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A Polis Circense - sobre espetáculo, violência e poder local

Por:   •  2/12/2018  •  4.435 Palavras (18 Páginas)  •  438 Visualizações

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Assim, diante da permanência das contradições sociais e de um Estado com dificuldades de resolução dos conflitos, vê-se que os cidadãos procuram estabelecer soluções, na maioria dos casos, de forma individual. No que tange ao problema da violência e da segurança pública, as estratégias de proteção são encontradas, na classe média, por meio da habitação dos condomínios privados. Com isso, busca-se a proteção individual, criando verdadeiros “bairros” nestes condomínios, e reconfigurando o conceito de cidade a partir de domínios particulares. A concepção dos condomínios é a de não só estabelecer residências, mas também o de criar espaços de sociabilidade e lazer, “substituindo”, gradativamente, os espaços públicos na cidade, como as praças, bosques ou outros que, tradicionalmente, eram ocupados pela população e se construíam, frequentemente, relações de sociabilidade através de encontros e atividades lúdicas e práticas esportivas. Estes espaços mais tradicionais da cidade, pouco a pouco, são abandonados e ficam desprotegidos, pois já não sendo mais áreas seguras as sociabilidades, ali estabelecidas, são transferidas para áreas residenciais privadas.

Estas estratégias das classes médias podem ser apreendidas pela teoria da escolha racional, desenvolvida por teóricos norte-americanos e, dentro das noções antropológicas de hierarquia social, pois haveria um duplo sentido nessa ação: uma, do campo da escolha racional, é aquela em que as escolhas individuais são racionais, mesmo que haja uma perversa consequência social (Boudon, 1979), neste caso, da perda dos espaços tradicionais de sociabilidade e lazer e de desresponsabilização do Estado. No segundo sentido, numa perspectiva de hierarquia da vida social brasileira (Damatta, 1987; Dumont, 1993) demonstra uma concepção de abandono da população mais desassistida que não haveria como se proteger da violência. É possível apreender aí uma representação por parte da classe média de que o problema da violência não é de todos, pois haveria, dentro da perspectiva mais individualista, uma solução ao problema da violência que é o de se refugiar nos espaços privados. Deste modo, a dimensão pública do Estado é afastada e negada, na medida em que se buscam resoluções particulares, criando comunidades diferenciadas do conjunto maior da população, que não teria condições econômicas de se proteger da violência urbana.

- Mossoró: da cidade espetáculo à reestruturação produtiva

As cidades fascinam e amedrontam. Elas espreitam nossos pesadelos, não raro lançamos sobre elas as nossas melhores esperanças. No que diz respeito à análise social não é diferente. A fascinação exercida pela vida metropolitana foi um dos determinantes para o surgimento das ciências sociais; são muitas as dificuldades em seguirmos o conselho de Georg Simmel de que, diante das "correntes de vida", destravadas pela cidade moderna, "não nos cabe acusar ou perdoar, senão compreender" (Simmel, 1979). Compreender esse sítio que é, segundo Simmel, a "sede da economia monetária" tem sido um desafio assumido por gerações de cientistas sociais.

As cidades, diante de um ambiente globalizado, acirram a concorrência, buscando estratégias de desenvolvimento econômico. Uma nova estratégia de gestão - city marketing - produz uma apresentação da cidade a partir de marketing e convencimento, com o fim de atrair investimentos e turistas. Sanchez (2004), ao estudar Curitiba, afirma que a city marketing é o mecanismo institucional de promoção e venda da cidade. Sua análise considera a relação de competição entre os municípios, onde os seus gestores procuram colocá-los no mapa do mundo, tornando-os competitivos em escala mundial. Assim, expressões de gerenciamento, antes restritas ao setor privado, como “orientação para demanda”, “atrativos da oferta urbana”, “posicionamento competitivo”, “produção de imagem” e “planejamento estratégico” aparecem na agenda pública. Souza (2004) observa um outro lado destas políticas, assentadas num marketing da cidade: o escamoteamento das mazelas do lugar.

É nesse contexto que situamos Mossoró, como segundo município do Rio Grande do Norte, e com uma população estimada de 291 mil habitantes e uma economia baseada na industrialização e exportação do sal, na extração petrolífera e na fruticultura tropical de exportação pode ser, portanto, considerada de porte médio. Está localizado, respectivamente, a 270 e 260 quilômetros de Natal e de Fortaleza. Nossa análise sobre as mudanças políticas e urbanas, nesta cidade, na última década, são relevantes para o entendimento de um cenário de crescimento e desenvolvimento local, mas também de um aumento da violência.

Cidade marcada por um forte simbolismo, um passeio em Mossoró nos oferece bons exemplos de uma característica iconográfica daquela que é o principal município do Oeste do Rio Grande do Norte. O que nos chama a atenção, no entanto, é a vinculação dessa simbologia ao político. Até mesmo os símbolos e mitos que enaltecem o lugar são, de alguma maneira, legitimadores de grupos políticos locais.

A cultura traduz as produções simbólicas e materiais de uma dada sociedade; nela também se formam os elementos de dominação e de poder. Em Mossoró, as construções arquitetônicas, os monumentos, os nomes de ruas, de bairros, as celebrações e as festas cívicas demonstram estratégias simbólicas usadas pelos grupos dominantes para a sua permanência no poder.

A história de Mossoró é definida por ciclos econômicos comerciais, com as fases de empório, da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do XX, e algodoeira. Na primeira fase do empório comercial, os comerciantes estrangeiros constituíam o principal segmento local. Já na segunda fase do empório, somam-se aos estrangeiros um conjunto de profissionais liberais – destacando o médico Almeida Castro e o farmacêutico Jerônimo Rosado - que compunham o segmento da elite política local. Os Fernandes, na década 20 e 30, com sua força econômica vinculada ao plantio do algodão foram dominantes em Mossoró.

A ascensão do mais longo grupo dominante mossoroense, os Rosados, na política institucional, deu-se, sobretudo, quando Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, décimo sétimo filho do farmacêutico Jerônimo Rosado, foi eleito prefeito de Mossoró e governador do Rio Grande do Norte, na década de 50. No seu mandato como governador, morre num acidente aéreo e, a partir daí, toda uma mitificação em torno do seu nome e da família passou a ser incorporada ao imaginário local.

As festas

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