutanásia, pois a primeira não encurta o tempo de vida do paciente como a segunda. A ortotanásia não retira a vida do paciente, ao mesmo tempo em que não prolonga excessivamente a vida dele.

Feitas as referidas considerações sobre a ortotanásia, analisar-se-ão as causas de exclusão de tipicidade no ordenamento jurídico brasileiro, o consentimento informado e sua aplicação no novo Código Penal.

2 EXCLUSÃO DE TIPICIDADE

2.1 DEFINIÇÃO DE TIPICIDADE

A tipicidade é uma decorrência natural do princípio da reserva legal: nullum crimen nulla poena signe praevia lege. Segundo Damásio de Jesus, tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. “Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”.[10]

A melhor doutrina classifica a tipicidade em formal e material. O fato é considerado típico, do ponto de vista meramente formal, quando

adequado à letra da lei, ou seja, ao tipo legal do crime, que é a descrição do conjunto dos requisitos linguísticos, literais ou gramaticais fundamentadores de determinada forma de ofensa ao bem jurídico[11].

Nesse sentido, afirma Francisco de Assis Toledo que tal tipicidade é, antes, um juízo formal de subsunção, que decorre da “função de garantia” do tipo, a fim

de que se observe o princípio da anterioridade da lei penal[12]. Sabe-se que, para a configuração de um fato típico, devem estar presentes, em síntese, a conduta voluntária, o resultado, a tipicidade e o nexo de causalidade. Assim, a ausência de um requisito elementar conduz à atipicidade total ou parcial, a qual ocorre quando uma conduta fática, real, não corresponder à descrição típica da norma em abstrato, de maneira que a tipicidade formal restará excluída, inexistindo, pois, fato típico.

A concepção material da tipicidade penal consiste na exigência de a conduta típica ser concretamente lesiva ao bem jurídico tutelado, em razão do conteúdo valorativo do tipo penal, traduzido em verdadeiro modelo de conduta proibida, o qual não é apenas pura imagem formal, eminentemente diretiva[13].

Verifica-se assim, que a mera subsunção formal do fato real ao tipo penal não

é apta, por si só, à configuração da adequação típica ou tipicidade. Nesse sentido preceitua Luiz Flávio Gomes que “o Direito penal moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido humanístico da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico”[14]. Assim:

Como cediço, por imperativo do princípio da legalidade, somente a adequação total da conduta do agente ao tipo penal incriminador faz surgir a tipicidade formal ou legal. No entanto, esse conceito não é suficiente para a concretude da tipicidade penal, uma vez que essa deve ser analisada também

sob a perspectiva de seu caráter material, tendo como base

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