Uma introdução da Concepção islâmica do Direito Internacional Humanitário
Por: Carolina234 • 8/4/2018 • 2.127 Palavras (9 Páginas) • 329 Visualizações
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Além das regras de guerra, outra regra importante da concepção islâmica é a integridade e proteção da dignidade humana. De acordo com a explanação de Said (1997: 10-11), “a dignidade do homem, em resumo, ocupa um lugar crucial no discurso islâmico, visto que não se constitui apenas como um direito mas também é uma importante justificação da sua própria criação e de sua mensagem religiosa”[7].
Em relação a dignidade humana, Sultan (1986: 52) afirma que “é necessário acrescentar que esta dedução cai em conformidade com os direitos do homem, na qual o sistema jurídico do Islã foi o primeiro a reconhecer e a consagrar”[8].
No Islã estão formalmente proibidos os tratamentos que violam a dignidade dos civis, como a mutilação e a tortura para com os inimigos que se rendem. As sunas e justificações de muitos juristas islâmicos são claras face a proibição formal das violações contra a população civil e combatentes rendidos.
As regras de guerra islâmicas também zelam pela integridade e dignidade da pessoa humana. A exceção incide no tratamento para com os espiões capturados, uma vez que para o direito islâmico os espiões não estão protegidos pelo mesmo direito que recebem os prisioneiros de guerra. Justificam-se, assim, os inúmeros assassinatos de espiões capturados por grupos armados islamitas, pois para a concepção islâmica, se for comprovado que os indivíduos capturados cometeram o crime de espionagem, eles não estarão sob a proteção das regras do direito humanitário.
Não obstante, formulada quase treze séculos antes, a regra islâmica sobre a integridade e dignidade humana encontra-se também mencionada no artigo número 75 do Primeiro Protocolo Adicional de 1977 relativo às Convenções de Genebra de 1949. Deduz-se, então, que o sistema jurídico islâmico sustentado pelos princípios morais e éticos está totalmente de acordo com as atuais condições humanitárias promulgadas pelas Convenções de Genebra que limitam as barbáries da guerra.
A religião islâmica se expandiu numa época em que tudo era permitido. Foram séculos sombrios e melancólicos para a história da humanidade, onde a guerra predominou sem qualquer regulação que distinguisse os beligerantes da população civil e que garantisse uma adequada proteção para com os grupos vulneráveis (crianças, mulheres, idosos, doentes e feridos).
Não parece impróprio afirmar que uma das missões do Islã tenha sido preencher o vazio moral e ético nas relações humanas. Possivelmente o islã possa ter contribuído de uma forma concreta para uma concepção humanitária acerca dos direitos dos homens em tempo de guerra, exercendo mais tarde uma influência notória na formação das concepções modernas do Direito Internacional Humanitário.
A consciência para uma imediata proteção da população civil em tempo de guerra foi amplamente consagrada pelo Alcorão. Por intermédio das sunas[9], é possível identificar a natureza imperativa de aplicação de princípios humanitários àqueles que sofrem da guerra.
O professor de Estudos Islâmicos, John Esposito, disserta que “o Alcorão fornece orientações detalhadas sobre a condução da guerra: quem são os combatentes e quem são os isentos (48:17, 9:91), quando as hostilidades devem cessar (2:192) e como os prisioneiros devem ser tratados (47:4) ”[10]. (Esposito, 2002: 32)
Abu Bakr, o Primeiro Califa, quando conduziu seus combatentes em batalhas contra os impérios (Bizantino e Sassânida) que cercavam a Arábia e representavam uma ameaça à consolidação do Islã, proibia seus comandados a sujarem as mãos com sangue de mulheres e crianças. Abu Bakr delegava ordens que impediam a mutilação de inimigos, assim como incêndios de habitações e templos religiosos. Já o Segundo Califa, Omar, também seguiu as mesmas linhas de pensamento. As ordens destes Califas significaram um avanço no campo humanitário, ético e moral para a realidade da época, incluindo a proteção da população civil vítima dos conflitos e, consequentemente, originando a distinção entre combatentes e não combatentes. Pode-se afirmar que o sistema jurídico islâmico conseguiu impor uma regra fundamental em relação ao impedimento de atos hostis contra os não combatentes.
De acordo com Sultan (1986: 58), “Deus disse: 'Combateis aqueles que vos combatem'. Traduzido em termos contemporâneos, isso significa que os atos de guerra são limitados apenas para o exercício dos combatentes”[11].
Pressupõe-se que todo e qualquer ataque ou ação hostil contra civis está expressamente condenado pela concepção islâmica do direito humanitário. John Esposito disserta que “desde o princípio era proibido matar não combatentes, como mulheres, crianças, monges, rabinos e aqueles que receberam a promessa de imunidade, ao menos que eles tomassem parte da luta”[12]. John Esposito também relembra que “o exemplo do Profeta (e do direito islâmico) proporciona também respostas às questões sobre como a comunidade muçulmana deve agir. Histórias sobre como o comportamento do Profeta estão preservados em tradições narrativas ou hadith[13]”[14]. (Esposito, 2002: 32-33)
Já no que se refere às disposições mais contemporâneas do direito humanitário, como o uso de armas tóxicas e métodos modernos de guerra, obviamente eles não constam dentro do quadro jurídico do Islã, porém, devem ser examinados na essência dos cinco princípios fundamentais islâmicos. Hamed Sultan concluiu que “toda a disposição jurídica atual, do presente ou do futuro, que se conciliam com os princípios de base do Islã está automaticamente incorporada ao seu sistema jurídico e torna-se parte integrante da concepção islâmica do direito humanitário”[15]. (Sultan, 1986: 53)
Nesse sentido, também é válido incluir nessa concepção outros atores internacionais do direito humanitário, como as agências e organizações internacionais. Mais uma vez, o ordenamento jurídico islâmico não abrange um diagnóstico formal das ações desses organismos, nem mesmo os emblemas e símbolos que representam a Cruz Vermelha/Crescente Vermelho e a ONU e suas respectivas agências humanitárias que sequer foram previstos pelo direito islâmico.
No entanto, é possível prever que sendo as agências organismos de caráter humanitário, por si só se fundamentam por princípios éticos e morais. Sendo assim, se incorporam diretamente na concepção islâmica porque entram em conformidade com todos os princípios islâmicos já abordados.
Finalmente, é proveitoso refletir sobre o pré-julgamento relativamente a concepção islâmica do direito
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