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Consumidores Negros

Por:   •  1/5/2018  •  4.185 Palavras (17 Páginas)  •  254 Visualizações

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Todos estes acontecimentos que marcaram o ano de 1988, tanto em âmbito nacional como internacional, foram favoráveis à construção de um discurso midiático que colocava o negro em debate, e também “levou o Brasil a se posicionar contra o regime da África do Sul e ao mesmo tempo a se posicionar sobre a situação do negro brasileiro e a desmistificar o discurso da democracia racial do país” (FERREIRA, 2006, p. 83).

Esta abertura a discussões que tomavam o negro como centro liga-se diretamente a percepção, por parte das empresas, do negro como consumidor potencial. Desmistificar o discurso da democracia racial desencadeia reflexões quanto aos direitos políticos e econômicos deste negro, assim, tais reflexões cooperam para que se enxergue o negro como um ser que contribui com as atividades políticas e econômicas do país, e, portanto, para que ocorra esta contribuição ele deve assumir (também) o papel de consumidor.

O negro viu-se representado, durante todo o decorrer do século XIX como um corpo escravo, um objeto manipulável e negociável que se configurou como uma mercadoria moldada sob os valores de uma cultura que se julgava superior e que, em decorrência deste julgamento, viu-se no direito de identificar o negro como inferior. Quando representado como corpo-escravo, o negro estava localizado à margem da sociedade, já que sua representação como um agente cultural estava marginalizada. Assim, posicionado fora das definições razoáveis para ser aceito na dinâmica da sociedade brasileira do século XIX, ele não podia consumir, não tinha direito a serviços públicos de saúde e educação, não frequentava locais de lazer, dentre outras restrições.

Os poucos bens que possuíam os escravos, bens que se limitavam praticamente a roupa do corpo, provinham de doações, trapos, remendos, ou seja, nada era, de fato, consumido em troca de moeda, não havia opção de escolha, uma vez que não havia um comércio que atendia especificamente às demandas dos negros (a não ser os comércios existentes dentro das próprias organizações de escravos fugidos, como os quilombos, nestes casos, os negros “chegavam a estabelecer relações comerciais com os povoados vizinhos”) (KOSHIBA PEREIRA, 1996, p.63). Desta forma, quando existiam essas relações comerciais que envolviam negros, elas eram realizadas fora da sociedade institucionalizada, ou seja, não eram reconhecidas pelas instituições sociais hegemônicas. Essa “ilegalidade” da prática do comércio não favorecia a visibilidade dos negros como consumidores nos meios de comunicação; por não participarem das relações de comércio legitimadas pelas organizações sociais (como empresas, imprensa, fábricas) eles não eram concebidos como possíveis consumidores, mas apenas como mercadoria.

O número de escravos que habitavam o Brasil mostrou-se crescente no decorrer do século XIX (em 1870 já havia, no Brasil, um total de 1.540.000 escravos) (KOSHIBA PEREIRA, 1996, p. 196). Por serem em grande quantidade, os negros escravos, se incluídos nas atividades sociais, poderiam vir a representar um mercado consumidor promissor e altamente lucrativo para os comerciantes da época, contudo tal possibilidade não se mostrava inteiramente viável, já que boa parte desses comerciantes eram traficantes de escravos e lucravam com essa mercadoria. Porém, durante o processo de emancipação dos escravos (que se iniciou em 1850, com o fim do tráfico negreiro e concretizou-se em 1888, com a extinção da escravidão) poderia ter-se avaliado esta opção do negro como consumidor, mas o cenário não contribuiu para dar visibilidade a essa alternativa, e a percepção a respeito da potencialidade do negro no papel de consumidor tardou a acontecer.

Na década de 1980, muitos publicitários faziam uma associação direta entre negritude e pobreza, fundamentando a ideia de que o negro estaria fora do mercado consumidor (e dos anúncios) por ser pobre.

A percepção do negro como consumidor potencial teve os seus primeiros passos no início do século XX, porém, neste momento o negro-consumidor era visto como marginalizado, ainda não reconhecido como um mercado promissor, mas sim como pertencente a um grupo social caracterizado como minoria, que poderia ser identificado à produtos geralmente baratos, pouco sofisticados e de caráter popular

Essa lacuna só viria a ser preenchida em 1997, com a publicação do estudo de mercado “Qual é o pente que te penteia? ”, desenvolvido pela Grottera Comunicação. O objetivo da pesquisa, nas palavras do próprio presidente da agência, Luis Grottera, era “colocar luz no potencial econômico e de consumo dos negros no Brasil”. Os autores descrevem a população negra como um segmento de mercado que tem dinheiro e sonhos de consumo, mas não tem a atenção das empresas brasileiras. Segundo os dados apresentados, existia no Brasil uma classe média negra consolidada, composta por cerca de 7 milhões de pessoas com rendimento familiar médio de R$ 2.300 mensais, em valores da época. Esse grupo concentrava renda anual em torno de R$ 46 bilhões e destinava cerca de R$ 500 milhões por mês ao consumo de produtos não essenciais, entretanto não se sentia devidamente atendido pelos produtos disponíveis no mercado – o que poderia gerar “uma infinidade de oportunidades de negócio” a quem se dirigisse a ele. De fato, o estudo procurou elaborar um perfil detalhado da classe média negra, em um esforço para convencer agências e anunciantes de que havia, sim, um mercado consumidor negro, e dedicar atenção a esse grupo poderia ser vantajoso.

Hoje, primeiros anos do século XXI, vê-se que o papel que atribui ao negro status de consumidor já é reconhecido por muitas das grandes empresas, as quais direcionam linhas de produtos inteiras para atender às necessidades especificas desse mercado. O reconhecimento de tantas empresas quanto à potencialidade do consumidor negro pode estar diretamente atrelado ao espaço de debate midiático, o qual, principalmente após 1988, deu ao afrodescendente uma aparição antes não contemplada.

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Se antes lhes faltavam opções, os negros têm hoje, ao seu alcance, alternativas crescentes de escolha quanto a produtos direcionados especificamente a eles. Esses produtos caracterizam-se por atenderem às especificidades do biótipo negroide e estão se aprimorando e ocupando espaço cada vez mais relevante nos anúncios publicitários e nas gôndolas do varejo.

Para exemplificar esta movimentação das empresas, tomemos a Unilever, dona de muitas marcas conhecidas, como Lux, Dove, Rexona, Seda, Vasenol, dentre outras. Ela direcionou ao público negro produtos de diferentes linhas

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