DA MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL - Uma nova sistemática das famílias recompostas
Por: Salezio.Francisco • 3/10/2018 • 3.905 Palavras (16 Páginas) • 429 Visualizações
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É pautado no afeto que reside a discussão jurídica acerca da inserção ou não de uma terceira pessoa na certidão de nascimento. Cabe ao estudo em questão analisar o reconhecimento da multiparentalidade decorrente das novas (re)composições familiares e do melhor interesse para o registrado. Todavia se faz necessário o estudo do tema, pelas mudanças significativas que tal reconhecimento irá trazer ao ordenamento jurídico, principalmente ao ramo do Direito de família.
DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA
Com a passagem do homem do estado selvagem para o estado da civilização foi possível a estruturação da família. Etimologicamente, não se sabe ao certo a origem da palavra família. Há quem diga que vem do latim fames (“fome”) e outros afirmam que procede do termo famulus (“servente”). Deste modo, acredita-se que, o conceito de família guarda relação com o conjunto de escravos domésticos que pertenciam a um dono e que trabalhavam para o sustento destes. Em obra relevante para a compreensão do instituto família, observa o doutrinador Pablo Stolze, 2012:
Com efeito, abstraindo as discussões acerca de um modelo inicial único (patriarcal ou matriarcal, monogâmico ou poligâmico...), o mais adequado é reconhecer que, na Antiguidade os grupamentos familiares eram formados não com base na afetividade (que como veremos, é o princípio básico do direito de família brasileiro moderno), mas sim na instintiva luta pela sobrevivência (independentemente de isso gerar ou não, uma relação de afeto).
Para esse doutrinador, a família patriarcal tinha a finalidade de formar um grupo de proteção, produção e/ou reprodução, muito embora dessa relação pudesse nascer ou não, as relações de afeto, não sendo este último necessário (STOLZE, 2011).
A família foi considerada como a primeira unidade social do ser humano, o primeiro agente socializador que, antes mesmo de se organizar em grupos secundários, construía-se um grupo de pessoas relacionadas a partir de um ancestral comum ou através do matrimônio, conhecidas historicamente como estrutura patriarcal, em que o pai (marido) detinha o poder sobre os filhos e a esposa, ou formando a família natural, unidos pelas consaguinidade de pais e filhos.
Ao longo dos tempos, nos idos do século XX, essa organização passou por diversas mudanças, fossem sociais, culturais ou religiosas e, após a evolução trazida pela Constituição Federal de 1988 e a publicação da Lei do Divórcio, as relações estabelecidas pela consaguinidade e necessidade de sobrevivência foram dando lugar a outras formas de agrupamento, não comprometidos somente com a sobrevivência, mas preferencialmente pelo vínculo de afeto que os uniam. Em relação aos filhos, só eram reconhecidos aqueles que nascessem dentro do matrimônio, sendo considerados legítimos. Aqueles que por algum motivo nascessem fora do casamento, não podiam sequer, ser reconhecidos.
Fazendo menção ao uso da terminologia discriminatória dada à classificação da filiação pelo código civil brasileiro de 1916, esta se dividia em legítimos e ilegítimos. Os ilegítimos eram subdivididos em naturais ou espúrios, estes últimos em incestuosos e adulterinos. Essa divisão tinha como critério singular o fato de o filho ter nascido dentro ou fora do matrimônio, ou seja, se os genitores eram casados ou não entre si. Por conseguinte, era a situação matrimonial entre o pai e a mãe que determinava a identificação dos filhos: dava-lhes ou tirava-lhes o direito à identidade e, sobretudo, o direito à sobrevivência (DIAS, 2015).
Na legislação atual, especialmente em nossa Constituição Federal de 1988, houve um grande avanço no que tange ao direito de família. Esta foi instituída pela carta magna, pautada essencialmente no princípio da dignidade da pessoa humana, como a base da sociedade, abrangendo várias formas de unidades familiares tais como a monoparental, a união estável e a mais recente, a homoafetiva, todas protegidas pelo Estado (art. 226 da Constituição de 1988). Além disso, houve expressa vedação constitucional quanto à classificação cruel no tratamento dos filhos, manifestando-se o princípio da igualdade, abolindo a distinção entre os filhos legítimos ou ilegítimos e dando proteção ao direito de serem reconhecidos como tal.
PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO CARACTERIZADOR DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Com as modificações que a família sofreu ao longo do tempo, apareceram novos arranjos familiares, como outrora mencionados. Como consequência desses novos arranjos, o afeto passou a ter papel importante na configuração de uma relação familiar. Dizer que a família é baseada na necessidade de sobrevivência ou na perpetuação da espécie humana é um entendimento muito ultrapassado, visto que estes não são em sua totalidade, a essência das uniões. O termo affectio societatis, muito utilizado no direito das Famílias, é conhecido como possibilidade de exposição da idéia de afeição entre duas pessoas para constituir uma nova sociedade. O afeto então, se torna não só um laço que cinge os integrantes, ele é uma família, como afirma Maria Berenice Dias.
Para Paulo Lôbo, o nascimento do princípio da afetividade traduz uma repersonalização, não trazendo o indivíduo para o individualismo, mas para a valoração do ser em lugar do ter (LÔBO, 2010). Nesse sentido, as novas estruturas familiares foram criadas com o afeto como base, o apreço, o amor, era o que unia as pessoas, fazendo do princípio da afetividade a essência das relações familiares e a afastando a consaguinidade como prioridade.
Nesse diapasão, além do princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da afetividade, nas relações familiares também se encontra o princípio da igualdade, estabelecido na nossa carta magna, em que afirma que homens e mulheres são iguais perante a lei em direitos e obrigações. Assim sendo, com a influência do princípio da afetividade, nos núcleos familiares existe hoje uma igualdade entre os cônjuges e companheiros, filhos legítimos e ilegítimos.
Portanto, o elo atual da família é o afeto, laço de formação das unidades familiares, que, independente de como está estruturada, tem a intenção de fazer erguer o amor familiar entre seus membros, o qual é o elemento basilar da estruturação e formação da entidade familiar (LÔBO, 2012).
DA MULTIPARENTALIDADE
Com o advento das novas (re)composições familiares, instituídas com base no afeto, muitas famílias que outrora eram estruturadas por pai, mãe e filhos biológicos
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