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O PRAZER DA LEITURA LITERÁRIA: A Literatura como mediadora da leitura estética

Por:   •  21/3/2018  •  1.966 Palavras (8 Páginas)  •  371 Visualizações

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Poderíamos dizer, portanto, que a identidade de Clara que nos é possível a partir da leitura desse trecho de depoimento consiste no modo como a professora interage com o grupo de leitura. O que temos é sua identidade de leitora, seu interesse pela literatura. Podemos conhecê-la, avaliá-la, analisá-la, pelo seu interesse nas obras literárias, manifesto aqui, reconhecido, pela transposição de possíveis obstáculos para a chegada à reunião de leitura. Sua pontualidade diz de seu interesse pela leitura literária por duas possibilidades que não aparece no depoimento, mas que podemos depreender facilmente deste trecho: ou ela, com a perna quebrada não conseguiu ficar pronta e chegar ao ponto de ônibus a tempo, por isso foi de taxi, ou era impossível que ela fosse de transporte coletivo com a perna quebrada, talvez os dois motivos confluíssem para sua chegada ao taxi.

O que entendemos deste depoimento é que ele produz o desvendamento dos empecilhos para a leitura, justamente por constituir a medida desses empecilhos. As exigências para a permanência no grupo eram precisas, objetivas, diretas. A condição da pontualidade significou, em certo dia, o empecilho fatal para a presença da professora. Poderíamos supor que qualquer outra questão talvez não a atrapalhasse. Ler em voz alta, participar das discussões, realizar produção escrita, o que fosse necessário, talvez exigências que até integrassem os requisitos do projeto, mas que o narrador nos omite neste trecho, não significavam problemas. Ou seja, o depoimento, pelo recorte que faz do projeto, cria-nos a imagem de Clara como a de uma leitora persistente, determinada, pronta para aceitar desafios e superá-los.

O sentimento da professora em relação às leituras dos textos literários significa quase no sentido de uma devoção, pois se trata de um comprometimento imparcial, uma determinação que julgamos, pela narração, insuperável. A ação da professora torna conhecida os seus pensamentos e sentimentos em relação à leitura. Permite-nos considerar uma relação estética entre leitor e texto. Aguiar (2007) assim observa acerca do processo envolvido na leitura.

Podemos definir a leitura como uma atividade de percepção e interpretação dos sinais gráficos que se sucedem de forma ordenada, guardando entre si relações de sentido. Ler, assim, não é apenas decifrar palavras, mas perceber sua associação lógica, o encadeamento dos pensamentos, as relações entre eles e, o que é mais importante, assimilar as ideias e as intenções do autor, relacionar o que foi apreendido com os conhecimentos anteriores sobre o assunto, tomando posições com espírito crítico, e utilizar os conteúdos ideativos adquiridos em novas situações. (p. 27)

A definição de Aguiar (2007) abarca elementos cognitivos envolvidos na leitura: ler envolve percepção e interpretação, é um agir sobre a escrita que culmina na produção de sentidos. Todavia, dessa citação, podemos depreender que a leitura abriga características da natureza humana que permitem ao leitor o desenvolvimento de suas habilidades intelectuais, também afetivas e emocionais. Quando a autora propõe que “os conhecimentos anteriores sobre o assunto” propiciam um movimento de leitura numa direção ou noutra, atesta da relevância da história de vida do leitor como interferente no entendimento do texto. Não apenas isso, ler, como atividade humana adquire a prerrogativa do hábito, do desejo, da necessidade. Se, quando lemos adentramos no campo da memória para a interpretação do texto, a leitura nos faz visitar quem nós somos quem nossa vida nos tornou.

É neste sentido que Aguiar (2007) pôde diferenciar a leitura de outras ações humanas, como se alimentar ou tomar água. Estas se relacionam a necessidades naturais ou fisiológicas, a leitura se vincula a necessidades culturais e, como tal, é adquirida. Este traço da leitura a torna uma ação voltada para o atendimento de interesses culturais – lemos para conhecer algo do mundo, algo que nos interessa, que desperta nosso desejo. Neste sentido, a leitura se configura como prática simbólica de apreensão da realidade que procura atender aos propósitos, aos interesses do ser humano. E se o fato não é diferente quando pensamos na leitura literária, há que se considerarem as particularidades ou especificidades do texto literário para que possamos pensar em por que lemos literatura.

Se Clara estivesse à procura de água, de alimento, enfim, de algo para saciar uma necessidade natural, o reconhecimento de seu desejo nos levaria a pensar na sobrevivência. Como seu interesse está voltado para o atendimento de uma necessidade eminentemente cultural, podemos nos perguntar de que modo se configura essa necessidade pela leitura do texto literário. Portanto, pensar no por que se lê literatura nos leva a considerações do que é a literatura e de qual relação o homem mantém com ela. É neste ponto que encontramos a grande contribuição de Jauss (2002) para que possamos refletir sobre a leitura literária. Texto e leitor se definem conjuntamente, a literatura, para este autor, se define na presença do leitor, existe a literatura porque existe seu leitor, este, por sua vez, recebe identidade também a partir da literatura, o que ele é isso quando em ato de leitura, se define pela relação que estabelece com o texto literário.

Podemos então considerar que a obra de arte literária produz determinados efeitos quando entram em contato com o leitor, com sua história de vida, com suas disposições, inferências sócias históricas e, culturais, com seus sentimentos, como as de Clara. Como esta integrava um projeto de leitura literária, como era professora da rede pública de ensino, como era usuária do sistema de transporte coletivo, no modo como se posicionava por sua história de vida, sua relação com a literatura manifesta esse amor exacerbado. Para Jauss (2002), o leitor confere identidade ao texto literário, pois é ele quem, durante a leitura compõe os efeitos do texto. Para Aguiar (2007), o processo se dá como percepção e interpretação dos fatos linguísticos. Jauss (2002) acrescenta a isso o fato de que o leitor funda os efeitos do texto por uma percepção e interpretação dos modais da língua a partir de uma relação estética com o texto.

Há na leitura, portanto, o silenciamento do entorno, num primeiro momento. O leitor não lê literatura para apreender algo que seja externo ao texto. Jauss considerava que a leitura científica, filosófica, de uma matéria de jornal ou receita de bolo sempre prevê que o leitor busque no texto algo que lhe seja externo, algo do mundo. Na leitura literária, primeiramente, a atenção do leitor se volta para o texto em si. É neste sentido

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