REFLEXÕES ACERCA DAS POLÍTICAS SOBRE DROGAS: INTERFACE HISTÓRICA E CONTEXTUAL
Por: eduardamaia17 • 9/7/2018 • 2.733 Palavras (11 Páginas) • 321 Visualizações
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drogas emergiram nos Estados Unidos, no século XIX, sob uma ótica proibicionista, militarizada e repressiva atrelada a dois modelos explicativos: o modelo moral/criminal e o modelo de doença.6
No modelo moral/criminal, o consumo de substâncias psicoativas se configura como um problema moral, uma prática delituosa cujo enfrentamento consiste no encarceramento dos imorais/criminosos. Já o modelo de doença concebe o consumo de drogas e a dependência como uma patologia biologicamente determinada e, como tal, deve ser abordada com a oferta de tratamento e reabilitação, no entanto, muitas vezes, sua prática também envolvia o isolamento dos usuários.6 Embora esses modelos explicativos sejam divergentes quanto às suas propostas de intervenção, ambos, subliminarmente, compartilham do propósito de eliminação do consumo de drogas a partir de medidas punitivas, tais como o encarceramento.
Esse processo de construção política do enfrentamento ao fenômeno das drogas teve subsídios dos movimentos populares e religiosos americanos, tais como o Prohibition Party (1869) e a Sociedade para a Supressão do Vício (1873), que avançaram dentro das estruturas de poder do Estado e, ao longo dos anos, foram garantindo a implantação de leis que restringiam, cada vez mais, a produção, o comércio e o uso de toda e qualquer droga ilícita.7
Paralelamente, no campo das relações internacionais, a dinâmica de desenvolvimento das políticas seguiu a mesma lógica, sendo, igualmente, encampada e articulada a partir de conferências e reuniões globais para que fosse possível uma efetivação das estratégias de enfrentamento, conforme os pressupostos já defendidos pelos Estados Unidos.7
Essa forma de combate às drogas foi disseminada em diversos continentes e, assim, a adoção de uma postura semelhante (proibicionista, ostensiva e repressiva) à estadunidense, tornou-se uma realidade, considerando que esse processo de produção, distribuição e consumo de drogas que circunscreve as mais distintas áreas geográficas é responsável pelo financiamento de diversos crimes transnacionais.8
Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, órgão responsável por criar e colocar em prática mecanismos que possibilitassem a segurança internacional, desenvolvimento econômico, definição de leis internacionais relacionados aos direitos humanos e ao progresso social, visualiza-se de modo concreto um organismo internacional que poderia liderar essa luta pelo controle das substâncias psicoativas no mundo.
Reflexões demonstram que a criação dessa organização teve como um dos principais eixos, voltados ao enfrentamento do fenômeno das drogas, a consagração do proibicionismo como estratégia efetiva para revertê-lo no mundo.9 Esse fato repercutiu e norteou toda a dinâmica de enfrentamento às drogas em todo o mundo. É relevante pontuar que esse processo político discutido e enfrentado pela comunidade internacional esteve restrito às questões de segurança internacional em detrimento ao fato desse fenômeno repercutir na segurança por meio do narcotráfico.10
Uma análise reflexiva sobre o fenômeno das drogas no cenário internacional assegura que essa estratégia política vigorou por muito tempo em todo o mundo e ainda traz consigo marcas importantes em diversas diretrizes políticas apresentadas na contemporaneidade.11 Destaca, ainda, que é recente na história do sistema internacional de controle de drogas a abordagem direcionada à área da saúde que tenha como diretriz a prevenção do uso, o tratamento e a reinserção social como possíveis soluções para seu controle.
Ao analisar esse movimento político sob um enfoque nacional, constata-se que o Brasil compõe o grupo de nações signatárias das convenções internacionais para repressão do tráfico e do uso de drogas. Essa realidade determinou que o país assumisse uma postura internacional semelhante e formulasse suas políticas alinhadas ao discurso proibicionista.7
As intervenções elementares desenvolvidas no Brasil datam do início do século XX, tendo em vista a exacerbada venda do ópio e seus derivados. Na perspectiva de atuar efetivamente na redução desse consumo, na década de 1930 foi promulgada a Lei n. 891/1938 (Figura 1), que propunha a internação compulsória, por tempo indeterminado, dos denominados toxicomaníacos.12 Além disso, criminalizava o porte de drogas ilícitas, independentemente, da quantidade apreendida. Na evolução histórica das políticas, conforme a Figura 1, destaca-se o ano de 1964 pela promulgação da Convenção Única sobre Entorpecentes, por meio do Decreto n. 54.216/1964. Nesse momento, identifica-se significativa evolução ideológica nessa dinâmica do fazer política sobre drogas: é possível identificar a preocupação com a saúde física até então esquecida. Outro aspecto relevante é a necessidade de conscientização acerca da prevenção desse consumo.13
A partir da compreensão da existência de uma relação inevitável entre o consumo de drogas e as alterações de saúde, tornou-se uma preocupação a necessidade de um enfoque mais específico à dimensão biológica. Sob essa perspectiva, elaborou-se a Lei n. 5.726/1971, que dava diretrizes às intervenções em saúde, embora estivesse restrita aos denominados infratores viciados: aqueles que, em razão do vício, não possuíam condições de discernimento acerca do caráter ilícito do seu ato.14
Posteriormente, essa lei foi substituída pela Lei n. 6.368/1976 que prevê assistência à saúde dos demais dependentes de substâncias psicoativas, assegurando-lhes tratamento sob regime de internação ou não, a partir da avaliação do quadro do dependente. Nesse momento já se entendia a importância da continuidade da assistência sob um enfoque extra-hospitalar, nos moldes da Reforma Psiquiátrica. No entanto, a ausência de recursos específicos tornou, naquele momento, o hospital psiquiátrico ferramenta exclusiva para essa abordagem terapêutica.15
Somente dez anos depois foi sancionada a Lei n. 7.560/1986, que dá maior liberdade financeira às ações preventivas e terapêuticas que deveriam ser implementadas nesse segmento social. Essa legislação cria o fundo de prevenção, recuperação e combate às drogas de abuso (Funcab), que dispõe sobre o destino dos bens apreendidos e adquiridos com produtos do tráfico ilícito de drogas ou atividades correlatas.16
Ao realizar análise sobre o processo de construção das políticas públicas de saúde no Brasil para usuários de drogas, chama atenção para o fato de que a própria legislação referida anteriormente impunha barreiras legais para a construção de novos modelos de atenção a saúde, além de possuir ainda arraigada a ideologia proibicionista que contrapõe
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