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O DIREITO AO ESQUECIMENTO DO CONDENADO, INSTRUMENTOS AUXILIARES PARA A SUA EFETIVAÇÃO E AS DECISÕES DO STJ

Por:   •  5/12/2018  •  7.238 Palavras (29 Páginas)  •  337 Visualizações

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O delinquente não sobrevive à sua morte. O que é imortal não é o delinquente mas a comunidade de pessoas, que persiste como tal, apesar de que mudam as pessoas que integram. E é perante ela que se mede o tempo da pena. O tempo da pena se quantifica em função do tempo da sociedade, e não do tempo do delinquente. Este se exclui do único tempo de que em sua realidade se lhe pretende excluir: o tempo que transcorre no espaço social.[5]

Com efeito, a prisão tornou-se praticamente o único meio de castigar os delitos, não porque se aprecie seu valor simbólico ou porque se pretenda reprimir a vontade do réu. A razão mais importante é outra: ter tomado a pena como meio de defesa da sociedade e de seus membros; manter prisioneiro o culpado serve para impedi-lo de causar dano, além disso, é um meio de correção e recuperação do delinquente, além de mantê-lo longe do convívio social, pelo menos em tese.[6] A prisão, como resposta ao delito, é um elemento imediatamente compreensível do discurso jurídico. Sua primeira função, evidente e indubitável, é a separação. E esta afeta diretamente o sentimento de pertencer à comunidade, dado que o exclui da comunidade. Nesse sentido, tem um caráter marcadamente retributivo: a violação da norma que permite a existência da comunidade supõe uma separação voluntária da comunidade. Ou seja, quem atenta contra a existência da comunidade, ou quem põe essa existência em perigo, é apartado do convívio comum.[7] Excluir o indivíduo da coexistência com a sociedade é o mesmo que colocarmos animais selvagens para viverem em zoológicos, isso porque quando se está longe do seu habitat natural cria-se uma barreira de controle que muitas vezes foge da nossa alçada, e o desequilíbrio se torna insustentável. É o que ocorre atualmente nos centros prisionais brasileiros, tiramos o indivíduo do seu ambiente biológico e o jogamos em celas feitas para animais e os criamos e alimentamos como tais. Nessa sintonia, o sujeito é readaptado, mortificado e esquecido pelo seu grupo social, momento em que torna-se mais violento, agressivo e propício a vícios e degradações. Com efeito, ao saírem dessas masmorras selvagens, construídas para seres humanos, o egresso ou o ex-condenado volta a ser visto como “gente, criminoso, mais gente”, volta a ser lembrado pela comunidade em que vive, e se cometeu crime de alta repercussão, a mídia, através dos meios de comunicação, faz questão de publicar nota ou notícia informando que mais um criminoso é posto em liberdade. Daí começa uma luta sem fim, a vontade de retornar ao mundo exterior, de ver os familiares, de ver até mesmo os desconhecidos e de começar uma nova vida, de arrumar um emprego, de voltar a estudar transforma-se em um suplício interminável. A doença de ter passado pelo sistema carcerário, deixa o indivíduo com uma marca indestrutível, indelével, o estigma. E o que esperar desse quadro horrendo? Pessoas que tentam recomeçar, ter uma oportunidade, um trabalho digno são rechaçadas e humilhadas e apesar de não dever absolutamente nada à sociedade e a justiça, ainda são tidas como delinquentes. É uma pena de morte em vida, pois diante dessas condições o indivíduo morre. “Morre durante a pena ou morre depois da pena.”[8] Não é possível dizer que existe vida em um ambiente em que não existe humanização, não existe respeito ao próximo, o esquecimento faz parte da sobrevivência dos indivíduos que ali estão, sejam enclausurados, ou seja fora dos muros da sobrevivência, pois são esquecidos pela sociedade, pelos familiares, pelo sistema, pelo mundo. Afinal, a prisão é lugar de exclusão. Nela vivem os que foram expulsos da sociedade, sob fundamento de que praticaram fatos merecedores de reprovação. Seus muros delimitam as fronteiras com o mundo externo e impedem a comunicação com os que se encontram do lado de fora, Há na prisão um distanciamento, uma separação física, um hiato em relação à comunidade social como um todo. Em resumo é a ruptura do contexto social.[9] O estigma que o ex-presidiário carrega foi construído dentro de um sistema prisional falido, de uma justiça distante e morosa, por meio do descaso, de uma supervisão fraca e de uma execução penal calamitosa que coloca apenados em condições subumanas, inseguras, ociosas, permissivas, insalubres, indignas, sem controle e sem oportunidades futuras fora do crime e que não possibilita o mínimo de decoro àquele que foi condenado. A reação social é única: desprezo e falta de oportunidades.[10] Nas palavras Bitencourt[11]:

[...]a pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos ‘expiacionistas’; que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não.

O que se constata é que, na prática, o cidadão-preso perde muito mais do que sua liberdade. Perde sua dignidade. Está submetido à humilhação e acaba se sentindo um nada. E é nesse contexto que, depois de cumprida a sua passagem pela casa prisional, voltará ao convívio social. Estigmatizado. Rotulado. Sem possibilidade de adaptação. Nas sábias palavras de Carolina Ferreira:

O homem ao ser preso perde a sua liberdade, mas não deixa de ser detentor de todos os demais direitos que a todos alcançam. Isso porque, mesmo nesta situação, ele não fica afastado da máxima constitucional que é a dignidade da pessoa humana. Quando perde a sua liberdade, o homem já perde muito, mas é espantoso tudo o que lhe é possível ainda perder. Privar alguém da sua liberdade não é coisa à toa. O simples fato de estar enclausurado, de não poder mais ir e vir ao ar livre ou onde bem lhe aprouver, de não poder mais encontrar quem deseja ver, isto já não é um mal bastante significativo? O encarceramento é isso, é também um castigo corporal. A privação de ar, de sol, de luz, de espaço; o confinamento entre quatro paredes; o passeio entre grades; a própria promiscuidade com companheiros não desejados em condições sanitárias humilhantes, o odor, a cor da prisão, as refeições sempre frias, estas são provações físicas que agridem o corpo.[12]

Nesse sentido, o direito ao esquecimento vem para tentar estabelecer um controle entre aquele que saiu do sistema penitenciário e aqueles que vão “acolher” esse sujeito. O direito ao esquecimento baseia-se na ideia de que, o indivíduo que foi condenado pela prática de determinado crime, por mais cruel que tenha sido, após cumprir a pena que lhe foi imposta e ter recebido a sua declaração de reabilitação criminal, ou mesmo sem ela, conforme preceitua o artigo

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