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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: O VALOR DO AFETO NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO PATERNO-FILIAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Por:   •  27/3/2018  •  5.650 Palavras (23 Páginas)  •  370 Visualizações

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família consubstanciava-se na própria vontade marido. Tal família era matrimonializada e os filhos nascidos fora do casamento, chamados de ilegítimos, não tinham espaço na unidade familiar codificada. O casamento, em regra, era indissolúvel, sendo que a única forma de dar solução a um matrimônio mal sucedido era o desquite, o qual encerrava a comunhão de vida, mas não o vínculo jurídico .

Felizmente, através da evolução social e familiar, as alterações legislativas foram inevitáveis. A evolução do conhecimento científico, a revolução tecnológica, a clonagem, as inseminações artificiais, os movimentos políticos e sociais, a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o homossexualismo, dentre outros fatores, exigiram profundas mudanças na legislação.

A Constituição Federal de 1.988, também chamada de Constituição Cidadã, foi a responsável por trazer grande parte dessas mudanças, consagrando uma série de direitos sociais que desestabilizaram a estrutura liberal e patrimonialista da legislação civil até então vigente. Para Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 5-6), tais mudanças vieram acompanhadas de novos ideais que provocaram o enfraquecimento do patriarcalismo e lançaram os sustentáculos de compreensão dos Direitos Humanos . O princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi o principal responsável por essas modificações ao colocar o ser humano no centro das preocupações do ordenamento jurídico.

A Constituição Federal de 1.988 impôs uma verdadeira quebra de paradigma ao Direito Civil, fazendo com que este abandonasse a tradicional postura individualista e patrimonialista, e migrasse para uma concepção em que a dignidade da pessoa humana e seus valores existenciais fossem prioritariamente considerados, prevalecendo sobre interesses eminentemente econômicos.

A constitucionalização do Direito Civil trouxe ao Direito de Família um avanço nunca antes alcançado, onde prevalece uma visão mais humana e menos patrimonialista do direito. A esse respeito, Eduardo Silva (2002, p. 450-451) afirma que a família abandonou então sua posição de unidade econômica e passou a ser uma unidade de afeto e colaboração .

Além do princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição trouxe outro princípio de fundamental importância para o direito de família: a igualdade entre os filhos. A consagração deste princípio representa uma grande evolução, tendo em vista que exterminou qualquer tipo de tratamento discriminatório em relação aos filhos. Deste modo, não mais se fala em filhos legítimos, ilegítimos, naturais, adotivos, adulterinos ou incestuosos, visto que todos são igualmente filhos e gozam da mesma proteção, não sendo mais admitida, portanto, qualquer forma de distinção jurídica, sob as penas da lei. Tal distinção jurídica visava nada mais do que a proteção do patrimônio familiar, contudo, na realidade atual o melhor interesse da criança e do adolescente deve ser sempre priorizado, de modo que o bem estar e a felicidade dos filhos devem ser objetivos a serem alcançados.

Deste modo, doutrina e a jurisprudência vêm priorizando a família socioafetiva, trazendo à tona seu formato múltiplo e possibilitando a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, Paulo Lobo (2008, p. 1) afirma que a família atual está consolidada em um padrão que explica a sua função atual, qual seja: o afeto. Portanto, enquanto houver afeição, amor, união por laços de liberdade e responsabilidade, objetivando a colaboração e a comunhão de vida haverá família .

O conceito de família foi então pluralizado e humanizado, passando a ser considerada como entidade familiar toda aquela que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade.

Com a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, vem ocorrendo de forma crescente o processo de desapego ao aspecto puramente biológico da filiação, sendo tal processo chamado de “desbiologização” da família. Em decorrência disto, vem prevalecendo a ideia já há muito tempo defendida pelo senso comum, segundo a qual “pai é aquele que cria”. Ou seja, não basta apenas fornecer material biológico e genético, pois ser pai vai muito além disso; pai de verdade é aquele que dá amor, carinho, afeto, amizade, compreensão, apoio, proteção, que está ao lado do filho nos bons e maus momentos e que lhe prepara para a vida, sendo figura fundamental na construção do caráter daquele.

Por tal razão, paulatinamente a filiação vem abandonando a ideia de que é filho por possuir o mesmo sangue, para adotar então a ideia de que é filho porque essa foi uma escolha, ou seja, porque os vínculos afetivos os ligam de maneira inegável e irrefutável.

Essa nova tendência doutrinária e jurisprudencial vem sendo denominada de filiação afetiva ou socioafetiva, a qual reconhece como pai aquele que de fato exerce tal função, ou seja, aquele que dar educação, carinho, amor, cuidado. Trata-se de uma união pautada em um ato de vontade, onde se reflete pública e diariamente o vínculo paternal. São consideradas espécies de filiação socioafetiva: a adoção; a proveniente de reprodução assistida heteróloga; a adoção à brasileira; e o chamado filho de criação.

A filiação proveniente da adoção dispensa maiores comentários, tendo em vista que já está bem regulamentada no Código Civil (art. 1.618 a 1.629), bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 39 a 52).

Já a filiação proveniente de reprodução assistida heteróloga ocorre quando o material genético é oriundo de pais diferentes, isto é, quando o óvulo da mulher é fecundado por sêmen de outro homem e não com o de seu cônjuge (geralmente um doador anônimo). Nestes casos, conforme art. 1.597 do CC, havendo autorização preliminar do marido, ocorre a presunção de paternidade e maternidade do filho concebido durante o casamento ou união estável.

A adoção à brasileira ocorre quando se reconhece a paternidade ou maternidade biológica, mesmo não o sendo. O falso declarante age movido pelo objetivo generoso de integrar a criança à sua família, como se esta tivesse sido gerada por ele. Tal prática, apesar de ser considerada como crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), não tem recebido condenações, justamente pelo motivo altruístico que o envolve.

O chamado filho de criação traduz-se naqueles casos em que este vive no seio de uma família mesmo não havendo nenhum vínculo biológico, registral ou jurídico, mas tão somente o vínculo afetivo. Nesses casos há divergências de entendimento, pois parte da doutrina acredita que por não haver adoção de fato, não há como comparar o filho de criação ao filho biológico. Outra parte,

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