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A DIMENSÃO TÉCNICO-INSTRUMENTAL DO TRABALHO PROFISSIONAL

Por:   •  6/1/2018  •  5.909 Palavras (24 Páginas)  •  429 Visualizações

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A abordagem da dimensão técnico-operativa proposta neste artigo tem como pressuposto a negação do tecnicismo e de qualquer perfil profissional de caráter tecnocrático. O Serviço Social já teve, ao longo de sua trajetória, passagens em que prevaleceu o privilégio da eficácia manipulativa, sobretudo na conhecida vertente modernizadora (NETTO, 1996), em que a primazia da operacionalidade técnica embutia um conjunto de concepções teóricas estrutural-funcionalistas, de caráter corretivo e adaptador à ordem vigente. Essa vertente tecnocrática buscou investir o(a) Assistente Social de “um estatuto básica e extensamente executivo, com uma apropriação ideal de um elenco mais operativo de técnicas de intervenção (NETTO, 1996, p. 192), tendo como consequência a valorização da ação prática imediata e a garantia de uma integração do Serviço Social aos propósitos da “modernização conservadora”. A postura aqui presente é a de situar a dimensão técnico-operativa no âmbito da competência crítica, da qual também fazem parte as dimensões teórica-metodológica e ético-política, as quais, em conjunto com a base técnico-instrumental, conferem ao trabalho profissional um conjunto de possibilidades e alternativas para a intervenção qualificada nas demandas postas no cotidiano profissional.

O entendimento do cotidiano profissional requer a apreciação de algumas das observações realizadas por Netto (2000), para quem a vida cotidiana é ineliminável, não sendo possível ser cancelada ou suprimida do processo histórico, já que se trata de um dos seus níveis constitutivos. A cotidianidade, para o autor, apresenta determinações fundamentais, as quais qualifica como "componentes ontológico-estruturais". São eles: a “heterogeneidade”, expressa pelo conjunto heteróclito de objetivações do ser social composto por uma diversidade de fenômenos e processos sociais; a “imediaticidade”, expressa na preocupação em responder ativamente aos problemas enfrentados, caracterizada pela relação direta entre pensamento e ação, além dos automatismos e do espontaneísmo próprios a esta postura; e a “superficialidade extensiva”, expressa na mobilização "de todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e toda a força" (p.67, grifos do autor).

A vida cotidiana é marcada por um materialismo espontâneo e por certa dose de pragmatismo na solução dos problemas enfrentados, sem que se ponha em causa a sua objetividade material e sem questionar a própria natureza dos fenômenos. A principal preocupação consiste em produzir respostas funcionais às situações, sem necessariamente demandar o seu conhecimento interno, e sim a manipulação de variáveis para alcançar resultados eficazes. Não é priorizada a reprodução fiel do processo que leva a determinado desfecho pretendido, mas o próprio desfecho em si. Como observa Netto, "no plano da cotidianidade, o critério da utilidade confunde-se com o da verdade" (2000, p.68).

Na vida cotidiana, os indivíduos não conseguem acessar a consciência humano-genérica. Isso só ocorre quando o indivíduo pode superar a dimensão da singularidade, preocupando-se com a constituição de objetivações menos imediatas e menos instrumentais. Quando isso acontece, processa-se uma mobilização do indivíduo, que promove uma suspensão da heterogeneidade da vida cotidiana, ultrapassando a dimensão da singularidade e indo de encontro à consciência humano-genérica. Tais suspensões não significam um corte com o cotidiano e não podem ser contínuas, ao contrário, têm de estabelecer um retorno à cotidianidade, o qual, ao ser realizado, permite que o indivíduo a perceba de forma diferente. Este retorno à cotidianidade após uma suspensão supõe "a alternativa de um indivíduo mais refinado, educado (justamente porque se alçou à consciência humano-genérica)" (NETTO, 2000, p.70, grifo do autor), e que, ao regressar à vida cotidiana, encontra-se modificado.

A vida cotidiana constitui-se como âmbito privilegiado em que se realiza o trabalho profissional, estando os(as) assistentes sociais expostos(as) às suas determinações. O cotidiano profissional é marcado por uma série de processos e fenômenos que, muitas vezes, conduzem o(a) assistente social a uma atuação pragmática e demasiadamente preocupada com aspectos operativos e instrumentais. O problema aqui não são as dimensões de heterogeneidade, imediaticidade e superficialidade, já que de fato estas são inerentes à vida cotidiana, não podendo, exatamente por isso, ser eliminadas desta. A grande questão reside na postura que limita o exercício profissional a modalidades de intervenção de caráter pragmatista, não as ultrapassando e, ainda, entendendo-as como as únicas possíveis no contexto da intervenção profissional.

Muitas vezes, as determinações da vida cotidiana são vistas pelos(as) profissionais como obstáculos ao trabalho, o que evidencia um grave equívoco profissional, já que é na cotidianidade que se materializam e se concretizam as expressões da questão social, objeto do nosso trabalho. Atribuir ao cotidiano a condição de obstáculo corresponde a fechar os olhos para a própria realidade e suas múltiplas determinações, incluindo as possibilidades de intervenção sobre a mesma. Como lembra Iamamoto (1998, p.21):

As possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las, transformando-as em projetos e frentes de trabalho.

A reflexão constante sobre os principais aspectos do cotidiano profissional apresenta-se como uma postura fundamental não só para que os(as) profissionais tenham condições de entender as principais determinações e condicionamentos presentes em sua realidade de trabalho, mas também para que novas modalidades de análise e intervenção sobre as expressões da questão social possam ser formuladas e implementadas.

É possível considerar que momentos de suspensão, de distanciamento e de reflexão sobre os diversos problemas presentes no cotidiano profissional devem ser buscados pelos(as) Assistentes Sociais, como forma de evitar a incidência do pragmatismo e do espontaneísmo no trabalho. A partir da problematização e da crítica dos elementos presentes na vida cotidiana, os(as) Assistentes Sociais podem abordar de maneira mais competente e qualificada a realidade em que atuam. Cabe destacar o entendimento que se tem do termo “competência”. Trata-se de uma percepção diversa daquela que o situa em contextos de fragmentação e redução do trabalho profissional, onde, em vez de valorizar-se

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