UMA ANÁLISE DAS TRÊS VERSÕES DA BNCC (HISTÓRIA), SOB A ÓTICA DA CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO PÓS-ESTRUTURALISTA
Por: Rodrigo.Claudino • 26/11/2018 • 2.198 Palavras (9 Páginas) • 332 Visualizações
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Tanto o estruturalismo quanto o pós-estruturalismo[8] têm uma concepção não realista da linguagem, acreditando que a linguagem não representa o mundo, e sim, o cria. Por exemplo, a noção de infância se constituiu na Era Moderna, portanto, um indivíduo que hoje é considerado como uma criança, na Antiguidade seria visto como um “adulto pequeno”. Aliás, a própria noção de indivíduo, igualmente, advém da Modernidade. Uma diferença entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo é que, apesar da concepção não realista, a matriz estruturalista ainda defende a existência de uma estrutura que subjaz aos fenômenos, ao contrário da vertente pós-estruturalista, que, por tal razão, é confundida por alguns pensadores como sendo pós-moderna[9].
A partir deste breve panorama sobre a teoria do currículo, considero que as diferentes vertentes curriculares trazem suas contribuições e são datadas, na medida em que surgiram em contextos históricos específicos, ainda que algumas ideias de concepções antigas estejam presentes na atualidade. Por exemplo, cursos pré-vestibulares, preocupados com a inserção de jovens em universidades e no mercado de trabalho, em geral, apresentam uma visão tecnicista da educação. Utilizo, neste artigo, a matriz pós-estruturalista, na medida em que defendo que não existe uma única resposta para a pergunta “O que é currículo?” Em realidade, currículo é uma construção marcada por relações de poder que disputam uma concepção de ensino, de acordo com interesses ideológicos e políticos, seja no âmbito da micro ou da macropolítica[10].
Pensando nas discussões atuais sobre o campo do currículo, especificamente, na área de História, está em fase de elaboração uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esta começou a ser elaborada no final de 2015, apresentando, em sua primeira versão[11], conteúdos a serem ensinados, em História, com uma estrutura bastante diferente do que usualmente os currículos brasileiros ensinam, havendo grande preocupação em atender às exigências da Lei Nº 11.645/08, que estipula a obrigatoriedade do ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”[12]. Foi abolido, em tal documento, o estudo sistemático da Pré-História, da Antiguidade e do Medievo, havendo apenas algumas menções a tais temporalidades, como na indicação de abordar as rotas para o povoamento da América, no 6º ano, ou mesmo a problematização da divisão tradicional da História (Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea).
O enfoque da primeira versão da BNCC[13] era na História do Brasil e suas relações com o restante da América, da África e da Europa, buscando, efetivamente, desconstruir uma concepção eurocêntrica do conhecimento e valorizando os pré-requisitos da Lei Nº 11.645/08. Porém, houve muitas críticas a tal documento, sobretudo, entre os próprios historiadores. As áreas acadêmicas de Antiga e Medieval corriam o risco de perder importância, na medida em que o ensino de História aboliria o enfoque em tais temporalidades.
Alice Casimiro Lopes, em “O pensamento sobre organização curricular”[14], aborda o tema de como a disciplina acadêmica de referência pode contribuir para o prestígio de determinada disciplina escolar, embora, a autora enfatize que os propósitos da escola não são os mesmos da academia, portanto, criticando a concepção que enquadra o saber acadêmico como superior. Por outro lado, como demonstra o caso da BNCC, o saber escolar também pode afetar diretamente na produção acadêmica, havendo interesses e disputas de poder e legitimidade em jogo.
Atendendo às pressões, na segunda versão da BNCC[15], o ensino de História do Fundamental II é bastante tradicional e engessado, retomando temáticas como os Períodos Paleolítico e Neolítico. Há, contudo, no 6º ano, um enfoque muito maior em Grécia e Roma do que em civilizações como Mesopotâmia, Egito e hebreus, abrindo espaço para que a Idade Média seja abordada antes do 7º ano.
A segunda versão da BNCC apresenta maiores mudanças no Ensino Médio, na medida em que não apresenta alterações de grande relevância no Ensino Fundamental II. No Ensino Médio, embora não haja um abandono total da cronologia, há a opção por três grandes temáticas norteadoras: “Escravismos, Liberalismo, Autoritarismos e Democracias nas Américas”, “Da Queda dos Impérios Europeus ao Processo de Globalização”, “Brasil: República, Modernização e Democracia”.
A escolha de grandes temas tem um aspecto inovador, na medida em que não faz com que a abordagem do Ensino Médio seja mera repetição mais aprofundada do Ensino Fundamental II. Por outro lado, em comparação à primeira versão, a História do Brasil, como um todo, perde muito do seu destaque. Aliás, como de costume, o Brasil República é visto como moderno, havendo um quase apagamento da história rural de um país que só se tornou, efetivamente, urbanizado na década de 1970.
Em relação à 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular[16], o currículo do Ensino Fundamental II continuou bastante próximo aos modelos curriculares adotados pela maioria dos livros didáticos brasileiros. No 6º ano, Mesopotâmia e Egito voltaram a receber destaque, embora tenha permanecido a opção da segunda versão de incluir, já nesta série, a Idade Média. Houve, no 8º ano, maior ênfase na História indígena, seguindo os preceitos da Lei Nº 11.645/08, com temáticas como “Políticas de extermínio do indígena durante o Império” e “O discurso civilizatório e a questão indígena”. Infelizmente, o índio apareceu como dominado e afetado pelas políticas oficiais do Estado, não havendo destaque para sua organização e resistência.
Diferentemente da questão do indígena, no 9º ano, a capacidade de articulação dos negros aparece na temática intitulada “Os movimentos sociais e a imprensa negra; a cultura afro-brasileira como elemento de resistência e superação das discriminações”. A própria questão do índio ganha um destaque diferenciado no 9º ano, na medida em que recebe menção no período anterior a 1964, quando, em geral, os livros didáticos atuais só apresentam o indígena, nesta série, após a Constituição democrática de 1988.
Dentre todas as séries do Ensino Fundamental II, o 9º ano é o momento em que houve mais espaço para inovação, na terceira versão da BNCC, dando destaque para as ditas “minorias”[17]: negros, índios, questões de gênero e questão dos Direitos Humanos.
A versão mais recente da Base Curricular Comum não aborda o Ensino Médio, na medida em que vivemos as discussões para a efetivação de sua
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