De Sujeitos a Atores Sociais: A Luta pela Reforma Agrária e o Imprecativo da Miséria na Poesia Musical em Morte e Vida Severina”
Por: Salezio.Francisco • 2/4/2018 • 5.611 Palavras (23 Páginas) • 503 Visualizações
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1.1. Poesia musical e crítica incisiva: o limite entre vida e morte no filme de Zelito Vianna
O filme traz, com fidelidade, os trechos da poesia de João Cabral de Melo Neto que são, paulatinamente, cantadas pelos atores, entre os quais José Dumont, protagoniza ‘Severino’, mais um em meio aos tantos, em total anonimato, sobreviventes e finados diante da seca truculenta do Nordeste brasileiro.
Pode-se estabelecer uma divisão do filme, em comparação ao poema de João Cabral de Melo Neto, em dezoito partes que correspondem à seqüência eleita pelo poeta em seu livro.
A trama inicia-se através de um solilóquio travado por Severino, um retirante que se apresenta e tenta expor argumentos que possibilitem a diferenciação entre ele e os demais ‘Severinos’ do sertão, já que, segundo a poesia, os ‘Severinos’ são "iguais em tudo na vida". No entanto, o protagonista do filme vem representar todos os demais. Em sua viagem, o sertanejo se depara, sucessivamente, com a morte representada de diversas maneiras, principalmente, pelo fruto do descaso da sociedade e governo com o povo do sertão.
Tomando como guia o rio Capibaribe, seco em função do verão, Severino teme se perder pelo caminho e decide procurar emprego ali mesmo. Dirige-se a uma rezadeira (Elba Ramalho), debruçada na janela de sua casa e a questiona sobre a possibilidade de encontrar emprego. Após iniciar uma sabatina acerca dos possíveis ofícios do retirante, a rezadeira elucida que, naquela localidade, com tanta miséria, só há emprego para os que pretender lidar com a morte.
Desenganado, Severino continua sua caminhada, até que chega à Zona da Mata e, espantado com a riqueza da vegetação, decide interromper novamente sua viagem, na ilusão de que naquele lugar onde chegara é que estava sua sorte. Para sua decepção, mais adiante, Severino assiste ao funeral de um lavrador cujo corpo é carregado por amigos e uma trabalhadora do campo (Tânia Alves), que cantam a tristeza por sua morte e a indignação por conta dos maus tratos sofridos em vida, maus tratos estes que se estende a todos que ali residem e lutam pela reforma agrária.
Novamente de encontro com a morte, Severino se apressa para chegar a Recife, ansioso por encontrar uma situação diferente da que se deparou pelo caminho, porém, ali também encontra a miséria e a morte preconizando o “destino” certo daquele povo. Assim, resolve tirar sua própria vida, pensando em atirar-se ao rio, com o intuito de sanar de uma vez por todas com o sofrimento de sua vida ‘severina’.
No entanto, antes de realizar tal proeza, comenta com José, um mestre carpina, sua intenção e, antes que o homem esboçasse alguma opinião sobre o intento, uma mulher, de dentro da casa de José, anuncia o nascimento de seu filho, proporcionando à Severino o reencontro com a vida.
Nesse momento, todos cantam louvores ao nascimento do menino. Anunciam caravanas para presenteá-lo e contemplar sua beleza e a grandeza da vida. É o que faz Severino retomar o fôlego e optar por viver ávida, embora cheia de severidade.
As paisagens do filme valorizam as narrativas, dando forte subsídio para a leitura de paisagem da região nordeste, tendo em vista seus contrastes sociais e riqueza cultural.
- Uma análise histórico-geográfica do paradoxo capitalista: entre a fartura e a miséria no sertão
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se... Não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança... A compreensão da história como possibilidade e não determinismo seria ininteligível sem o sonho, assim como a concepção determinista se sente incompatível com ele e, por isso, o nega.
(Paulo Freire)
Costumeiramente, a região Nordeste é tachada de “região problema”, em decorrência das expressivas contendas sociais que compõem um cenário com características físicas e sócio-culturais peculiares.
É na predominância da caatinga, vegetação típica do sertão nordestino, onde se concentram longos períodos de seca; baixo nível da qualidade de vida e de renda para a maioria da população; e renda sumariamente concentrada a uma pequena parcela dominante, fatores quais, uma vez contíguos, ocasionam largas estatísticas de fome e subnutrição da população sertaneja, bem como o aumento significativo das migrações ocorridas, através dos tempos, quando os indivíduos partem em busca de condições favoráveis para a sobrevivência.
Cactos, mandacarus, xique-xiques, pedras e leitos de rios se apresentam ao nosso olhar que se propõe sensível, marcas que rasgam o tempo diferentes desses encantos especiais do Brasil. O povo desse rasgo de caatinga traz peculiaridades. A alteridade parece ser o fenômeno orgânico que lhe reduz áreas de valoração do próprio eu. Estende cuidadoso valor ao outro, ao diferente, ao estranho. A menos-valia que lhe marca, como a marca em brasa define o proprietário desse gado sertanejo. A baixa auto-estima impede de perceber a grandeza desse seu jeito acolhedor de ser. (KÜSTER & MATTOS ADENAUER et all, 2004, p. 41)
Frente essas considerações, é inegável que os problemas provindos do paradoxo social existente no Brasil não estejam restritos à região Nordeste, estendendo-se às demais regiões brasileiras – e no mundo.
No entanto, sabe-se que, segundo dados do IBGE, por conta da má distribuição da renda e das terras, e à expressividade das secas, houve um esvaziamento considerável da população nordestina: em 1920, ocupavam acerca de 36,7% do total da população brasileira, enquanto que, em 1980, representavam apenas 28,8% desse contingente, isto porque, principalmente nesse período, o Nordeste tornou-se grande reduto de mão-de-obra barata para subsidiar o crescimento das demais regiões, desencadeando problemas que arrematam o conglomerado das disparidades enfrentadas pela sociedade brasileira até a atualidade: êxodo rural, inchaço urbano, verticalização das cidades, aumento da violência, ampliação do rol das políticas públicas de vitrine, que não atendem às demandas sociais, entre outros. Em 2003, essa tendência permanece:
Os nordestinos são o grupo de maior peso entre os emigrantes brasileiros (57%). O Sudeste mantém-se, historicamente, como maior pólo de atração d desses emigrantes: 70,7% deles se dirigiram para esta região. O segundo grupo que historicamente
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