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Regra da moral provisória

Por:   •  4/10/2018  •  3.241 Palavras (13 Páginas)  •  221 Visualizações

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A virtude – à qual em última análise, a ‘moral provisória’ conduz – é identificada com a vontade do bem e esta com a vontade de pensar o verdadeiro, que, sendo verdadeiro, também é bem. Com toda razão R. Lefebre destaca que Descartes pretende ‘utilizar a ação para aperfeiçoar-se a razão e utilizar a razão para aperfeiçoar a ação: essa é a fórmula de uma sabedoria concebida como elevação do pensamento na vida e da vida no pensamento’. Se a liberdade como indiferença ‘é o mais baixo de grau de liberdade’, a liberdade como necessidade é o seu grau mais elevado, porque se identifica com a verdade, alcançada e proposta pela razão. Se é verdade que é preciso pensar segundo a verdade e viver segundo a razão, para Descartes é mais triste perder a razão do que a vida, já que neste caso se perderia a razão da vida. Assim, o eixo da reflexão e da ação se desloca do ser para o pensamento, de Deus e do mundo para o homem, da revelação para a razão, novo fundamento da filosofia e constante ideal normativo da ação.

(REALE.G. História da filosofia: do humanismo a Kant. p. 388- 390)

2- Grandeza e miséria da condição humana

“O homem, evidentemente, é feito para pensar: nisso reside toda a sua dignidade e a sua função. E todo o seu dever consiste em pensar como se deve. Pois bem, a ordem do pensamento está em começar pelo próprio ‘eu’, pelo próprio autor, pelo próprio fim.’ Assim como para Montaigne, também para Pascal o homem é o objeto sobre o qual a filosofia deve refletir. E a reflexão filosófica sobre o homem leva logo à consideração de que o ‘pensamento constitui a grandeza do homem”.

É o pensamento que faz o homem diferente de todos os outros seres criados: ‘o homem nada mais é que uma cana, a mais fraca da natureza – mas é uma cana pensante. Não é necessário que o universo todo se arme para esmagá-lo: um vapor ou uma gota d’água basta para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem ainda seria mais nobre do quem o mata, porque sabe que morre e sabe da superioridade do universo sobre ele; já o universo, ao contrário, não sabe nada. Toda a nossa dignidade, portanto, consiste no pensamento. É com o pensamento que devemos nos nobilitar e não com o espaço e o tempo que poderemos preencher. Cuidemos, portanto de pensar bem: ‘esse é o princípio das moral.’ O pensamento é ‘uma coisa maravilhosa e incomparável por natureza’.

Assim , é no pensamento que estão a dignidade e a grandeza do homem. E a grandeza é tão evidente que pode ser deduzida até mesmo de sua miséria: ‘Com efeito, aquilo que é natureza nos animais, nós chamamos miséria no homem, do que deduzimos, ele decaiu de uma natureza melhor, que outrora lhe era própria.’ Mas, em todo caso, a grandeza do homem também está no fato de ‘que se reconhece miserável. Uma árvore não sabe que é miserável. Mas ser grande equivale a conhecer que se é miserável.’

E eis alguns sinais da miséria humana. Existem dois princípios de verdade: a razão e os sentidos, mas, como já sabemos, tanto uma como os outros ‘não somente carecem de sinceridade, mas também se enganam mutuamente’. E, se deixamos de lado a razão científica e nos colocamos lucidamente diante dos nossos comportamentos morais, então a miséria humana aparecerá em toda a sua evidência. ‘Nós não estamos contentes com a vida que temos em nós e em nosso próprio ser. Queremos viver uma vida imaginária no conceito dos outros e por isso nos esforçamos por aparecer. Ficamos continuamente estudando como embelezar e conservas o nosso ser imaginário – e esquecemos do verdadeiro.’

Na realidade, diz Pascal, ‘somos tão presunçosos que gostaríamos de ser conhecidos de toda a terra, como também por aqueles que viverão quando não existirmos mais; e somos tão vaidosos que a estima de cinco ou sei s pessoas que nos circundam já basta para nos alegrar e nos deixar contente’. A vaidade está arraigada no coração do homem: um soldado, um servente, um cozinheiro ou um varredor, com vaidade, anseiam por admiradores; ‘os próprios filósofos também os querem; e aqueles que escrevem contra a glória de ter escrito bem; e aqueles que os lêem querem ter a glória de tê-los lido; e talvez até eu que escrevo estas coisas, também a queira; e talvez aqueles que me lerem’. Não só a vaidade, mas também o orgulho: ‘Em meio às nossas misérias, erros etc., o orgulho toma naturalmente posse de nós. Estamos até dispostos a perder a vida com alegria, desde que se fale nisso.’

Mas as coisas não ficam nisso, já que a miséria humana para a qual Pascal volta a sua atenção é a miséria ontológica de condição humana: ‘ no fundo, o que é o homem na natureza? É nada em relação ao infinito, é tudo em relação ao nada, algo intermediário entre o nada e o tudo. Infinitamente distante de poder abraçar os extremos, o princípio e o fim das coisas lhe estão irremediavelmente ocultos em um impenetrável segredo, pois ele é igualmente incapaz de ver o nada do qual foi extraído e do infinito pelo qual foi engolido. O que pode ele fazer então captar algumas aparências daquilo que é intermediário entre as coisas, em um eterno desespero por poder conhecer o seu princípio e o seu fim? Todas as coisas saíram do nada e estão voltadas para o infinito. Quem poderá seguir esses caminhos maravilhosos? Só o autor dessas maravilhas as compreende; ninguém mais pode fazê-lo (...). Então, devemos nos dar conta de nossas possibilidades: nós somos alguma coisa, mas não somos tudo; o tanto de ser que possuímos nos impele o conhecimento dos princípios que saem do nada e aquele pouco de ser que possuirmos nos oculta a visão do infinito (...).’

Segundo Pascal, essa é a nossa verdadeira condição, que nos torna incapazes de saber com certeza e de ignorar em absoluto: ‘Nós navegamos em um vasto mar, sempre incertos e instáveis atirados de um lado para outro. Todo escolho em que pensamos nos agarrar para nos salvar acaba nos abandonando; se o seguimos, escapa-nos, foge das nossas mãos e some, em fuga eterna. Para nós, nada se detém. Essa é a nossa condição natural, que, no entanto, é a mais contrária à nossa inclinação: desejamos ardentemente encontrar um alicerce e uma base última para edificar uma torre que se erga até o infinito, mas nossos fundamentos se dissolvem e a terra se abre em abismos.’

Essa é, portanto, a condição humana: o homem é um ser instável e incerto, ‘não é anjo nem fera’. E a grandeza do homem reside justamente no fato de ‘que se reconhece miserável’. E suas misérias provam a sua grandeza: ‘são misérias

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