A Proteção constitucional da criança na relação avoenga afetiva
Por: YdecRupolo • 29/11/2018 • 18.507 Palavras (75 Páginas) • 259 Visualizações
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Embora essa seja a definição encontrada na lei, não é possível definir a criança e o adolescente por regramento meramente jurídico, dado que a infância é uma construção social e, portanto, não é algo único e invariável, mas mutante, diferente a cada época, lugar e classe social.
Segundo José de Farias Tavares (2001:39), uma das primeiras referências à criança em ordenamentos jurídicos foi no Código de Hamurabi, que trazia disposições relativas à criança e adolescentes, como a previsão de revogação da adoção quando o adotante não cumprisse o dever paterno de promover a iniciação profissional do adotado. Já no direito romano, o abrandamento no tratamento da infância e da juventude pode ser percebido, mormente na diferenciação entre menores púberes e impúberes na aplicação das punições da Lei das tábuas.
Ainda, que as crianças e aos adolescentes, não fossem merecedores de proteção especial, conforme Nívea Barros(2005: 70-71) assinala:
No Oriente Antigo, o Código de Hamurabi (1728/1686 a.C.) previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais[3], assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse voltar à casa dos pais biológicos[4]. Caso um filho batesse no pai, sua mão era decepada[5]. Em contrapartida, se um homem livre tivesse relações sexuais com a filha, a pena aplicada ao pai limitava-se a sua expulsão da cidade[6].
José de Farias Tavares (2001: 13), ainda ensina que, “entre quase todos os povos antigos, tanto do Ocidente quanto do Oriente, os filhos durante a menoridade, não eram considerados sujeitos de direito, porém, servos da autoridade paterna”, portanto, a condição da criança juridicamente e socialmente era nula, invisível, o próprio sentimento da infância, tampouco existia, enfim, não eram merecedoras de qualquer atenção.
A definição de criança é bem recente, segundo Phillipe Aries (1998: 65-71) na Antiguidade e na Idade Média a visão de criança era muito diferente da atual, e somente na idade moderna começou-se a construção de um conceito mais próximo do atual. Na Idade Primitiva não havia ninguém em especial para educá-las ou cuidá-las. Posteriormente em Esparta, quem assumia esta tarefa era o Estado, em locais chamados ginásios, onde a partir dos 7 anos as crianças iniciavam treinamentos físicos, militares e suportavam provações físicas. Na Idade Média ainda inexistia o conceito de família como hoje é concebida, sendo esta fundada na linhagem, onde todos de uma determinada família moravam juntos em casa, sendo as crianças consideradas adultos em miniatura, não existindo atividades ou cuidados específicos para a idade. Até mesmo a escola não fazia diferenciação quanto à idade, o conteúdo era ministrado de forma igual. E que por ser grande a mortalidade infantil, os adultos não criavam expectativas em relações afetivas, dado que a taxa de sobrevivência era pequena, assim o amor em relação à prole não era algo natural e a morte das crianças era encarada naturalmente.
Na Idade Moderna ocorre um redimensionamento do conceito de criança, segundo Aires (1998: 72-75), a individualidade ganha proeminência, alavancada junto com o Capitalismo e a burguesia. O conceito de transmissão de propriedade ganha vulto e as crianças se tornam merecedoras de cuidados maiores. Deste momento em diante a morte de crianças não mais é vista com naturalidade, começando a existir um cuidado com a saúde e a higiene, também com a alimentação destas. A criança passa a ser vista como ser em crescimento e que necessitada de educação e moralização, demandando do Estado e das organizações religiosas que assumissem parte dessa responsabilidade. Assim, antes hábitos e lições anteriormente aprendidas em casa com seus familiares passam a ser ensinados por professores sob a égide do Estado e da Igreja. Cumpre ressaltar que estes conceitos eram primazia da classe média, da nova Burguesia, enquanto a classe menos abastada continuava a fornecer suas crianças como mão-de-obra barata para as nascentes indústrias.
Mesmo recentemente, ainda existiam dois tipos de infância: aquela que pertencia à criança, nascida na elite ou na classe média, e a infância do “menor”, oriunda das classes menos abastadas. Somente, e finalmente, em 1989 houve o encerramento esse período, passando a figurar, a criança e o adolescente, como sujeitos de Direitos sob a doutrina da Proteção Integral, incorporado à Constituição Federal de 1988, por meio do princípio da prioridade absoluta, assegurando seu status de sujeitos de direitos, e a garantia da condição de pessoa em desenvolvimento.
Destarte, o conceito de criança deve ater-se também ao fato de ser um cidadão, Segundo Mário Volpi (2001: 32) “o conceito de cidadania abrange a garantia de pelo menos três dimensões, o direito de ter direitos, o direito de usufruir no cotidiano dos direitos assegurados na lei e o direito de construir a cada dia novos direitos”. A partir dessa assertiva constata-se que a criança é um sujeito de direitos e portanto, cidadão.
Ainda, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente assevera esta cidadania da criança em seu texto. O caput do art. 53 assevera que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania”, e também a Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, estabelece no art. 2º que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania”.
Entretanto, essa trajetória não foi linear, tampouco tranquila; para um entendimento melhor de onde se está, nas palavras do filósofo Daisaku Ikeda (2012: 127), “deve-se olhar o passado para saber onde estamos e olhar o presente para sabermos aonde iremos”.
Nos primórdios do Brasil, verificava-se a situação de precariedade com que se tratava a infância e a juventude. Primeiramente com o abandono dos filhos indesejados das famílias portuguesas menos abastadas nas colônias e, depois, com o abandono dos filhos de escravos e de crianças indígenas que não se enquadravam no cenário social, na inteligência dos ensinamentos de Jadir Cirqueira Souza (2008: 74).
Jadir Cirqueira Souza (2008: 78), ainda afirma que essa fase histórica, conhecida na doutrina como fase da caridade, em que a proteção à infância era marcada pela ausência estatal, relegava a atenção à criança a cargo da Igreja, “além da visão
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