Fichamento - Cinco Lições da Psicanálise
Por: Hugo.bassi • 7/10/2018 • 4.866 Palavras (20 Páginas) • 797 Visualizações
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Os histéricos sofrem de reminiscências. Seus sintomas são resíduos e símbolos mnêmicos de experiências especiais (traumáticas). Não só recordam acontecimentos dolorosos que se deram há muito tempo, como ainda se prendem a eles emocionalmente; não se desembaraçam do passado e alheiam-se por isso da realidade e do presente. Essa fixação da vida psíquica aos traumas patogênicos é um dos caracteres mais importantes da neurose e dos que têm maior significação prática. Todos os traumas que influíram na paciente de Breuer datavam do tempo em que ela cuidava do pai doente, e os sintomas que apresentava podem ser considerados como simples sinais mnêmicos da doença e da morte dele. Correspondem, portanto, a uma manifestação de luto, e a fixação à memória do finado, tão pouco tempo depois do traspasse, nada representa de patológico; corresponde antes a um processo emocional normal.
Uma segunda observação de Breuer obriga-nos a atribuir grande significação aos estados de consciência para a característica dos fatos mórbidos. A doente de Breuer exibia, ao lado de seu estado normal, vários outros de ‘absence‘, confusão e alterações do caráter. Em estado normal ela ignorava totalmente as cenas patogênicas ou pelo menos havia rompido a conexão patogênica. Sob hipnose era possível, depois de considerável esforço, trazer tais cenas à memória, e por este trabalho de evocação os sintomas eram removidos. Pelo estudo dos fenômenos hipnóticos tornou-se habitual a concepção de que num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem se alternar entre si em sua emersão à consciência. Casos destes aparecem de forma espontânea, sendo então descritos como exemplos de ‘double consciente‘. Quando nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse o estado psíquico ‘consciente‘ e o que dela permanece separado o ‘inconsciente‘. Nos conhecidos fenômenos da chamada ‘sugestão pós-hipnótica’, em que uma ordem dada durante a hipnose é depois, no estado normal, cumprida, tem-se um esplêndido modelo das influências que o estado inconsciente pode exercer no consciente, modelo esse que permite sem dúvida compreender o que ocorre na manifestação da histeria. Breuer resolveu admitir que os sintomas histéricos apareciam em estados mentais particulares que chamava ‘hipnóides’. As excitações durante esses estados hipnóides tornam-se facilmente patogênicas porque não encontram neles as condições para a descarga normal do processo de excitação. Origina-se então, do processo de excitação, um produto anormal — o sintoma — que, como corpo estranho, se insinua no estado normal, escapando a este, por isso, o conhecimento da situação patogênica hipnóide. Onde existe um sintoma, existe também uma amnésia, cujo preenchimento suprime as condições que conduzem à produção do sintoma.
SEGUNDA LIÇÃO
Quase ao mesmo tempo em que Breuer praticava a talking cure com sua paciente, começava o grande Charcot, em Paris, com as doentes histéricas da Salpêtrière, as investigações de onde havia de surgir nova concepção da enfermidade.
O grande observador francês não era propenso às concepções psicológicas. Foi seu discípulo Pierre Janet que tentou penetrar mais intimamente os processos psíquicos particulares da histeria tomando a divisão da mente e a dissociação da personalidade como ponto central de nossa teoria. Segundo a de Janet, a histeria é uma forma de alteração degenarativa do sistema nervoso, que se manifesta pela fraqueza congênita do poder de síntese psíquica. Os pacientes histéricos seriam, desde o princípio, incapazes de manter como um todo a multiplicidade dos processos mentais, e daí a dissociação psíquica.
O procedimento catártico, como Breuer o praticava, exigia previamente a hipnose profunda do doente, pois só no estado hipnótico é que tinha este o conhecimento das ligações patogênicas que em condições normais lhe escapavam. Como não podia modificar à vontade o estado psíquico dos doentes, procurei agir mantendo-os em estado normal. O auxílio me veio da recordação de uma experiência de Bernheim que havia então mostrado que as pessoas por ele submetidas ao sonambulismo hipnótico e que nesse estado tinham executado atos diversos, só aparentemente perdiam a lembrança dos fatos ocorridos, sendo possível despertar nelas tal lembrança, mesmo no estado normal. Quando interrogadas a propósito do que havia acontecido durante o sonambulismo, afirmavam de começo nada saber; mas se ele não cedia, insistindo com elas e assegurando-lhes que era possível lembrar, a recordação vinha sempre de novo à consciência. Procedi do mesmo modo com os meus doentes. Dessa maneira pude, prescindindo do hipnotismo, conseguir que os doentes revelassem tudo quanto fosse preciso para estabelecer os liames existentes entre as cenas patogênicas olvidadas e os seus resíduos — os sintomas. Esse processo era extenuante, inadequado para uma técnica definitiva.
Não o abandonei sem tirar conclusões decisivas. Vi que as recordações esquecidas não se haviam perdido. Jaziam em poder do doente e prontas a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos, mas alguma força as detinha, obrigando-as a permanecer inconscientes. A existência desta força pode ser seguramente admitida, pois sentia-se-lhe a potência quando, em oposição a ela, se intentava trazer à consciência do doente as lembranças inconscientes. A força que mantinha o estado mórbido fazia-se sentir como resistência do enfermo.
Nesta ideia de resistência alicercei minha concepção acerca dos processos psíquicos na histeria. Para o restabelecimento do doente mostrou-se indispensável suprimir estas resistências. As mesmas forças que hoje, como resistência, se opõem a que o esquecido volte à consciência deveriam ser as que antes tinham agido, expulsando da consciência os acidentes patogênicos correspondentes. A esse processo dei o nome de ‘recalque’. Tratava-se em todos os casos do aparecimento de um desejo violento, mas em contraste com os demais desejos do indivíduo e incompatível com as aspirações morais e estéticas da própria personalidade. Produzia-se um rápido conflito e o desfecho desta luta interna era sucumbir ao recalque a representação que aparecia na consciência trazendo em si o desejo inconciliável, sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida, juntamente com as respectivas lembranças. Era, portanto, a incompatibilidade entre a ideia e o ego do doente, o motivo do recalque; as aspirações individuais, éticas
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