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O Absolutismo Moral Religioso

Por:   •  19/8/2024  •  Artigo  •  4.827 Palavras (20 Páginas)  •  132 Visualizações

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O ABSOLUTISMO MORAL RELIGIOSO

O absolutismo moral de Kant é uma teoria ética de viés filosófica. Nesta lição, será apresentada sua versão religiosa, com ligeiras variações, mas igualmente problemática. A crítica deste sistema atenderá ainda a necessidade de revisão dos pressupostos da teoria absolutista abordada na lição passada.

I - O ABSOLUTISMO IDEAL E O LEGALISMO

De vertente religiosa, o legalismo estrito recebeu de Norman Geisler o título de Absolutismo Ideal (Ética Cristã. Pgs. 84ss). Não se nos apresenta nenhum teórico, em especial, como organizador desta teoria, mas, no entanto, quem está familiarizado com as estruturas morais das comunidades religiosas fundamentalistas, identificará facilmente nesta perspectiva a alternativa dominante. Sinteticamente, poderíamos assim sumariar as teses desta perspectiva:

  1. Idealmente, as normas absolutas não entram em conflito. Deus, o Legislador Moral

, quando criou normas morais, não planejava que estas entrassem em conflito entre si;

  1. No entanto, por causa do pecado humano, o equilíbrio normativo moral foi solapado. O ser humano, herdeiro do pecado original, tornou-se egoísta, não possuindo mais o poder de cumprir, completa e adequadamente todas as normas morais, o que, por sua vez, acarretará diversos conflitos.
  2. Embora nem sempre o ser humano vá conseguir cumprir a lei moral, continua sendo responsável pelo seu descumprimento.
  3. Em um conflito entre normas morais, cujas opções implicarem em transgredir uma norma absoluta ou outra, optar pelo menor dos dois males é desculpável, desde que não tenha sido o indivíduo que tenha causado o seu próprio dilema. Deverá, necessariamente, apresentar sua transgressão a Deus, para receber devida expiação.

No caso exposto na primeira lição, entre salvar a vida da criança, através da mentira, ou manter a fidelidade ao dever à verdade, entregando a criança aos seus algozes, tanto uma quanto outra ação figura como transgressão, pecado. Opta-se, no entanto, pelo mal menor para depois, em arrependimento e confissão, buscar o perdão de Deus.

Em perspectiva prática, o mentir e o matar sempre serão práticas erradas. No entanto, se se tratar da opção menos ruim dentro de um dilema, será a indicada, o que não significa que não importará em pecado, antes o contrário – ao fim, deve existir arrependimento e confissão! A diferença entre esta perspectiva e a anterior, além da fundamentação estritamente religiosa desta, está em que aqui se postula certa clemência para os que sofrem diante de um conflito ético inevitável.

II - PROBLEMAS DAS ESTRUTURAS MORAIS ABSOLUTISTAS

De todas as perspectivas visualizadas, esta se apresentará como a mais inconsistente. No entanto, inconscientemente, a mais adotada nos discursos religiosos fundamentalistas. O propósito deste capítulo será a análise das teses do absolutismo, tanto o moral, apresentado na lição passada, quanto o religioso, acima apresentado, a fim de que neste exercício, caminhos e princípios possam ser apontados para a sua superação. Vejamos:

A - Tendência ao Legalismo

Nesta perspectiva, observa-se claramente um culto à Lei, às normas morais, como se elas fossem entidades em si. O ser humano não figura aqui como valor final, antes o contrário, existe para o cumprimento da Lei. Daí ser também chamada de Legalismo Moral.

Nos Evangelhos, temos um exemplo clássico desta distorção: os fariseus. Para eles, o parâmetro para se julgar alguém era o cumprimento ou o descumprimento da lei. Isto pode ser visualizado no encontro que tiveram com os guardas herodianos, depois de terem solicitado que prendessem a Jesus, por promover a desordem social. Os guardas, por sua vez, responderam que não haviam encontrado motivos para tanto, antes o contrário, que as palavras de Jesus revelavam que se tratava de um grande homem. Irritados com a adesão do povo a

Jesus, os fariseus expressaram: “Também fostes enganados? Creu nele algum dos chefes ou dos fariseus? Mas esta plebe, que nada sabe a respeito da lei, é maldita!” (João 7:47-49). Em outras palavras: o povo, desconhecedor e descumpridor da lei, era gente maldita, com quem uma pessoa decente não deveria comungar!

Este sentimento de desprezo aos seres humanos não cumpridores da lei é típico do legalismo. Quando se entroniza a moralidade acima de qualquer coisa, cria-se uma atitude fiscalizadora da moral, gerando um descontentamento difuso contra todos os que se desalinham do padrão. Em geral, este sentimento pode ser constatado em comunidades religiosas organizadas a partir de valores morais rígidos – o indivíduo que os descumprir, sofre uma espécie de retaliação. Isto será novamente destacado, por ocasião da reflexão sobre o caráter social da moral, mais especificamente, acerca dos métodos de introjeção da moral na sociedade.

B - Incompreensão do tema da Responsabilidade Moral

A responsabilidade é um dos elementos centrais do discurso acerca da moralidade. Adolfo Sánchez Vázquez nos dá importante contribuição na análise deste tema, levantando as questões nele envolvidas:

“Quais são as condições necessárias e suficientes para poder imputar a alguém uma responsabilidade moral por determinado ato? Ou também, em outras palavras: em que condições uma pessoa pode ser louvada ou censurada por sua maneira de agir? Quando se pode afirmar que um indivíduo é responsável pelos seus atos ou se pode isenta-lo total ou parcialmente da sua responsabilidade?”

A resposta do autor é denunciada como clássica desde Aristóteles. Pode ser sintetizada nas seguintes linhas (Vázquez. Pg. 110):

  1. “Que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as conseqüências da sua ação; ou seja, que o seu comportamento possua um caráter consciente”.
  2. “Que a causa dos seus atos esteja nele próprio (ou causa interior), e não em outro agente (ou causa exterior) que o force a agir de certa maneira, contrariando a sua vontade; ou seja, que a sua conduta seja livre”.

Acrescenta o autor a este entendimento o fato de que ‘ninguém pode ser moralmente responsável, se não tem a possibilidade de escolher uma maneira de comportamento e de ação realmente na direção escolhida’ (Vázquez. Pg. 110). Ora, é justamente nisto que peca a perspectiva criticada: acaba por responsabilizar alguém que não tem alternativa senão ferir um princípio moral ou outro. Será que é coerente chamar de ‘mal menor’ a melhor das alternativas que se tem dentro de um conflito moral? Não faz sentido, em absoluto!

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