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Finisterra - paisagem e povoamento: as perspectivas do olhar

Por:   •  7/9/2017  •  2.144 Palavras (9 Páginas)  •  445 Visualizações

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“Sendo a representação do real uma forma subjectiva de olhar o mundo, na medida em que é construída e multiplicada pelas várias personagens do romance a partir de um ponto de vista fixo, cada uma dessas reproduções tem as suas características diferentes em relação às que o modelo original apresenta. A realidade descrita é, assim, sempre uma realidade transformada.” (GOMES, 1994, p.16).

Neste contexto, Carlos de Oliveira, através do olhar das suas personagens principais: o pai, a mãe e a criança, contemplam e refletem a paisagem em um modo de olhar diversificado ao se utilizarem de instrumentos auxiliares da visão: a fotografia, a pirogravura e o desenho.

O real é captado por intermédio destes instrumentos quando usados pelas personagens, que representam o desejo de alcançar o objeto visto, sendo diferentes interpretações do olhar consubstanciados pelo olhar único de cada uma, sendo portanto, formas individuais de apreender o real, como vemos abaixo:

O pai: “a imagem apresenta um ordenamento inverso do real, mas captou-lhe os elementos essenciais.” (FINISTERRA, 1978, p. 1029)

A mãe: “ mas foi a minha imaginação (partindo do real, eu sei) a construí-la.” (FINISTERRA, 1978, p. 1032)

A criança: “então reproduz de cor a paisagem que vê da janela, cria os seres primordiais, mistura verão e inverno.” (FINISTERRA, 1978, p.1032)

Todas as reproduções do real em Finisterra sofrem um processo de reprodução da paisagem, ou seja, através da fotografia, do desenho e da pirogravura, e não têm traços do real, mas da matéria-prima onde essa representação é feita:

“ – Uma gravura abstracta. Perto da geometria, da arquictetura submersa nas coisas. Mas foi a minha imaginação (partindo do real, eu sei) a construí-la. Magia para filtrar o mundo, dar-lhe algum sentido.” (FINISTERRA, 1978, p.1032)

Isto significa, segundo a pesquisadora Isabelita Maria Crosariol que “a imaginação traz à tona não apenas aquilo que se vê (e o que também não se vê)” (CROSARIOL, 2009, p.70), este é o espaço do olhar apropriado, captado da realidade exterior através de formas que melhor o possam reproduzir. As principais reproduções do olhar na obra são a ampliação fotográfica do pai, a pirogravura da mãe e o desenho da criança, e veremos cada um pormenorizadamente.

A representação fotográfica do pai

Em Finisterra, o documento de mais projeção do real é a fotografia, pois transmite com clareza a ideia de que ela se “apresenta aos olhos de quem a contempla como uma marca de verdade, uma prova da existência concreta dessa mesma realidade” (GOMES, 1994, p.59), a fotografia permite que a imagem captada “reivindique para si a perspectiva verista da representação do real” (GOMES, 1994, p.7), a foto é a imagem captada a partir do olhar, logo a eternização do ponto de partida: a paisagem.

“Levanta-se e examina também a ampliação fotográfica, suspensa na parede (perto da janela), que lhe reproduz, esta mesma paisagem: a moldura dá-lhe um enquadramento semelhante.” (FINISTERRA, 1978, p. 1029 )

A ampliação da fotografia feita pelo pai representa a precisão que o retrato faz da paisagem que se contempla da janela, atentando para o fato que o enquadramento é o mesmo:

“falta-lhe porém a cor real e o tempo destingiu a imagem: os contrastes são pouco visíveis, desaparecem as três zonas distintas, dissolvem-se numa única mancha castanha (quase sépia) à medida que os anos (e a réstia de sol batendo na parede ao fim da tarde) devoram linha a linha a nitidez dos contornos.” (FINISTERRA, 1978, p. 1029 )

Da lente fotográfica do pai até a revelação da foto há um caminho a ser percorrido na busca pela representação do real: o olhar do pai.

A representação pirográfica da mãe

A tentativa de captar o real continua no trabalho da mãe ao pirogravar em uma carneira de almofada uma imagem inspirada do real, uma nova forma e tentativa de se recriar a paisagem vista da janela:

“Quando lavro a fogo, na carneira de uma almofada, a paisagem que as lentes fotografam (areia, gramíneas, lagoa, céu e nuvens), não espero que a minha imaginação se desprenda da paisagem. Espero (talvez) um estímulo de fora. [...] O real não é diabólico em si mesmo. Longe disso. [...]

Aponta a almofada de carneira:

- Uma gravura abstracta. Perto da geometria, da arquitectura submersa das coisas. Mas foi a minha imaginação (partindo do real, eu sei) a construí-la. Magia para filtrar o mundo, dar lhe algum sentido”.

(FINISTERRA, 1978, p. 1031-1032).

A relação do olhar da mãe com a paisagem é evocativa na procura de recria-la na pele de um carneiro. Por conta disso, à medida que o desenho pirográfico ganha contornos do real captado, um novo mundo ou pseudomundo é criado a partir do mundo verdadeiramente visto.

A representação no desenho da criança

O romance é iniciado a partir da presença de uma criança sentada sobre um osso de baleia riscando os primeiros traçados da paisagem:

“Sentado num osso de baleia; para ser mais exacto, na secção média da espinha dorsal duma baleia: cinquenta e um centímetros de diâmetro, trinta e três de altura; duas vértebras abrem-se como as pás (as asas) duma hélice; bastante afastadas, permitem que os cotovelos se apoiem nelas: pondo o caderno em cima dos joelhos, consegue desenhar (não tarda muito, a chuva de verão vai obrigá-lo a entrar em casa)”. (FINISTERRA, 1978, p. 1009).

É no desenho da criança o “pequeno deus-criador do universo, a única personagem, em sua “versão povoada da paisagem” (FARIA In: ALVES, 2013, p. 77), que achamos a imaginação mais pura e fértil da trama de Carlos de Oliveira, representado, ou melhor, povoado de seres humanos e de animais que compõem a paisagem. Através do olhar captado, a criança recria no papel os contornos do mundo real visto e apreendido unicamente por ela:

“Então reproduz de cor a paisagem que vê da janela, cria os seres primordiais, mistura verão e inverno, atenua a cegueira (o excesso) de sol incidindo sobre sílica, mica esmigalhada, vidro moído num almofariz (sabe-se lá), aumenta os grãos de areia até o tamanho que parecem ter, de noite, quando o vento atira contra as vidraças as

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