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A construção dos discursos das políticas de preservação do patrimônio cultural: Transversalidades catarinenses

Por:   •  8/11/2018  •  6.712 Palavras (27 Páginas)  •  327 Visualizações

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Pensar, então, o patrimônio a partir da identidade cultural como o passado de uma etnia (ou grupo social) é uma maneira de demonstrar o reconhecimento à ideia comunitária, isso quando o próprio grupo detentor de determinado patrimônio se reconhece perante ele. Assim, os sistemas de símbolos que cada grupo de pessoas experimenta subjetivamente como sua identidade podem ser chamados de cultura, “uma vez que eles [os patrimônios] materializam uma teia de categorias de pensamento por meio das quais nos percebemos individual e coletivamente” (GONÇALVES, 2007, p. 29). E aceitar que essa teia de significados abrange aquelas

Producciones simbólicas y las experiencias estéticas sustraídas a la urgencia de lo cotidiano, con los lenguajes, los rituales y las conductas gracias a los cuales una comunidad vive y reflexiona su vínculo con el mundo, con los otros y con ella misma (CHARTIER, 2008, p. 23).

Logo, conjugando patrimônio e cultura, temos o enlaço das produções simbólicas e experiências estéticas do cotidiano, tanto as deixadas por antepassados longínquos ou próximos quanto aquelas realizadas a partir de uma instituição ou de certas pessoas. Portanto, a ação do homem no espaço gera bens que podem vir a ser significativos a ponto de constituir uma marca naquele tempo. O patrimônio cultural de um país, estado ou cidade, ou mesmo de um grupo social, é formado por elementos tangíveis e intangíveis num determinado processo histórico que identifica e diferencia as pessoas a partir da reprodução das ideias e dos materiais provenientes desses elementos. O conceito de patrimônio cultural, então, está em constante embate de significados e ressignificados.

O período do século XIX, até meados do século XX, foi marcado por uma categoria de patrimônio ligada à herança e que tinha uma apelação estritamente material, ligada à preservação de monumentos e de edifícios históricos atribuídos por sua excepcionalidade, a era da “pedra e cal”.

Gonçalves (2007, p. 22) frisa que é a partir dos anos 1980[2] que as discussões na área do patrimônio cultural abrangem as pesquisas e as reflexões sobre as relações sociais e simbólicas dos objetos materiais entre os personagens da história da “antropologia cultural ou social (viajantes, missionários, etnógrafos, antropólogos, nativos, colecionadores, museólogos, universidades, lideranças étnicas etc.) que envolvem coleções, museus, arquivos e patrimônios culturais (novos patrimônios e novos usos)”.

No entanto, os discursos do patrimônio articulam-se enquanto narrativas, as quais relatam a história de determinada coletividade, seus heróis, os acontecimentos marcantes, os lugares importantes e os objetos que testemunharam esses acontecimentos. Essas narrativas da história “possuem certa autoridade na nação ou dentro de uma coletividade cuja memória e identidade são representadas pelo patrimônio” (GONÇALVES, 2007, p. 142). Assim, nem sempre essas narrativas se complementam, podendo haver discórdias.

E é nesse sentido que escolho falar de patrimônio cultural, trazendo algumas problemáticas vislumbradas no campo de estudos brasileiros, a partir de diferentes tempos históricos, perpassando transversalmente pela realidade vivida em Santa Catarina. Este estudo é parte integrante de uma pesquisa de doutorado desenvolvido pela autora, junto ao Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, na UFSC, em que se trabalhou com políticas públicas de preservação de patrimônio da cidade de Joinville, localizada no estado catarinense.

Este recorte pode auxiliar a entender o porquê das políticas públicas atualmente implantadas no sistema nacional, através do IPHAN particularmente, encontram-se muitas vezes desarticuladas dos anseios dos usuários dos patrimônios.

1 - Caminhos da agenda patrimonial

As cidades brasileiras e seus patrimônios culturais necessitam das políticas e gestões públicas para que haja a conservação e a preservação de seus bens. Portanto, é importante analisar o contexto brasileiro nas três instâncias governamentais sobre como vieram agindo em papéis-chave para a proteção e a construção do discurso do patrimônio na agenda nacional.

No Brasil, em resposta aos fatos e aos movimentos ocorridos na Europa, que se refletiram no país a partir dos movimentos conservadores e autoritários (literário e político) modernistas da década de 1930, houve uma radicalização do projeto modernizador de Estado Novo, de Getúlio Vargas, quando o Congresso Nacional foi fechado, partidos políticos foram encerrados e as eleições foram suprimidas, além de que a imprensa foi submetida à censura. Este foi o início do contexto político do que seria a “construção do patrimônio cultural nacional” (GONÇALVES, 1996, p. 40).

A partir daí os processos de tombamento, que são a forma institucionalizada de proteger os bens culturais, iniciados em 1937, e de outras tentativas de preservação efetivaram-se no patrimônio brasileiro. “As palavras de ordem eram progresso, ciência, saneamento e higiene. A modernização técnica e o modo de vida moderno encontraram terreno fértil nas maiores cidades [...]” (FLORES, 2006, p. 21).

A cidade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, foi o primeiro exemplar tombado, por meio do Decreto nº 22.928, de 1933[3], que elevou todo o centro histórico à categoria de monumento nacional. Esse lugar, o “conjunto arquitetônico e urbanístico da Cidade de Ouro Preto, [registrado] no Livro de Tombo das Belas-Artes” (MINC/IPHAN, 1994, p. 76), foi o estandarte dos modernistas, pois entendiam que lá estava a origem da nacionalidade brasileira a partir da identidade barroca e mineira[4].

Ouro Preto era uma cidade que nos anos de 1920 estava em decadência, após o ciclo da mineração e da Guerra dos Emboabas[5]. Um passado esquecido, que precisava ser lembrado com base no Brasil colonial, que era referência por suas casas e igrejas barrocas, nas quais a autenticidade e a originalidade cultural estavam presentes de forma marcante. “A perda do papel administrativo de sede do estado de Minas acaba sendo positiva para a conservação das feições urbanas da antiga Vila Rica [que] mantém praticamente inalterado seu conjunto arquitetônico, artístico e natural” (LIMA FILHO, 2006, p. 32). Para os modernistas[6], a cidade de Ouro Preto construiria, a partir de sua preservação patrimonial, o ideário de identidade artística brasileira, da “brasilidade”, da “alma ou da essência brasileira”, também inspirada pela figura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, escultor, entalhador e arquiteto no período do Brasil colonial. A aura

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