Nada deves a Salazar: A luta feminina através da literatura
Por: Evandro.2016 • 18/4/2018 • 2.375 Palavras (10 Páginas) • 359 Visualizações
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A nova pedagogia recriou e determinou a forma como os indivíduos iriam se conduzir daqui para frente. A cultura, enquanto produção e circulação de significados, forjou as mentes e os discursos, legitimando o poder do Estado Novo sobre cada indivíduo ou grupo, promovendo uma patrulha dentro das famílias e na sociedade.
Por volta do ano de 1936 foram criadas a Legião Portuguesa, grupo de voluntários dispostos a fazer qualquer coisa para defender o salazarismo, a Mocidade Portuguesa, outro serviço paramilitar obrigatório para todos os jovens, dentre tantos outros, igualmente importantes.
A censura foi outro instrumento de controle nos anos de ferro. Tudo era controlado, desde uma simples nota jornalística, até o exercício dos direitos civis, como por exemplo, o preenchimento de requisitos mínimos para o casamento de uma professora primária. Neste caso, o pretendente não poderia ganhar um salário menor que ela, além de ter a ficha de sua vida analisada por autoridades governamentais, somente depois da publicação no diário do governo, o noivo estava apto para se casar com a mulher desejada. (Decreto-Lei 27.279 de 24/11/1936, artigo 9º)
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Na ideologia do regime salazarista, os direitos da mulher eram quase nenhum. Elas só podiam votar se tivessem concluído o ensino médio ou a universidade, o que era quase impossível naqueles tempos e se fossem solteiras. Das mulheres casadas eram transferidos seus direitos aos maridos, que em função do poder familiar, exerciam todos os direitos do casal, inclusive votar. Para trabalhar no comércio, sair do país, abrir conta bancária ou usar contraceptivos, era necessário a autorização do marido, que a qualquer tempo, poderia mudar de ideia. Sem mencionar que ganhavam quase metade do salário pago aos homens.
Na contramão dessa hegemonia masculina, apareceu Judith Teixeira, nascida em 1880, na cidade de Viseu.
Escritora portuguesa, Judith ficou conhecida, ainda no ano de 1913 quando foi ré no processo de seu divórcio, acusada de adultério e abandono do domicílio legal. De personalidade forte, teve seu casamento dissolvido. Em 1914 casou-se novamente, com um industrial e advogado conhecido. O noivo era oito anos mais jovem que ela.
Quanto aos seus atributos como escritora, sabe-se que sua carreira começou no Jornal da Tarde, escrevendo composições em prosa, porém assinadas com pseudônimos desconhecidos. Era na criação artística que a autora exercia com extravagância sua liberdade e contestava as convenções tradicionais, pelas quais ela tinha tanto desprezo. Mas, isso lhe custou a distância de seus familiares e uma vida, de certa forma, marginal.
Imprimia em sua obra, o decadentismo – expressão artística que emergiu em vários países da Europa, em que se acreditava que tudo poderia ser destruído pelo tempo, tudo estava sujeito às mudanças.
Judith publicou seu primeiro livro de poesia em 1923, Decadência, conjunto de 35 poemas escritos entre os anos de 1919 e 1922. Parte da imprensa recebeu sua obra com grande entusiasmo e de forma elogiosa, enquanto outra parte, esbravejava duras críticas e desprezo por seu livro.
Venere Coricata
(Ante o quadro de Tiziano Vicelli)
Risca-se numa luz esbrascada
sobre uma pele negra e rebrilhante
a linha do seu corpo estonteante
recortando a nudez estilizada...
Cintilações de cor avermelhada,
vêm envolver-lhe a curva provocante!
E na boca perversa de bacante,
agoniza uma rosa ensanguentada!
Num amplexo quimérico cingida,
resolve-se na luz enrubescida,
em espasmos de luxúria, irrealizados...
Contorce-se num ritmo de desejos...
E a luz vai-lhe mordendo todo em beijos
o seio nu, de bicos enristados!
Estio – Poente Rubro, 1922
(TEIXEIRA, 2015)
Alunos das Escolas Superiores de Lisboa formaram uma espécie de ‘liga’ universitária, com o intuito de promover uma caçada às publicações, consideradas por eles, inapropriadas. Em março de 1923 esse grupo saiu às ruas em protesto, contra o que eles chamavam de literatura dissolvente. O jornal A Capital que fez a cobertura das manifestações, classificou os jovens como católicos sedentos e de mão pesada. (Sant’Anna, 2009).
Judith Teixeira, juntamente com outros autores, como António Botto e Raúl Leal, foram perseguidos pela censura e tiveram seus livros recolhidos das livrarias e queimados pelos censores. Fernando Pessoa chegou a escrever um artigo em apoio aos colegas, mas ninguém saiu em favor de Judith, a única mulher do grupo.
Compulsiva e incansável, a poetisa, ainda em 1923 publica Castelo de Sombras, coletânea de 24 poemas. Em dezembro do mesmo ano, volta a editar Decadência, as publicações que vemos hoje, são da segunda edição, pois da primeira, não se encontrou um só volume. Em 1925, a escritora trabalha para concluir Núa, vindo a publicá-lo no ano seguinte. Dessa vez, já sob o novo regime, ela recebe tímidos elogios, em forma de pequenas notinhas, mas, a dita grande mídia, não poupou críticas, sendo vulgarmente chamadas por alguns de Fufa, termo depreciativo que significava lésbica. O jornal Revolução Nacional publicou sobre o livro “uma das maiores vergonhas sexuais e literárias”.
Marcelo Caetano, ainda um jovem estudante de direito e diretor-fundador da Revista Ordem Nova, publicou o seguinte artigo:
Têm, ultimamente aparecido nas livrarias – alguns precedidos de largo reclamem – vários livros obscenos. Houve já uma inundação parecida, aqui há uns anos, quando um tal Sr. Raúl Leal publicou um opúsculo intitulado Sodoma Divinizada, que nas montras era ladeado pelas Canções dum tal António Botto e por um livro de grande formato intitulado Decadência, duma desavergonhada chamada Judith Teixeira.
A intervenção dos estudantes de Lisboa pôs cobro a este estado de coisas com grande indignação do Sr. Júlio
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