ANÁLISE DA TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES NA PERSPECTIVA DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL Nº 704.546
Por: SonSolimar • 8/11/2018 • 1.331 Palavras (6 Páginas) • 428 Visualizações
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É clara a aplicação de uma interpretação sistemática pelo Relator. Tanto é que encontramos vários textos doutrinários na decisão - textos que criticam uma interpretação literal do artigo 1015 do CCB. Como exemplo, podemos mencionar o seguinte excerto:
(...) pela doutrina ultra vires, a sociedade não pode ser responsabilizada por atos alheios ao objeto social, praticados em seu nome; há responsabilidade direta e pessoal do sócio-gerente que usa abusivamente o nome da sociedade. Contudo, o texto do art. 10 do decreto focalizado, preocupado em proteger a boa-fé do terceiro que julgou contratar com mandatário apto, estipula a responsabilidade do sócio-gerente perante a sociedade , seja por excesso de mandato, seja por violação do contrato social. Perante terceiros responde a sociedade, como se o sócio-gerente tivesse os poderes que não tem, ou os poderes que aparenta ter. (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 172)
É visível que o Desembargador inclinou-se sobre algumas razões básicas, pelo menos três, para afastar uma rígida aplicação da teoria da ultras vires no caso apreciado.
Primeiro motivo, sem dúvidas foi por interpretar que os atos do sócio-administrador foram ao encontro dos interesses da sociedade. Para o Julgador, ao prestar as garantias a terceiros, o administrador não realizou um ato de pura liberalidade pessoal, mas sim um ato de substancial interesse da sociedade - inclusive com projeções de benefícios financeiros para a sociedade.
Em segundo lugar, eis uma expressão que se repete incessantemente na decisão: "boa-fé". O Relator vislumbrou a boa-fé dos terceiros envolvidos no caso. Para aprofundar a respeito, invocou, inclusive, a teoria da aparência, comentando que "no particular, deve-se emprestar relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico". Citou ainda:
Por outro lado, exigências desconexas com a realidade do caso concreto - a qual sinalizava que o banco não tinha, de fato, motivos para a recusa do negócio jurídico - testilham com a essência do Direito Comercial, que repele o formalismo exacerbado, em benefício do dinamismo do tráfego jurídico, da celeridade e segurança das relações mercantis. Impõe-se, na verdade, "oferecer proteção ao terceiro que, de boa-fé, celebre negócio jurídico com sociedade que seja representada por diretor ou sócio-gerente que aparente poderes bastantes". (LEÃES, ob. cit. p. 27/28)
Terceiro aspecto fundamentador da decisão é que as garantias foram prestadas para empresas do mesmo grupo econômico. Vejamos:
Ao contrário, restou firmado no acórdão que as garantias foram prestadas para empresas do mesmo grupo, havendo, inclusive, nítida confusão patrimonial entre as sociedades, porquanto várias das empresas garantidas possuíam sócios comuns na empresa garantidora, afigurando-se sugestiva, ademais, a relação de parentesco entre os sócios.
Mais íntimo dos dois primeiros motivos do que do último, vê-se que o Magistrado, sugestionou que, tratando-se de operações evidentemente estranhas à natureza dos negócios sociais, a sociedade não pode opor aos terceiros de boa-fé que o ato é estranho ao objeto social. A sociedade deveria estar vinculada perante terceiros de boa-fé pelos atos praticados pelo administrador, proibidos pelo contrato social, ou mesmo estranhos a este. Esta ideia, conforme ensina Tomazette, é a regra aplicada no direito Italiano. A sociedade responderia perante terceiros e, se fosse o caso, faria um acerto de contas com o administrador que extrapolou seus poderes.
Com efeito, em um caso como o apreciado pela Quarta Turma do STJ, é nítida a ausência de má-fé do sócio-administrador. Não seria viável presumir a má-fé do administrador já que este praticou ato supostamente estranho ao contrato social no interesse da sociedade.
Portanto, mostra-se muito plausível e didática a decisão do Magistrado ao temperar a aplicação da regra contida no Código Civil com o princípio da boa-fé, baseando-se na teoria da aparência. Fica evidente que o caso concreto sempre deverá ser o indicador se a sociedade deve ou não responder pelos atos praticados fora dos poderes do administrador. Isso não contraria o disposto no artigo 1015 do Código Civil, tampouco impede o direito de regresso da sociedade - se for o caso.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial - Teoria Geral e Direito Societário. Vol. 1. São Paulo:
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