O Direito do Consumidor
Por: Sara • 13/2/2018 • 2.968 Palavras (12 Páginas) • 407 Visualizações
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DIREITO DO CONSUMIDOR Vulnerabilidade e hipossuficiência A vulnerabilidade é um princípio relacionado com o princípio da igualdade. “Aquele que é vulnerável1 , necessariamente se encontra numa relação desigual. Pode-se afirmar que a vulnerabilidade é um subprincípio, derivado da igualdade, expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal”2 , e também da dignidade da pessoa humana. A teoria finalista aprofundada (intermediária), trazida por Heloisa Carpena3 , aponta que o consumidor será sempre vulnerável, mas nem sempre hipossuficiente, e divide a vulnerabilidade em vários aspectos, que podem ou não se coincidir 4 : a) Técnico: quando o adquirente ou usuário não possui intelecção suficiente para avaliar a qualidade do produto ou serviço. Não tem condições de fazer uma escolha consciente. Uma característica que será verificada diante das qualidades e características pessoais de cada adquirente. 1Vulnerável: Suscetível de ser ferido, ofendido ou tocado. Enciclopédia Koogan-Houaiss Digital. Rio de Janeiro: Delta, 2000. 2 A afirmativa é de Heloisa Carpena. CARPENA, Heloisa. O Consumidor no Direito da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 182-183. 3 Chama-se de intermediária a corrente defendida por Heloisa Carpena: “O que delimita o âmbito de aplicação da própria lei é a ideia de vulnerabilidade, que é o cerne do conceito de consumidor, e princípio que orienta seguramente a interpretação da expressão destinatário final.” Cabe observar que a corrente intermediária não implica a ampla interpretação da orientação maximalista, nem no restrito e contraditório conceito da interpretação finalista, sendo intermediária, pois aplica-se a lei, utilizando-se a interpretação conforme um dos princípios básicos do CDC, que é a vulnerabilidade (art. 4º, I). Ibidem, p. 180. 4 Ibidem, p. 185-187. b) Jurídico: não dispõe de meios de acesso à Justiça, sendo menos esclarecido sobre os seus direitos e menos capaz de efetivá-los. c) Fático ou Econômico: é o mais evidente e se refere apenas à posição econômica das partes da relação de consumo. A vulnerabilidade5 não se confunde com a hipossuficiência econômica ou técnica. Afinal, o CDC não previu somente a proteção dos consumidores economicamente frágeis. Na lição de Roberto Senise 6 : Sem dúvida, deve-se privilegiar, por motivos de interesse social, o consumidor que possui maiores dificuldades de defender os seus direitos por fato ou vício de responsabilidade do fornecedor. Para isso é que o legislador procede genericamente a um tratamento equivalente de todos os consumidores, pois a realidade brasileira atesta que a maioria absoluta da população encontra-se em uma situação de inferioridade perante os fornecedores: inferioridade social, inferioridade econômica, inferioridade para a contratação de um advogado... E, como essa grande massa de consumidores é tratada pelos fornecedores de modo despersonalizado, nada melhor que o Código de Defesa do Consumidor conferir os meios de proteção transindividual dessa coletividade de consumidores. Fato concreto é o de um agricultor que comprou vinte e duas toneladas de adubo, testou o produto antes e não o utilizou, pois percebeu que o adubo apresentava vício de qualidade. O agricultor não era vulnerável no sentido técnico, havia a vulnerabilidade fática ou econômica. O STJ entendeu que a expressão “destinatário final” do art. 2º do CDC, alcança o produtor agrícola. 7 Em síntese, basta que um destes aspectos se manifeste para que se possa concluir que a pessoa é consumidora, nos termos da lei. 5 Além das citadas, Cláudia Lima Marques destaca a vulnerabilidade informacional: “Esta vulnerabilidade informativa não deixa, porém, de representar hoje o maior fator de desequilíbrio da relação vis-à-vis dos fornecedores, os quais, mais do que experts, são os únicos verdadeiramente detentores da informação. Presumir a vulnerabilidade informacional (art. 4º, I, do CDC) significa impor ao fornecedor o dever de compensar este novo fator de risco na sociedade”. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O Novo Regime das Relações Contratuais. 5. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 330. 6 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 98-99. 7 BRASIL, STJ, acórdão proferido pela 3ª Turma; Resp nº 208.793/MT; Relator: Min. Carlos A. Menezes Direito; DJ 1º/8/2000. p. 264. A respeito da vulnerabilidade do consumidor, José Geraldo Brito Filomeno expõe que8 : “O consumidor é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco”. O autor dessa frase, ao contrário do que possa parecer, não é qualquer consumerista exacerbado. Ao contrário, é o “pai da produção em série”, ninguém menos que o célebre magnata da indústria automobilística Henry Ford [...]. Como já afirmava o célebre Ruy Barbosa, a democracia não é exatamente o regime político que se caracteriza pela plena igualdade de todos perante a lei, mas sim pelo tratamento desigual aos desiguais. No âmbito de tutela especial do consumidor, efetivamente, é ela sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação das margens de lucro. (grifos do autor) Uma questão tormentosa era a incidência do CDC na prestação de serviços (contratos) bancários ou financeiros que foi apreciada em sede de ADI proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), em 2001 9 . O dispositivo atacado era o § 2º do artigo 3º da Lei nº 8.078/90. Em 7 de junho de 2006, o STF, por maioria, julgou improcedente o pedido contido na ação direta. Portanto, não restam dúvidas sobre a aplicação da lei do consumidor nas relações de consumo, até mesmo naquelas estabelecidas com as instituições financeiras, de crédito e securitárias, incluídas expressamente no âmbito de sua aplicação. Quando os serviços essenciais são prestados em regime de monopólio, está configurada a vulnerabilidade do consumidor, mesmo que seja uma empresa de grande porte. “A imprescindibilidade de tais serviços, por si só, já é suficiente ao reconhecimento da vulnerabilidade de forma genérica, sendo este um bom exemplo de seu aspecto fático ou econômico” 10 .
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