O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Por: Juliana2017 • 29/11/2018 • 6.200 Palavras (25 Páginas) • 249 Visualizações
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Portanto, diante da desproporcional diferença social existente, justifica-se esse trabalho. A justificativa está em ser o princípio da coculpabilidade, primordial ao moderno Direito Penal, que privilegie um Estado menos intervencionista com máximas garantias.
A problemática do referido tema relaciona-se a não explicitação no ordenamento brasileiro desse princípio. Além, de mostrar as possibilidades de seu reconhecimento como princípio implícito na Carta Magna. Questiona-se: Caso houvesse sua expressividade, em qual fase da pena poderia ser aplicada? A nova reforma do Código Penal brasileiro trouxe a possibilidade de aplicação do princípio da coculpabilidade?
Em síntese, entende-se por meio do princípio da igualdade, da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo jurídico e, do garantismo penal defendido por Ferrajoli, ser a coculpabilidade um princípio implícito no ordenamento jurídico brasileiro, tendo por fundamento o artigo 5o, § 2o, da CF/1988.
Quanto à fixação da pena, o juiz passaria a analisar, além dos pressupostos da pena: a culpabilidade do autor, a culpabilidade da sociedade e as condições sociais. Formaria assim, um nexo causal de corresponsabilidade, para à aplicação da pena base, com fundamento no art. 59, do Código Penal.
1 O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE E O DIREITO PENAL
A origem histórica do princípio da coculpabilidade revela-se complexa, já que, salvo exceções, não consta nos dispositivos legais, na maioria das legislações, que a adotam. Exemplo disto, temos o ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto, existem três correntes que delimitam sua origem histórica: no século XVIII, os ideais iluministas; nos direitos socialistas e, no início do século XX, com o surgimento do Estado Liberal (MOURA, 2006).
O presente estudo adota o surgimento da coculpabilidade, nos direitos socialistas, desenvolvidos pelo médico francês Jean Paul Marat, na Suíça, em 1780. Marat publicou a obra intitulada “Plano de Legislação Criminal”, que tecia críticas sobre o Direito Penal, em face das desigualdades sociais existentes na época (FLORES, 2010).
Nesse plano, a culpabilidade era relacionada a fase representada pela sociedade, ou seja, analisava a conduta ilícita e reprovável do agente perante às condições socioculturais por ele vivenciadas.
Para Marat “a pena mais justa é a ‘talional’, mas observa que isso será só numa sociedade justa” (apud ZAFFARONI, 2006, p. 232). Nessa concepção, adepto da teoria contratualista, acreditava-se na existência de um contrato social entre a sociedade e o Estado.
Rousseau, em sua obra “Do Contrato Social”, discorreu sobre o contrato social, do qual, a sociedade, em justas condições, abriu mão de seus direitos individuais para que o Estado protegesse a sociedade. Este contrato consolidou-se, no momento em que, os homens reuniram-se em sociedade. e, partindo-se dessa formação, para garantir a convivência, deveres foram positivados pelo Estado e tornaram-se regras a serem respeitadas. O Estado, por sua vez, garantia toda a gama de direitos fundamentais, como a igualdade, por exemplo.
Ocorre que, esse contrato começou a ser descumprido, numa verdadeira inversão paradigmática. Instaurou-se a violência, começando a reprimir a igualdade e, o individualismo postergou o bem comum.
Nesse primeiro momento, o Estado ficou inerte, deixando de utilizar-se dos poderes de polícia ou de políticas públicas para frear o nascimento das desigualdades sociais e econômicas. Em razão disso, deu-se quebra do contrato social e o Estado deixou de fornecer condições mínimas de sobrevivência à sociedade (BARROSO, 2009).
Com isto, iniciou-se questionamentos acerca do descumprimento do contrato pelo Estado, tendo em vista a desestruturação da sociedade, que, diante das desigualdades, dividiu-se em duas: a dos incluídos socialmente e a dos excluídos. Surge a interrogação: o agente excluído deveria ser fiel ao ordenamento de leis positivadas pelo Estado?
Partindo-se desse ponto, é fácil concluir que Jean Marat defendia a isonomia plena, onde o direito e à aplicação da pena deveriam ser justos na contextualização de cada sociedade, sob a garantia do Estado, bem como as diferenças sociais dentre os indivíduos seriam analisadas, em cada caso, para a correta aplicação da pena (MATTE, 2008).
Em virtude dessas considerações, os juristas Zaffaroni e Pierangeli entendem que Marat foi o precursor do pensamento do princípio da coculpabilidade, resgatando, no início de 1980, essa concepção de contrato e o idealismo de coculpabilidade:
Todo sujeito age numa determinada circunstância e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade - por melhor organizada que seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao indivíduo e sobrecarrega-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘co-culpabilidade’, com a qual a própria sociedade deve arcar. Tem-se afirmando que este conceito de co-culpabilidade é uma idéia introduzida pelo Direito Penal socialista. Cremos que a co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat e, hoje faz parte da ordem jurídica de todo Estado social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais e, portanto, tem cabimento no Código Penal (2006, p. 525).
Assim, o princípio da coculpabilidade surgiu inspirado nos ideais de Marat, “pois não é nada mais do que o reconhecimento da igualdade material, por meio da co-responsabilização indireta do Estado iluminista em não criar oportunidades iguais de inclusão social aos seus cidadãos, em virtude da sua inadimplência” (MOURA, 2006, p. 43).
Já no ordenamento jurídico pátrio, Zafarroni identificou a coculpabilidade no atual código Penal, em seu artigo 60, caput e § 1o. Conclui-se que:
Ao lado do homem culpado por seu fato, existe uma co-culpabilidade da sociedade, ou seja, há uma parte de culpabilidade – da reprovação pelo fato – com a qual a sociedade deve arcar em razão das possibilidades sonegadas [...]. Se a sociedade não oferece a todos as mesmas possibilidades, que assuma a parcela de responsabilidade que lhe incumbe pelas possibilidades que negou ao infrator
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