Governança e conflitos ambientais: participação civil ou volta à cultura do coronelismo?
Por: SonSolimar • 15/10/2018 • 3.231 Palavras (13 Páginas) • 307 Visualizações
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O professor apresentou algumas situações enfrentadas por atores locais da região de Minas Gerais onde o mineroduto está sendo construído, tais como a demolição da casa de um morador cujo irmão havia vendido as terras para a Anglo American, que acabou expulsando os outros irmãos do território. Estes, sem ter concordado e participado da venda, voltaram e construíram casas, sendo considerados invasores e gerando um discurso que criminalizava essas pessoas. Os juízes, por sua vez, se deparam com situações com as quais não sabem certo como lidar, e geralmente os adversários mais fortes acabam tendo um peso maior para vencer a disputa. Outro caso, divulgado nas redes sociais, foi um acidente no mineroduto que contaminou um córrego e levou à morte dos peixes e das pessoas que beberam água desse corpo d'água. Circularam rumores alegando que o acidente havia sido proposital, tendo sido jogada soda cáustica no rio por um caminhão da empresa. Isso não foi averiguado pelos órgãos ambientais, que negam a responsabilidade da empresa e o omitem o perigo para quem depende da água desse córrego. Questões desse tipo entram na discussão acerca da acumulação por expoliação nos conflitos por grandes empreendimentos. Em alguns casos, um problema ambiental é causado pelas empresas interessadas na instalação do empreendimento em áreas de comunidades que viviam com os recursos daquele ambiente. Uma vez prejudicado o ambiente (por exemplo, com as terras tendo tornado-se improdutivas pelo problema criado), essas populações acabam querendo, ou sendo forçados a vender suas terras. Os proprietários, geralmente não entendendo muito de economia, acabam aceitando um valor baixo e, ao se deslocarem e tentarem se estabelecer nas cidades, acabam ficando marginalizados e favelizados.
Laschefski apresentou uma classificação dos conflitos ambientais definindo três tipos diferentes: os conflitos ambientais distributivos, os conflitos ambientais espaciais e os conflitos ambientais e territoriais. Os conflitos ambientais distributivos ocorrem devido às desigualdades em torno do acesso e da utilização dos recursos naturais, como a guerra por petróleo, água, etc. Os conflitos ambientais espaciais decorrem de efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre territórios de diversos agentes ou grupos sociais, tais como emissões gasosas, poluição da água, chuva ácida, etc. Por fim, os conflitos ambientais territoriais envolvem situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial.
Desde o surgimento e a divulgação da ideia de desenvolvimento sustentável na Eco-92, passou a predominar um consenso de que os conflitos ambientais poderiam ser resolvidos através da conciliação dos interesses econômicos, sociais e ambientais. No entanto, o discurso sobre o desenvolvimento sustentável foi sendo deslocado daquele sentido pretendido pela luta dos povos tradicionais e dos ambientalistas da época, emergindo diferentes perspectivas que acabaram, de modo geral, consolidando um paradigma que pretendia adequar as exigências socioambientais ao modelo clássico de desenvolvimento. Isso tem sido feito, por exemplo, através do desenvolvimento dos conceitos de economia verde e modernização ecológica, a qual preconiza a participação na gestão socioambiental e criação de soluções tecnológicas e de mercado como instrumentos de minimização dos impactos do desenvolvimento econômico, para resolver os problemas sociais e ambientais e gerando assim novos mercados que acabam, por sua vez, impulsionando a economia. Alguns tipos de conflitos até podem ser resolvidos por meio dessa lógica, como por exemplo, a situação de uma fábrica de incineração de lixo hospitalar frente a poluição, que pode instalar filtros e equacionar a questão. No entanto, há conflitos que não tem como ser resolvidos assim, uma vez que não é possível negociar, pois mostram contradições inerentes entre os interesses econômicos (do modelo clássico), sociais e ambientais.
No tocante aos conflitos distributivos, há a discussão sobre acesso e distribuição desigual dos recursos, desenvolvidas nos conceito de espaço ambiental e de injustiça ambiental. Esta última pode ser ilustrada pela situação que ocorre no nível global: um quinto da população possui e consome mais que todo o restante, questão que adentra nas velhas discussões de como distribuir a riqueza, perpassando desde as teorias dos neoliberais clássicos aos marxistas. As diferenças existentes entre países do norte e do sul passam a ser pensadas incorporando a questão ambiental, para além da teoria da dependência econômica dos países em desenvolvimento com os países do Norte, demonstrando como a troca econômica e ecológica ocorrem de maneira desigual: há uma inversão dessa dependência com a ideia de uma “dívida ecológica” que traz a crítica dos limites do crescimento do atual modelo de desenvolvimento e da questão da justiça entre “Norte” e “Sul”, uma vez que existe uma dívida ecológica dos países do Norte, maiores consumidores de bens e poluidores.
Quanto aos conflitos territoriais, existem questões envolvendo o território que não há como se negociar, pois afetam a materialidade das populações e das empresas. Uma das partes tem que ceder, não permitindo seguir a lógica do ganha-ganha (win-win), onde todos ganham. A ideologia predominante advém da forma colonialista de ver o mundo, na qual é preciso encontrar territórios para se explorar e produzir mais riquezas, alimentando assim o sistema capitalista. No entanto, esse modo de atuação gera uma mudança social profunda (e forçada) nas comunidades que ainda não seguiam o padrão hegemônico: moradores viram trabalhadores assalariados, entram em um outro ritmo de vida e sua inserção no mercado e no jogo do sistema capitalista. Com a ideia de tirar as pessoas do “atraso”, acabam afetando a cultura dos povos.
A polarização entre sociedade capitalista e comunidades tradicionais foi citada com outro exemplo: a legislação ambiental impede a população local de plantar na beira do rio, uma vez que esta deve ser Área de Preservação Permanente (APP), fazendo com que precisem deslocar o plantio, que era feito respeitando a ecologia do meio, para outras áreas em que são necessários o uso de aditivos e agrotóxicos – gerando inúmeras contradições basicamente em torno da ideia de que a criação de Unidades de Conservação torna vidas sustentáveis menos sustentáveis. Seria preciso pensar na concepção alternativa de paisagens sustentáveis, com a verificação da prática da agroecologia nas populações tradicionais, por exemplo. O conflito
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