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SOBRE A PRÁTICA DA CIDADANIA COMO PROPEDÊUTICA À REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL

Por:   •  4/1/2018  •  2.361 Palavras (10 Páginas)  •  410 Visualizações

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Devemos ter em mente que em um regime de governo democrático, como em nosso país, as leis deveriam ser elaboradas em consonância com as necessidades da população, e que fossem cumpridas por todos e que elas também visassem garantir os direitos fundamentais da pessoa humana. Isso nada mais significa do que objetivar à justiça social. Pois é somente na medida em “que os postulados da justiça se põem como objetivos comuns” (BARBOSA, 1994, p. 105) é que podemos verdadeiramente desfrutar de uma democracia e nos vermos como cidadãos representados politicamente.

Ao refletirmos sobre nossa realidade, isso não só em termos de Brasil, mas considerando de forma mais abrangente ou global, surgem algumas questões ou pontos fundamentais que precisam ser considerados. Sabemos que as Democracias modernas estão alicerçadas na trilogia liberdade, igualdade, fraternidade. “A tríade famosa da Revolução Francesa forma um todo uno e indivisível” (COMPARATO, 1998, p. 12). Mas, para “quem se destina o ser livre, o ser igual, o ser fraterno? A toda a sociedade? Os privilégios realmente não existem mais? E o povo, que espaço político ocupa?” (PIRES, 1986, p. 88).

Na verdade, hoje temos a impressão de que, isso em todos os níveis e camadas sociais, vive-se uma ausência de normas. Os valores éticos, que possuem uma capacidade disciplinadora, parecem estar perdidos; “em nosso tempo [...], o homem ainda não encontrou o modo de ser igual e de ser livre” (PIRES, 1986, p. 89) e como poderíamos esperar ainda o ser fraterno.

“A questão da liberdade entendida dentro da estrutura social remete à compreensão do significado da relação dos homens entre si” (PIRES, 1986, p. 90). Podemos pensar em uma espécie de “preferência contínua do interesse público sobre o interesse próprio de cada cidadão, pois aqui, como em tudo mais, a propriedade individual opõe-se à comunhão” (COMPARATO, 1998, p. 14).

Colocado nesses termos, a questão de uma mudança estrutural da sociedade, não só parece, mas realmente “pertence ao problema da liberdade que ultrapassa o agir pessoal [...] e atinge a sociedade toda que resulta mudada a partir de um conjunto de forças dos homens que se associam [...] porque querem a mesma modificação” (PIRES, 1986, p. 90). Nesse sentido, a questão da cidadania é uma “questão ética”, justamente pelo fato de tratar-se de uma “questão social”. Em outros termos, pode-se dizer que em uma democracia, “[a] liberdade colocada em cena vai se fundamentar em valores éticos que estão voltados para a escolha social” (PIRES, 1986, p. 90).

Com efeito, isso significa “falar do comprometimento do homem com a sociedade na qual vive. Esse compromisso se reflete na responsabilidade social” (PIRES, 1986, p. 91). Pois, na medida em que o homem vive dentro de uma sociedade sem questioná-la, e sem pensá-la, obviamente está contribuindo para com a sua afirmação. Sem dúvida, os idealizadores da democracia, jamais aprovariam determinada prática. Ela visa o bem comum?

3 Uma reflexão em termos históricos

Nesse contexto é cabível fazermos uma retomada em termos históricos. Para Comparato, “a cidadania autêntica prende-se ao à ideia de contrato social, ou seja, a um complexo de direitos e deveres, que cada um de nós tem para com todos os outros [isto é, para com a sociedade]” (COMPARATO, 1998, p. 10 – acréscimo meu). A ideia de contrato social foi elaborada, de modo mais detalhado, no âmbito da filosofia política moderna[5], embora já possamos pensar a ideia de contrato desde o período antigo, mais precisamente, com Platão e Aristóteles.

Remontando ao período moderno, podemos perceber o seguinte: a ideia de contrato pode ser utilizada para a troca de prestações entre duas partes (contratos bilaterais - o vender e o receber, o aluguel de um imóvel) e contratos de um número indefinido de partes (contratos plurilaterais), os que visam a “realização de um objetivo comum entre todas elas”. Esse mesmo esquema pode ser aplicado “para explicar como deveria ser o relacionamento dos diferentes Estados no plano internacional” (COMPARATO, 1998, p. 11). Portanto, podemos pensar, para o nosso propósito, na existência de dois tipos de contratos: bilaterais e plurilaterais. Nos primeiros, impera o interesse dos contratantes, ao passo que nos segundos, associativos, por assim dizer, procura-se “conjugar esforços em vista de um objetivo comum” (COMPARATO, 1998, p. 11). Para falar de cidadania, não há como furtar-se desse tipo de contrato, muito embora o contrato bilateral também tenha determinada importância.

Não é difícil perceber que as mais diversas sociedades se pautam pelo contrato, seja no campo das ideias políticas liberais ou socialistas. Para o neo-liberalismo de hoje é preciso estender a toda a sociedade o princípio individualista. Segundo a teoria de Adam Smith, a abordagem é de Comparato, se

cada qual for diligente na realização de seus próprios interesses, todos sairão lucrando. Para o socialismo [...] constitui rematado absurdo imaginar que a harmonia social pode resultar de uma concorrência de egoísmos. Sem [...] que cada cidadão seja, efetivamente, responsável pelo bem-estar de todos, jamais se chegará a construir uma sociedade livre e igualitária (COMPARATO, 1998, p. 12).

Sem dúvida, é

esta visão socialista ou solidarista, como se queira, que traduz o verdadeiro sentido da cidadania, nas origens. O pólités da Grécia antiga, que os romanos traduziram por cives, era propriamente o sócio da cidade, aquele que possuía direitos e deveres comuns a todos os cidadãos, e participava efetivamente das decisões coletivas (COMPARATO, 1998, p. 12).

Contudo, se atentarmos para o contexto da primeira Democracia do mundo ocidental, a Grécia clássica, podemos dizer que comparada aos moldes atuais era uma pseudo-democracia. No dizer de Aristóteles, “nem todas as pessoas indispensáveis à cidade devem ser contadas entre os cidadãos” (Pol., 1278a). Portanto, podemos pensar que a cidadania, em seus primórdios, também consistia em uma pseudo-cidadania.

Mais adiante, na mesma obra encontramos que “a cidade não é apenas uma comunidade de seres vivos, mas de seres identificados entre si, e seu objetivo comum é a melhor vida possível [para todos]” (Pol., 1378b – acréscimo meu). A Grécia, enquanto primeira democracia do mundo ocidental, não deixa de consistir na primeira sociedade a definir a cidadania no mundo ocidental, embora dessa cidadania ou dessa condição de cidadão estejam excluídos todos os camponeses, os escravos e as mulheres[6]. Assim,

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