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A Greve (en)contra a Justiça: trabalhadores, ação direta e cortes trabalhistas (1954-1963)

Por:   •  9/12/2017  •  14.667 Palavras (59 Páginas)  •  409 Visualizações

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Ao menos no período aqui analisado, entre meados de 1950 e 1963, corporativismo e instituições democráticas coexistiram, os trabalhadores puderam se movimentar com alguma liberdade, e o acesso à JT e o exercício da greve e da ação direta dos seus sindicatos não configuraram práticas excludentes. Nesse momento eles puderam reclamar a aplicação dos seus velhos direitos trabalhistas e reivindicar a criação de outros novos.

Constatei, também, que mesmo nos momentos de maior mobilização operária, isto é, quando seu poder de negociação era mais expressivo, a Justiça do Trabalho ocupava um papel ora estratégico, ora obrigatório, na luta coletiva da classe trabalhadora. E, em ambos os casos, os trabalhadores mostraram ser possível superar os limites impostos pelo corporativismo, utilizando os tribunais como instrumentos de organização e pressão coletivas e de legitimação de suas reivindicações. A mesma lei e seus instrumentos de aplicação, que tantas vezes oprimiram os trabalhadores, eram também reapropriados de modo a possibilitar novas estratégias na defesa dos seus interesses e permitir a elaboração de táticas de resistência no cotidiano das relações de trabalho nas fábricas.

Seguindo o cronograma proposto, iniciei minhas atividades a partir do estudo de um universo específico de 109 processos em cujo trâmite legal foram deflagradas greves. Como já especificara antes, essa etapa seria realizada com o auxílio de um banco de dados de processos trabalhistas, desenvolvido por pesquisadores do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult) – Unicamp, sob coordenação de Fernando Teixeira da Silva e Samuel Fernando de Souza[2]. O banco, alimentado com as principais informações acerca dos dissídios em questão, é dotado de ferramentas de busca que permitiram cruzar informações por meio de índices cronológico, temático, onomástico, geográfico e institucional, além de tipos de reivindicações e resultado das decisões judiciais.

Esse estágio deveria abranger os quatro primeiros meses de pesquisa, mas logo me deparei com uma contingência. A primeira série documental sem lacunas inicia-se em 1963; ou seja, apenas a partir daquele ano podemos observar uma série completa de processos trabalhistas, preservados em sua totalidade nos arquivos do TRT. Antes dessa data, os dissídios armazenados são fragmentários, dispersos, aleatórios. Assim, se tomarmos como exemplo o período de tempo compreendido entre 1958 e 1961, não veremos qualquer dissídio coletivo armazenado no Tribunal Regional da 2ª Região. E referente a 1953, ano de expressiva mobilização operária, que culminou na deflagração da Greve dos 300 mil, encontramos apenas quatro processos conservados, sendo que nenhum deles apresentou qualquer tipo de movimento grevista.

A principal dificuldade de apreender informações a partir da análise quantitativa de uma série documental não homogênea e lacunar, como era a nossa amostra, seria incorrer no risco de estabelecer comparações e conclusões com base em desvios ou imprecisões estatísticas. Dessa forma, algumas das hipóteses analíticas que pretendia levantar a partir desse método de análise quantitativa ficaram comprometidas, ou só foram possíveis para o ano de 1963[3]; o que não comprometeu, em minha visão, o andamento e as conclusões da presente pesquisa.

De modo inverso, a análise qualitativa dos dissídios foi bastante positiva.[4] O conjunto de 22 processos trabalhistas foi examinado entre agosto e novembro de 2011, e representa um número menor do que o previsto no projeto submetido inicialmente. Naquele momento, através de um levantamento preliminar, tinha assinalado uma relação de 26 dissídios coletivos que atendiam os critérios previamente fixados. Contudo, através da leitura dos processos, constatei que três deles eram referentes ao estado do Paraná, cujo território também era abrangido pela área de atuação do 2º TRT.[5] Levando em consideração que meu objeto de estudo era os trabalhadores de São Paulo, acabei por excluí-los da presente pesquisa. Houve, ainda, um dissídio, o processo TRT-SP 357/1963, cuja capa não condizia com o conteúdo do processo, sendo, por essa razão, também excluído de minha análise.

Já desde o primeiro contato com essas fontes, revelou-se a imperiosa necessidade de aprofundar-me na estrutura e no funcionamento do próprio aparato judicial e nos discursos e pretensões tanto governamentais, quanto dos sujeitos e classes envolvidos com as cortes trabalhistas. Ora, se o intento da pesquisa era mapear as maneiras pelas quais os trabalhadores se apropriaram da JT com interesses específicos e, de modo análogo, como esse aparato respondeu às demandas em conflito, era preciso saber como ele se constitui e quais eram as expectativas e intenções de seus idealizadores e dos contendores.

Para tal, me propus a investigar algumas fontes produzidas pelos próprios atores jurídicos em questão, que tratassem da prática e da teoria da Justiça do Trabalho. Iniciei pela leitura de artigos do Boletim do Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio, sobretudo de sua seção denominada: “Trabalho”, no período entre junho e agosto de 2011. Em seguida, aprofundei a investigação das evidências produzidas diretamente por esses atores, sem a chancela de uma publicação oficial do Estado. Foram lidos, parcialmente ou integralmente, obras, pareceres e artigos de juízes, advogados e ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A relação completa das obras pesquisadas está contida na seção “Fontes Pesquisadas”, em anexo.

Breve introdução às fontes pesquisadas

Em uma observação superficial, os dissídios coletivos limitar-se-iam a pilhas de petições, ofícios, pareceres e sentenças, expressos por meio de uma linguagem jurídica que apenas reproduziria os procedimentos prescritos pela norma da CLT e outras normas legais. Também, de modo não menos equivocado, poder-se-ia encarar esses processos a partir de premissas que retratam os tribunais trabalhistas como meros mecanismos de controle, que buscavam trazer para si a exclusividade na resolução de contendas trabalhistas, impedindo qualquer alternativa de resolução que apontasse alguma autonomia dos atores sociais. Nessa perspectiva, mais do que ater-se às formalidades burocráticas, as fontes provenientes da JT acabariam por silenciar os sujeitos conflitantes e mascarar os embates ocorridos.[6]

As primeiras interpretações históricas sobre a Justiça do Trabalho, muitas vezes, pautaram-se por essas premissas e cristalizaram um “senso comum” acerca do tema: a suposição de que as leis trabalhistas brasileiras eram decalque da Carta del

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