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Projeto de Lei 523/11 e a pretensa tipificação dos danos morais

Por:   •  11/7/2018  •  1.247 Palavras (5 Páginas)  •  386 Visualizações

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Para além disso, peca também o Projeto ao tentar esboçar as hipóteses de dano moral, caindo na velha e enganosa tentação de tentar abraçar com as leis todas as circunstâncias da vida cotidiana. Sabe-se bem que tal intento é impossível, mesmo porque inúmeras situações imprevistas à época da edição das leis sempre surgirão, desafiando uma aplicação extensiva das normas vigentes. É ilusão crer que a atividade legislativa, sempre mais lenta que as experiências sociais, será capaz de contê-las por inteiro.

A propósito, o sistema do novo Código Civil brasileiro é propositadamente fundado nas chamadas "cláusulas gerais" (ou "cláusulas abertas"), que servem precisamente para conferir ao intérprete maior liberdade na atividade exegética. As expressões de certa forma vagas, como "função social", "boa-fé" e tantas outras, vêm substituir as antigas concepções de que o legislador deve abranger tudo quanto possa e de que caberia ao jurista – especialmente ao magistrado – tão-somente aplicar a norma posta em lei. Assim, a tentativa de enunciar um rol de circunstâncias tipificadoras do dano moral nasce já defasada.

Veja-se ainda que o propósito que funda a elaboração do Projeto é o de eliminar o caráter genérico da lei, no tocante aos danos morais. Ocorre, contudo, que a última expressão arrolada pelo art. 3º do Projeto, paradoxalmente, cai na mesma fórmula empregada pelo Código Civil: a abstração. Afinal, o que seria "o ato ilícito, ainda que não gere dano específico" referido pelo texto? Não somente a expressão indica má técnica, por sua imprecisão e pela dificuldade na sua interpretação, como, ao que parece, abre margem a inúmeras hipóteses não contempladas pelo Projeto, contrariando, assim, o espírito que o moveu.

Diga-se, aliás, que a maior parte dos fatores elencados em lei como ensejadores dos danos morais já são reconhecidos pela jurisprudência, como a exposição vexatória no ambiente de trabalho, a exposição vexatória ou não consentida da imagem pessoal e a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes, entre outros exemplos. É dispensável, pois, enumerar tais circunstâncias em lei.

Cabe suscitar também que algumas das situações descritas levantam dúvidas. O Projeto prevê, por exemplo, que a disposição de cláusula leonina ou abusiva em instrumento de contrato e a violação do dever de cuidado caracterizam dano moral. Será que a mera previsão de cláusula abusiva, ainda que não venha a provocar danos específicos às partes, deve mesmo justificar alguma reparação? O mesmo quanto à "violação do dever de cuidado" (expressão, novamente, genérica): não deveria o suposto lesado ter de demonstrar que tal ilícito foi capaz de gerar abalo à sua dignidade?

Por fim, cumpre questionar a previsão relativa aos valores das reparações. De acordo com o Projeto, no caso dos danos individuais, elas devem ser fixadas entre 10 e 500 salários mínimos, levando-se em consideração a capacidade econômica dos envolvidos. Não parece adequado, contudo, estabelecer piso e teto para os valores das reparações. Recorde-se que o art. 944 do Código Civil estabelece como principal vetor para as indenizações – aí incluídas as reparações por danos morais – a extensão do dano. Assim, quanto mais gravosas as consequências sofridas pela vítima, maior deve ser a compensação. A extensão do dano, contudo, deve ser apurada diante das circunstâncias de cada caso concreto, competindo ao Judiciário arbitrar o valor a ser prestado pelo ofensor, nada impedindo que a reparação fique aquém ou além do montante sugerido pelo Projeto em apreço, tudo a depender do volume do dano e da capacidade econômica das partes.

São estas, em síntese, algumas das principais críticas ao Projeto 523/11, que, por seus termos, não merece ser convertido em lei.

SOBRE O AUTOR

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Adriano Marteleto Godinho

Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa.

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