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A culpa médica e sua responsabilidade civil

Por:   •  11/5/2018  •  6.944 Palavras (28 Páginas)  •  345 Visualizações

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formatura e que lidam com vidas humanas no seu dia a dia. O Judiciário não pode, como vem fazendo, defender e proteger esse tipo de comportamento.

Conforme afirma Patrick Atiyah no seu título “The damages lottery”, Oxford: Hart Publishing, 1997, a responsabilidade civil contemporânea se tornou uma verdadeira loteria de indenizações.

Vive-se um momento de erosão dos filtros da reparação, com a gradual perda de importância dos tradicionais critérios de imputação de responsabilidade, a partir dos quais se promovia rigorosa seleção dos pleitos ressarcitórios.

Nas palavras de Anderson Schreiber: “Quando se propõem a selecionar os danos morais ressarcírveis, as cortes empregam critérios equivocados como a prova da “dor, vexame, sofrimento ou humilhação” - consequências eventuais e subjetivas do dano, que nada dizem com a sua ontologia -; ou ainda a gravidade da ofensa - critérios que, consagrado sob a fórmula de que “o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, implica verdadeira inversão na axiologia constitucional, já que semelhante condição não se impõe em âmbito patrimonial, onde qualquer prejuízo, por menor que seja, suscita reparação.

A saúde é frágil, e não raro os médicos são inocentados das denúncias. As vítimas reclamam das sentenças que dão pela improcedência de suas ações, e as dúvidas do acerto dos julgados atormentam a consciência dos juristas.

Válido se faz citar um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“A culpabilidade somente pode ser presumida na hipótese de ocorrência de erro grosseiro, de negligência ou de imperícia, devidamente demonstrados. Se os profissionais se utilizaram de sua vasta experiência e dos meios técnicos indicados, com os habituais cuidados pré e pós-operatórios, somente uma prova irretorquível poderá levar à indenização pleiteada. Não tendo sido demonstrado o nexo causal entre a cirurgia e o evento morte, correta esteve a sentença dando pelo improvimento da ação”. (RJTJRGS 146/340)

Infelizmente, é com esse rigor e falta de aprofundamento que nossos Juízes e Cortes vem tratando do assunto, não sendo esse julgado exceção, mas regra em nosso ordenamento.

Partindo dessa premissa surgiu o seguinte questionamento: Qual seria, de fato, essa prova irretorquível? Uma prova pericial? Estamos diante de seres humanos que lidam com dor, doenças, sofrimentos e esses tipos de posicionamentos por parte do Judiciário que objetivam suprimir essa responsabilidade médica de modo nenhum se torna aceitável.

Diante do exposto, a dificuldade, em se provar a responsabilidade médica e sua culpa ao invés de ser um obstáculo renunciativo do direito, deve representar um “estímulo e intensa disposição à busca da verdade” nas sábias palavras do mestre AVECONE, Pio (La responsabilità penal de medico, p. 11-12).

Convém, por fim, afirmar que todas as provas tem valor relativo, inclusive a pericial, não podendo o magistrado se ater exclusivamente a ela, pois que esta pode apresentar defeitos e inexatidões como qualquer outro meio de prova.

Há uma parte da doutrina, por exemplo, que atribui maior peso, na valorarão da prova, aos depoimentos das testemunhas que às próprias opiniões técnico-científicas dos peritos que por muitas vezes são contaminados pela classe médica. Nessa esteira segue Cunha Gonçalves.

Nossos Tribunais, deveras, vem agindo da maneira mais “fácil” que é a de passar ao expert, o dever de dizer se houve ou não responsabilidade médica, sem se ater aos demais meios de provas.

Observa-se, dentre inúmeras outras decisões no mesmo sentido, a transcrição do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE CULPA COMPROVADA PELA PERÍCIA.

1. Responsabilidade no caso em estilha (erro na realização de exame pelo médico executor) não é objetiva, sendo imprescindível a demonstração dos elementos consubstanciadores da responsabilidade civil do profissional, consubstanciados na culpa e no nexo de causalidade entre o procedimento e o dano sofrido. II. Tendo o laudo pericial concluído pela ausência de qualquer conduta inadequada na realização do procedimento e no tratamento posterior, cumulado com o fato da existência de fenômenos clínico aleatórios a que pode ser atribuída a ocorrência de perfuração no intestino da paciente e necessidade de ato cirúrgico imediato, ausente a comprovação de culpa. Destarte, inviabilizada a consubstanciação da responsabilidade do médico em reparar os danos sofridos pelo paciente. Precedentes do STJ. III. Apelo conhecido e improvido (TJGO - AC 0188331-58.2010.8.09.0011 - Aparecida de Goiânia - Terceira Câmara Cível - Rel. Des. Fernando de Castro mesquita - DJGO 11.12.2013 - p. 175).

Nesse sentido, espera-se desse artigo esclarecer que a análise da prova da culpabilidade em casos de erro médico, suscita profundas reflexões, sobrepondo-se quando necessário aos laudos periciais e decidindo contra eles em busca de uma verdade justa e real.

Assim, o propósito não é o de simplesmente convencer, mas o de responsabilizar.

1. Evolução História da Responsabilidade Médica

Pode-se afirmar que o primeiro documento histórico que cuidou especificamente do erro médico e, portanto, da responsabilização do profissional foi o Código de Hamurabi. Poderia o profissional sofrer severas penas que podiam significar, inclusive, a amputação de sua mão, caso fosse imperito. Válido salintar que essas penas eram aplicadas quando ocorria o evento morte ou lesões graves aos homens livres. Se fosse o caso de o paciente ser um escravo ou animal, a previsão era de ressarcimento de dano.

O nosso modelo atual de responsabilidade médica encontra registros primeiros no Direito Romano, vale dizer, no texto de Ulpiano conforme transcrição a seguir: “assim como não se deve imputar ao médico o evento da morte, deve-se imputar a ele o que cometeu por imperícia.

A evolução dessa responsabilidade civil deu-se no Direito Romano, que teve como ponto impulsionador a vingança privada e avançou para uma forma de responsabilidade por meio da composição com o ofensor, chegado à lei Aquiliana que foi um dos principais pilares para a estrutura jurídica e a construção da doutrina da responsabilidade civil fundada na culpa, conforme difundida nos dias atuais.

Miguel Kfouri Neto (p. 35) ressalta, a análise das Cortes Francesas a respeito da responsabilidade médica enfatizando a atuação

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