Contratos de financiamento: contrato de mútuo e garantias
Por: eduardamaia17 • 20/10/2018 • 6.142 Palavras (25 Páginas) • 361 Visualizações
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real, que é justamente a transferência de propriedade. A alienação fiduciária é tratada de forma interessante pela jurisprudência falimentar: no caso de uma recuperação judicial, o Judiciário poderia, com base na Lei n. 11.101/05 dar um prazo durante o qual um bem dado em alienação fiduciária poderia ficar retido caso ele fosse considerado importante para o patrimônio da empresa; este prazo começou a ser muito estendido, de forma que, na prática, houve mitigação da proteção que a alienação fiduciária dá ao crédito do mutuante, ou seja, sua característica de diminuição de risco de crédito tem diminuído por causa da forma como a jurisprudência interpreta o instituto.
Leitura obrigatória. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2007. pp. 179-211.
O mútuo é tratado nos artigos 586 a 592 do Código Civil. Ele é visto como contrato de empréstimo, ao lado do comodato, e embora seja muito utilizado no mercado financeiro, não é visto propriamente como um contrato bancário. O mútuo, ao contrário do comodato, é contrato de empréstimo de coisa fungível e se aperfeiçoa pela entrega da coisa ao mutuário, sendo, desta forma, contrato real. O mero acordo de vontades não é suficiente para aperfeiçoar o contrato; este acordo consiste na promessa de mútuo apenas, que no setor bancário recebe o nome de abertura de crédito e é vista como contrato preliminar (arts. 462 a 466 do Código Civil). O mútuo é contrato unilateral e, consequentemente, se resolve pela falência; a entrega da coisa, importante frisar, não é prestação contratual, mas sim condição da formação do contrato (o contrato de mútuo, desta forma, não prevê originalmente nenhuma obrigação ao mutuante).
É necessário diferenciar o mútuo de outras figuras contratuais semelhantes. A primeira delas é a chamada antecipação bancária: ela consiste em um mútuo ou promessa de mútuo com garantia pignoratícia, havendo possibilidade de vencimento antecipado do contrato caso a garantia se desfaça. Para Salomão Neto, a antecipação bancária consiste em uma modalidade do contrato de mútuo, sendo que a existência do penhor não a descaracteriza como tal, mas apenas adiciona elemento integrante ao contrato. O segundo é o comodato: através da leitura da lei, percebeu-se que as duas principais diferenças entre o mútuo e o comodato são 1) a fungibilidade ou infungibilidade da coisa emprestada (no comodato, a coisa é necessariamente infungível) e 2) a transferência da propriedade da coisa emprestada, que só acontece no mútuo (arts. 579, 586 e 587 do Código Civil). A fungibilidade, no entanto, ao ajuda muito na distinção: prova disso é a possibilidade de comodato de dinheiro (desde que as notas fossem indicadas por número de s rir e ficasse claro que deveriam ser devolvidas) e de mútuo de carro (se o carro não for individualizado). A fungibilidade, desta forma, é muito subjetiva.
Desta forma, Salomão Neto defende que o verdadeiro critério de diferenciação deve ser a transferência de propriedade: se a intenção das partes é transferir a propriedade da coisa, então ela é considerada fungível; se a intenção não é transferir a propriedade, a coisa é considerada infungível. Os elementos que permitem identificar qual é a intenção das partes neste sentido são 1) o tipo de uso permitido da coisa, 2) a possibilidade de dispor, 3) a possibilidade de restituição de outra coisa da mesma espécie e 4) a individualização da coisa transferida. Se nenhum destes indicativos constar no contrato, é preciso analisar o fundamento econômico do contrato. A terceira figura que deve ser diferenciada do mútuo é o saque a descoberto em conta corrente: de acordo
com a doutrina e jurisprudência inglesa, o saque consistiria em contrato de mútuo, pois os dois têm como característica principal o adiantamento de recursos ao cliente pela instituição bancária de maneira discricionária. Salomão Neto, no entanto, acredita que o saque não seja contrato de mútuo porque falta a vontade do sacador de celebrar tal contrato: quando se saca dinheiro do banco, normalmente o sacador acredita que esta sacando recursos que depositou anteriormente.
A quarta e última figura é o chamado repasse bancário, que consiste em acordo entre as instituições financeiras e bancos estrangeiros ou órgãos oficiais, estando as primeiras na condição de mutuárias, com o objetivo de captarem recursos para depois os repassarem aos seus clientes. A vantagem disso para os mutuantes é que eles não precisam realizar a análise de risco de crédito do tomador final de recursos (o cliente), porque esta análise é feita pela instituição financeira mutuária (ela terá que pagar certa quantia ao mutuante, é claro, em virtude deste rapasse, mas o terá também lucros para si através da cobrança de taxa de intermediação financeira). Neste caso, não há dúvida de que o repasse bancário é modalidade do contrato de mútuo.
É preciso tratar também do repasse de recursos captados no exterior pelas instituições financeiras. As instituições realizam contratos de repasse com bancos estrangeiros e, com os recursos captados, celebram contratos de mútuo com seus clientes. Isto é regulado pela Resolução n. 2.770/2000 do Conselho Monetário Nacional. A Resolução prevê que a instituição, nos contratos de mútuo com seus clientes no país, devem prever as mesmas condições de custo da dívida e de tributação que foram previstas no contrato de repasse (além disso, a cobrança de comissão só é permitida no repasse). Outra regra importante é que o mutuário (cliente) deve arcar com a variação cambial dos recursos que lhe foram repassados (o objetivo disso é reduzir o risco de câmbio das instituições financeiras e repassá-los para o tomador final). A natureza do repasse de recursos captados no exterior já foi explicada de várias formas - já tentou-se encaixá-lo na antiga comissão mercantil prevista no Código Comercial de 1850 (arts. 165 e seguintes) e através da teoria da coligação contratual (alegrando-se que existiria uma relação de dependência entre os contratos demitido celebrados com os clientes da instituição financeira e o contrato de repasse com o banco estrangeiro). Para Salomão Neto, o repasse consiste em nada mais que um contrato de mútuo, havendo, no caso, dois contratos de mútuo distintos (o de repasse e o celebrado com os clientes).
Existe também discussão a respeito do repasse de recursos governamentais. Este repasse consiste, basicamente,
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