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Fé e Devoção na cidade de Florânia: um olhar histórico

Por:   •  20/10/2018  •  3.504 Palavras (15 Páginas)  •  299 Visualizações

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Seguindo a ordem cronológica de acontecimentos que marcaram a história da cidade de Florânia, ao final do século XIX, por volta de 1877, mais precisamente no dia 20 de janeiro, dia da procissão do padroeiro São Sebastião, acontecia na cidade de Flores (nome de Florânia na época), um crime cercado de mistérios, a morte de José Leão. Segundo relatos de memorialistas, Zé Leão, como era conhecido, foi esquartejado ainda vivo e as partes de seu corpo lançadas na fogueira. Após sua trágica morte, as pessoas faziam promessas e eram validas e atribuíam o milagre ao “mártir Zé Leão”, canonizado pelo povo como santo martirizado. No local de sua morte foi erguida uma cruz e depois erguida uma capela para guardar os ex-votos[2]. A partir desse evento, a então Flores passou a ser conhecida como “a terra do mata e queima”. Contudo ao longo do tempo essa devoção popular foi ficando esquecida pelas gerações advindas.

Percebemos aqui, a necessidade do povo em ter o seu próprio santo, que esteja mais próximo e que, de certa maneira, fizesse parte desua realidade. O personagem histórico, Zé Leão, fora tido como santo pelo povo, como miraculoso, no mesmo período em que o Padre Cícero Romão ganhava também esse título no Juazeiro do Ceará, pelo evento ocorrido com a beata Mocinha. Que influências políticas ligam esses dois fatos? Como a Igreja local lida com esse caso? O que atitudes foram tomadas?

Já em meados do século XX, no ano de 1947, segundo a memória popular, outro evento místico acontece em Flores, a devoção à santa Menina. Teria um frei, de nome Otávio, sonhado com um corpo santificado de uma menina que fora enterrado no cume de uma colina. Essa menina teria se perdido e morrido de fome e sede embaixo de uma umburana (árvore da caatinga muito resistente à seca). Após encontrar a menina o frei retornara à Europa, prometendo enviar uma imagem do corpo que fora encontrado. Essa notícia rapidamente se espalhou fazendo da colina, onde teria sido encontrada a menina, um lugar de romaria. Num intervalo de três meses foi erguida uma capela. Quando a suposta imagem da “Santa Menina”, como fora chamada chegou, um grande tumulto instaurou-se na cidade. As pessoas queriamtocar na imagem achando que seria a menina, se reconheceriam de que família seria a menina. A atitude do pároco da época, o Pe. Ambrósio Silva, mediante aquele tumulto foi ordenar que a imagem fosse escondida. O bispo diocesano, Dom José de Medeiros Delgado, não apenas enviou uma carta direcionada ao povo, qual fomentava que não acontecera um milagre, como também fez uma visita para a instrução dos fiéis, sugerindo criar um santuário em honra à Maria, Mãe de Jesus para romarias no cume da montanha. Em suas palavras dizia: “Desse local, deve brilhar a luz divina para todo o Seridó”[3]. Que relações a história daSanta Menina do monte de Florânia tem com outras “meninas santas” que existem no Rio Grande do Norte? Que relações devocionaissão encontradas aqui? E qual o posicionamento da Igreja local diante do fato ocorrido?

Nossa proposta é analisaressa mística de fé e religiosidade que contribuiu para a construção da identidade floraniense e gerar um embate entre a fé institucionalizada da Igreja Romana e a fé popular, levantando questões sociais, religiosas e até mesmo políticas (enquanto manifestação do poder).

- JUSTIFICATIVA

O nosso objeto de estudo está relacionado não apenas ao campo da História, mas também a outras ciências como a Antropologia, a Ciências da Religião, pois tem por base a mística que envolve a formação identificadora do povo floraniense, que estásustentada na doutrina e na religiosidade popular. Nosso trabalho propõe analisar as expressões populares e religiosas ocorridas em Florânia, que contribuíram para a construção da identidade do povo floraniense, visando um melhor entendimento da cultura religiosa construída ao longo de décadas.

(...) como expressão de manifestações populares genuinamente nacionais, otema da religião e das religiosidades só foi observado a partir deuma analise depreciativa pelos precursores das ciências sociais noBrasil. Fora das lentes de nossos cientistas sociais maisprestigiados, a temática manter-se-ia ainda por um bom tempoausente do elenco de questões que deveriam merecer uma atençãoespecial, ou mesmo ser considerada matéria de estudo relevantepara a compreensão de nossa historia.[4]

As relações místicas do homem primitivo com os fenômenos naturais e misteriosos, o culto à Terra Mãe, à fecundidade humana e à sacralidade da mulher, demonstram que a humanidade sempre teve uma cultura mística e/ou religiosa, que hierarquizava a organização social. Fontes afirma que tanto “para os ‘primitivos’, como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência”(FONTES, 2001).

A cidade de Florânia, envolta de mística, mistérios e mitos, nos motiva na nossa pesquisa, à investigação das origens e contribuições, que fizeram e fazem parte do folclore floraniense, desde a fé nos santo padroeiro, São Sebastião, passando pelos mitos e mistérios em torno do mártir popular Zé Leão e da Santa Menina, pois “a história de todas as obras divinas ou semidivinas está conservada nos mitos”(IDEM). A edificação de templos e a sacralização de lugares expressam a valorização das experiências com o sagrado, sabendo-se que “os primeiros sistemas de representações que o homem fez do mundo e de si são de origem religiosa” (Durkheim, 1978),Segundo Weber, a “religião não vive no céu, mas sim na terra” (Apud: FLAMARION, VAINFAS,1997.p.441), fazendo uma reflexão do papel da religião na vida social. Essas representações ou mitos sacralizados têm a nobre função de consolidar modelos das necessidades humanas.

É notável que a crença em São Sebastião, padroeiro de Florânia, é aprovada pelas autoridades eclesiais, tornando-se oficial e permitido o seu culto. Contudo, o incentivo da crença em Zé Leão e na Santa Menina, por não ser institucionalizada, não permitida. Algumas cidades de outras dioceses potiguares possuíam lugares de peregrinação oficial, porémna Diocese de Caicó não havia tal lugar sacralizado, ficando sujeita às crenças populares que diversas localidades já possuíam.

Os fiéis acorriam a outras localidades, especialmente Juazeiro do Norte (cidade do Padre Cícero) e Canindé (Santuário de São Francisco das Chagas) ambas no Ceará. Os que se achavam impedidos de grandes deslocamentos, supriam suas necessidades místicas junto a locais particulares não aprovados pelas autoridades eclesiásticas.

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