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COMUNICAÇÃO RESPONSÁVEL: A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA MÍDIA

Por:   •  3/5/2018  •  2.679 Palavras (11 Páginas)  •  247 Visualizações

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É notório que as pautas sobre casos de violência sexual e doméstica tem sido frequentemente abordadas pelas mídias nos últimos anos. Porém o que objetivamos neste estudo é tratar da forma com que esses temas são abordados nas mídias que continuam, massivamente, machistas, sexista e preconceituosas.

2.1 - Caso Eloá

O caso do sequestro da jovem Eloá, em outubro de 2008, pode facilmente ser mencionado como o maior espetáculo de irresponsabilidade midiática da televisão brasileira. Seja qual for o ângulo pelo qual se resolva analisar o papel da imprensa na ocasião, percebemos o quanto desprovida de cuidados e de valores éticos foi a atuação dos principais veículos de comunicação do Brasil.

Desde aquele dia, quando o jovem Lindemberg Fernandes Alves, na época com 22 anos, inconformado com término do relacionamento, resolve invadir o apartamento da ex-namorada, tomando ela e mais três colegas que a acompanhavam como reféns, todas os principais canais de televisão brasileiros apontavam suas câmeras para o conjunto habitacional onde se desenrolavam os fatos, filmando todas as cenas, de todos os ângulos e enquadramentos possíveis, até o desfecho do grande espetáculo que fora construído.

O sensacionalismo com que foi transmitido um caso de sequestro, com mais de 100 horas de cárcere, de uma jovem de apenas 15 anos que estava sob a mira de uma arma, fora extremo a ponto de interferir de forma direta e indireta no desfecho do crime.

Uma enormidade de câmeras e helicópteros apontavam para o cenário, em uma cobertura intensa, 24 horas por dia, criando um verdadeiro reality show da vida real, e todo esse sistema de vigilância “possibilitou ao sequestrador se informar e ver tudo o que se passava no exterior do cativeiro. Como? Ligando a TV.” (Souza, p. 09)

Além do excesso de informações que a imprensa possibilitou ao sequestrador, a conduta irresponsável se alastrou pelos canais de TV de diversas formas. “Após cerca de dois dias de cárcere privado, a apresentadora Sônia Abrão da RedeTV! entrevistou o sequestrador Lindemberg Alves, seguida pela repórter Zelda Mello, da Rede Globo e também pelo repórter da Folha Online. Assim, houve uma espécie de "espetacularização do crime", bastante questionada e criticada após o desfecho do caso, que resultou na morte de uma das reféns. O caso mais criticado talvez seja o da apresentadora Sônia Abrão, do programa A Tarde é Sua. Nele, ela conversou ao vivo com Lindemberg Alves e Eloá por telefone, bloqueando a linha que era utilizada para contato com o negociador. O ex-integrante do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e sociólogo Rodrigo Pimentel, em entrevista ao portal Terra criticou duramente a cobertura da mídia brasileira argumentando que as emissoras de TV citadas - RedeTV!, Rede Record e Rede Globo - foram "irresponsáveis e criminosas" e declarou que o "Ministério Público de São Paulo deveria, inclusive, chamar à responsabilidade, essas emissoras de TV”. (Via Wikipédia).

Outra forma de sensacionalismo e discurso irresponsável, foi a construção de um espetáculo novelesco sobre a situação, considerando que a novela é uma obra aberta, onde os fatos podem sofrer alterações ao longo da trama. Não havia a cobertura de um crime, mas uma história com personagens, com protagonistas e coadjuvantes.

Souza comenta que:

“Por isso, no início do sequestro, Lindemberg aparece nas reportagens como uma pessoa apaixonada que não oferece tanto perigo. Já do meio para o fim, com as exigências feitas, a negociação, o perfil dele começa a ser outro: o de uma pessoa confusa, ciumenta e perigosa. Essas precipitações são consequências de um exagero de cobertura, exagero este que se inicia com o excesso de câmeras em frente ao cativeiro, de onde, Lindemberg, se assim o quisesse, poderia ter uma noção privilegiada de todas as ações da polícia ao redor do local do sequestro, pois quase todos os canais de televisão inseriam em sua grade de programação longos flashes e reportagens mostrando diversos ângulos do local. Em outras palavras, a mídia, com seu excesso de vigilância, semelhante a um reality show, também tornou-se vigiada por nós telespectadores e, por Lindemberg, o sequestrador-celebridade.” (Souza, p. 11).

O último exemplo de comunicação irresponsável que podemos extrair da tragédia de Eloá, foi o discurso usado, que em casos como o dela, é tratado como crime passional, ou de certa forma culpa a vítima. Ao procurar informações sobre o crime nos sites de busca da internet, o caso é tratado como “mais longo sequestro em cárcere privado já registrado pela polícia do estado brasileiro de São Paulo que adquiriu grande repercussão nacional e internacional”, mas não se fala em violência doméstica, em abuso, em tentativa de estupro, em feminicídio. Durante entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Nayara Rodrigues, amiga de Eloá e que foi mantida refém junto à adolescente, afirmou diversas vezes que o sequestrador as agrediu, que pedia que Eloá lhe beijasse contra sua vontade. Mas o caso permaneceu sem ser tratado como violência contra mulher.

3. Mulher e mídia: o papel social do jornalista na construção do discurso.

Um exemplo de material que podemos analisar na construção dessa investigação, é o documentário “Quem matou Eloá?”, lançado em 2015, dirigido pela jornalista Lívia Perez, que traz à tona uma análise crítica sobre a abordagem da mídia sobre casos de violência contra a mulher.

Em entrevista sobre o filme, para o Instituto Patrícia Galvão em agosto deste ano, Lívia comenta sobre o papel da imprensa que ao invés de contribuir para o enfrentamento, reforça estereótipos de gênero que estão nas raízes das violências contra as mulheres ou até reforça a violência sofrida ao violar outros direitos. Para a diretora, o caso de Eloá é emblemático por transgredir de várias formas os direitos da mulher já que “além de não reconhecer o crime como um caso de violência contra a mulher e não aproveitar a oportunidade para debater o tema com a sociedade brasileira, a imprensa interferiu no crime, entrevistando o sequestrador ao vivo e tentando negociar com ele, e ainda exaltou a personalidade do criminoso com expressões do tipo ‘bom rapaz’, ‘trabalhador’, ‘joga bem futebol’ e torcendo para que o caso acabasse em um ‘casamento futuro’ entre o rapaz e a ‘amada, apaixonada’ dele”.

Se refletirmos sobre a construção social da notícia e a articulação do discurso nela contido, devemos levar em

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