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Trabalho Escravo

Por:   •  25/3/2018  •  2.217 Palavras (9 Páginas)  •  417 Visualizações

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Levaram horas, dias e noites, para chegar até ali. Atravessaram rios, picadas quase intransitáveis, fizeram caminhos, calçaram atoleiros, um foi mordido de cobra e ficou enterrado ao lado da estrada recém-aberta. Uma cruz tosca, o barro mais alto, era tudo que lembrava o cearense que havia caído. Não puseram o seu nome, não havia com que escrever. Naquele caminho da terra do cacau aquela foi a primeira cruz das muitas que depois iriam ladear as estradas, lembrando homens caídos na conquista da terra. Outro se arrastou com febre, mordido por aquela febre que matava ate macacos. (AMADO, 2006, p. 18,19)

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Ademais, aos que conseguiam chegar às fazendas de cacau, só restava o árduo trabalho nas lavouras. As acomodações destinadas aos trabalhadores eram precárias. Ao descrever as moradias destinadas aos patrões e aos trabalhadores, o autor aponta para uma dicotomia que demonstra a superioridade de uma classe sobre a outra. Os coronéis moravam em casas espaçosas, confortáveis, comparadas às casas-grandes da época da escravidão, reproduzindo seu poder, sua imponência e de sua família sobre os trabalhadores. No outro extremo, estavam os trabalhadores vivendo em regime de semiescravidão, os quais habitavam casebres desprovidos do conforto, um espaço indigno para quem era a ferramenta indispensável para a obtenção do lucro para os patrões. Conforme retirado da obra: [...] “a casa não tinha mais que uma peça, as paredes de barro, o teto de zinco, o chão de terra. Ali era sala, quarto e cozinha, a latrina era o campo, as roças, a mata." [...] (p. 45). As casas dos patrões muitas vezes eram ocupadas também por trabalhadores, entretanto, isso se justifica por uma situação de favorecimento, de apadrinhamento, enfim, uma generosidade que não visava a caridadee sim, a humilhação do trabalhador.

Logo que chegavam, os trabalhadores se deparavam com uma realidade completamente diferente da que ouviram falar, na qual contraiam dívidas, que mais tarde eram responsáveis pela sua permanência na fazenda. Em alguns casos, o próprio transporte do trabalhador até a fazenda costumava ser cobrado mais tarde, além dos produtos de alimentação, higiene e saúde, cuja aquisição fica restrita ao armazém da própria fazenda, onde os preços praticados eram mais altos que os normalmente estipulados em outros estabelecimentos. Desse modo, o trabalhador, sem dinheiro para quitar seus débitos, via-se oprimido pela estrutura montada pelos coronéis, que não permitiam que ninguém saísse das suas fazendas sem pagar as dívidas, que cresciam continuamente. Dentro desse contexto, o autor narra:

Amanhã cedo o empregado do armazém chama por tu para fazer o "saco" da semana. Tu não tem instrumentos pro trabalho, tem quecomprar. Tu compra uma foice e machado, tucompra um facão, tu compra uma enxada... E isso tudo vai ficar por cem mil-réis. Depois tu compra farinha, carne, cachaça, café pra semana toda. Tu vai gastar uns dez mil-réis pra comida. No fim da semana tu tem quinze mil-réis ganho do trabalho - o cearense fez as contas, seis dias a dois e quinhentos, e concordou. - Teu saldo é de cinco mil-réis, mas tu não recebe, fica lá para ir descontando a dívidados instrumentos... Tu levaum ano pra pagar os cem mil-réis, sem ver nunca um tostão. Pode ser que no Natal o coronel mande te emprestar mais dez mil-réis pra tu gastar com as putas nas Ferradas... (AMADO, 2006, p. 46)

Para esclarecer a ideia, têm-se que o conceito de trabalho escravo, de acordo com o Desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite, [i]três pontos elementares no que tange ao tipo de coação, quais sejam:

a) coação econômica – dívida contraída com o transporte para fazenda e compra de alimento. O empregado tenta saldar a dívida, mas não consegue, devido aos elevados valores cobrados;

b) coação moral/psicológica – ameaças físicas, e até de morte, por parte do responsável pela fazenda e constante presença de capataz, armado, em meio aos trabalhadores;

c) coação física – agressão aos trabalhadores como forma de intimidação.

Assim, percebe-se que trabalho escravo é aquele que submete o homem a condições degradantes de labor, geralmente privando sua liberdade em razão de dívidas infundadas e submetendo-o a precárias condições de higiene e saúde, não sendo necessário que exista violência ou ameaça para caracterizá-lo. O autorem sua narrativa, afirma que “Eu era menino no tempo da escravidão... Meu pai foi escravo, minha mãe também... Mas não era mais ruim que hoje... A coisa não mudou foi tudo palavras... [...]." (p.47)

O trabalho em regime de escravidão serviu de sustentáculo econômico, social e político à elite, formada pelos coronéis, grandes proprietários de terras produtoras de cacau.

Em uma breve visão histórica da escravidão, Montesquieu relata que "a escravidão propriamente dita é o estabelecimento de um direito que torna um homem tão próprio de outro homem, que este é o senhor absoluto de sua vida e de seus bens" (MONTESQUIEU, 1748).

No mesmo diapasão, Rousseau[j] indaga como o homem passa do seu estado natural ao civil e quais são as condições essenciais desse pacto, a perda da liberdade natural, nata, do ser humano, como ele a havia perdido e como ele haveria de recupera-la, condenando, assim, a escravidão como algo paradoxal ao direito.[k] Conclui-se que, se recuperando a liberdade, o povo é quem escolhe seus representantese a melhor forma de governo se faz por meio de uma convenção.[l]

No Brasil, no dia 13 de maio de 1888, chegava ao fim o trabalho escravo. Foram quase quatro séculos de escravidão, agonia e maus-tratos, enfim os escravos se encontravam em liberdade perante a lei. A abolição da escravatura no Brasil aconteceu através da Lei Imperial de n.º 3.353/88, a chamada Lei Aurea, sancionada naquele ano pela Princesa Isabel, com apoio de alguns políticos.

Conforme a historiadora, Lilian Aguiar:

[...] sem acesso a terra e sem qualquer tipo de indenização por tanto tempo de trabalhos forçados, geralmente analfabetos,vítimasde todo tipo de preconceito, muitos exescravos permaneceram nas fazendas em que trabalhavam, vendendo seu trabalho em troca da sobrevivência. Aos negros que migraram para as cidades, só restaram os subempregos, a economia informal e o artesanato. Comisso, aumentou de modo significativo o número de ambulantes, empregadas domésticas, quitandeiras sem qualquer tipo de assistência e garantia; muitas exescravas eram tratadas como prostitutas.

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