NARRATIVAS ORAIS NO RÁDIO
Por: Evandro.2016 • 12/4/2018 • 5.915 Palavras (24 Páginas) • 388 Visualizações
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Com o passar do tempo, foi possível reproduzir livros em larga escala, guardar documentos escritos, arquivar peças de jornais periódicos, assim constituindo novas formas de se entender a memória cultural. No início do século XX, os primeiros experimentos radiofônicos, por extensão das experiências com o telégrafo sem fio, vão alterar o processo de interação social: a oralidade, antes circunscrita às relações interpessoais, agora será possível com a transmissão a longa distância, em situação midiática, para recepções horizontais e em um só tempo. O rádio chega ao Brasil em setembro de 1922, mas ganha desenvolvimento a partir do ano seguinte com a inauguração da Rádio Sociedade do Rio do Janeiro, por iniciativa pioneira de Roquette Pinto.
No início dos anos 1950, com os estudos avançados do magnetismo e das inovações tecnológicas, já é possível gravar e arquivar a voz humana em suportes de acetato, discos de vinil e fitas magnéticas no sistema analógico. Todo esse aparato técnico foi de extrema importância para a preservação de depoimentos, músicas, notícias, vinhetas e publicidades, pelo que designamos de “Memória Eletrônica”. Concordamos com Meditsch (1997) quando afirma:
No plano da linguagem, estas formas de registro mecânico (depois aperfeiçoadas pela eletrônica) permitiram conservar e reproduzir em qualquer tempo e lugar os componentes analógicos que anteriormente eram prisioneiros da situação da enunciação. Repetiase assim, agora com as linguagens analógicas, o salto que anteriormente a escrita possibilitara ao modificar a enunciação dos componentes digitais da fala (Meditsch, 1997).
Atualmente, vivemos a sociedade da cultura midiática ou cibercultura na qual os componentes digitais - como recurso avançado da tecnologia - vão imprimir outros procedimentos de conduta ao ser humano. Passou-se do sistema analógico para o sistema digital em que é possível extrapolar os sentidos, ampliar o caráter da intersubjetividade entre atores sociais em lugares distintos, subvertendo as concepções de sociedade formalmente organizada e de onde transgride-se o paradigma de tempo e espaço, de ser e não-ser, de estar circunscrito geograficamente em ambientes determinados. Gravar discursos, registrar imagens em dimensões diferentes, editar, armazenar e recuperar falas em recursos técnicos sofisticados são características dessa nova era.
Devemos entender que todas as situações mencionadas se configuram como mecanismos de pertencimento ao campo da memória, porém histórica e tecnologicamente constituídas e ressignificadas. Assim sendo, ainda que recuperemos peças de documento sonoro das emissoras de rádio ou em arquivos pessoais, vamos considerar tais aspectos inseridos no âmbito da memória coletiva, ainda que o registro esteja sedimentado em suporte, que não o mnemômico, aqui naturalmente admitido.
As formas primordiais de conexão entre passado e presente são concepções que regulam o desejo inconsciente do sujeito social em busca contínua da sua própria identidade. Esta tem sido a questão que desde a infância da humanidade e, sobremaneira, a partir dos filósofos da Grécia antiga, tem levado o ser humano a buscar o sentido do seu estar no mundo. A memória se insere nessas questões por ser a faculdade que permite armazenar os acontecimentos vivenciados, acumulando experiências e ampliando os referenciais de conhecimento histórico e sociocultural.
Na sociedade moderna, em que impera a difusão de produtos pela indústria midiática, é preciso encarar a cultura como um bem social da coletividade. Por tal razão, entender os processos mnemônicos também implica refletir sobre o nosso engajamento na sociedade e o compromisso em preservar o universo de valores que permeiam o ser social, hoje cerceado pelas determinações do mundo globalizado. Entendemos que tal situação reflete a natureza da constituição historiográfica, quando se reúne um conjunto de bens simbólicos inscritos na sociedade que atravessa o tempo e ganha sentidos nas coletividades.
Convém dizer que a memória respalda a história, pois dela se alimenta (Lê Goff, 2000), tanto quanto os documentos testemunham os fatos. A propósito, o autor (ibidem), cita Pierre Nora ao se referir ao passado vivido pelos grupos sociais à semelhança de memória histórica da sociedade e faz associação entre história e memória ao considerar:
Até aos nossos dias “história e memória” confundiram-se praticamente e a história parece ter-se desenvolvido “sobre o modelo de rememorização, da anamnese e da memorização”. Os historiadores davam a fórmula das “grandes mitologias colectivas, iase da história à memória colectiva. Mas toda a evolução do mundo contemporâneo, sob a pressão da história imediata em grande parte fabricada ao acaso pelos meios de comunicação de massa, caminha para a fabricação de um número cada vez maior de memórias colectivas e a história escreve-se, muito mais do que antes, sob a pressão destas memórias colectivas (Le Goff, 2000:54).
Sendo assim, nossa pesquisa está inserida na interface entre história e memória, das quais nos apropriarmos para emergir os sentidos inerentes ao nosso objeto de investigação, a Rádio Poti. Consideramos que a relevância deste estudo recai sobre o fato de que a memória do rádio representa toda uma série de situações que vivenciamos no cotidiano, independente de classe ou contexto social. Os componentes historiográficos que se integram e formam nossa consciência cultural expressam particularidades do sujeito que se percebe na condição de membro inserido na sociedade em cujo espaço será necessário resguardar os valores que o tempo insiste em não sepultar. Assim, quando o ator social se reconhece nesse múltiplo universo de experiências revela-se o estatuto de cidadão que passa a valorizar o seu meio e, por decorrência, a cultura de sua localidade.
Desde o seu advento no Brasil, o rádio sempre esteve presente na vida das pessoas, quer nos cômodos da casa, quer no ambiente de trabalho, em situações de recolhimento ou momentos de compartilhamento grupal. O rádio acompanhou os episódios da história, narrando-os, emocionou ouvintes, e apresenta-se, ainda hoje, como um meio de comunicação que participa da construção social da realidade, ao divulgar diariamente questões que problematizam o cotidiano e fazem a sociedade pensar e discutir sobre os assuntos abordados nas grades de programação.
Essa relação triádica, constituída pelo mundo, mídia e construção social da realidade, promove uma ordem sistêmica no processo de produção das informações, legitimado pelos procedimentos de previsão, seleção e exposição
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