Memorial Fazenda Publica
Por: Victor da Silva • 18/10/2018 • Dissertação • 6.943 Palavras (28 Páginas) • 236 Visualizações
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FAZENDA PÚBLICA
Síntese Fática
- Trata-se de procedimento relacionado à pretensão do “Hospital Santa Casa de Misericórdia” (“Hospital”) da cidade de Porto Alegre/RS, para que seja reconhecida a imunidade tributária nas operações de compra de medicamentos, a serem fornecidos aos pacientes internos, de fornecedor sediado no estado do Rio Grande do Sul.
- O Hospital, buscando aplicação e ampliação da imunidade tributária sobre o ICMS incidente na aquisição de seus medicamentos, procedeu ao ajuizamento de ação judicial com fito de reconhecimento de imunidade tributária ao fornecedor dos medicamentos, inobstante a inexistência de previsão constitucional para tal.
- As pretensões do Hospital foram indeferidas pelas instâncias ordinárias e, diante da inexistência de nulidades e questões processuais que obstassem a procura das vias excepcionais, o Hospital interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, tendo sido pautado o julgamento par os dias 08/11 e 09/11, com sustentações horais requeridas pelo recorrente e pela recorrida.
- O Hospital alinha-se ao entendimento de que o fato econômico aplicável ao presente caso, por tratar-se de tributo indireto, não poderia ser transferido ao adquirente dos medicamentos. Portanto, pretende o Hospital a ampliação da proteção que o constituinte originário idealizou para as entidades assistenciais, uma vez que tal pretensão apenas se concretizaria caso a norma imunizante alcançasse o contribuinte de fato da relação jurídico-tributária, qual seja, o fornecedor do estado do Rio Grande do Sul.
- Por outro lado, a Fazenda (ou Estado) pretende seja reconhecido o posicionamento já exarado e uníssono na jurisprudência pátria, qual seja, que prevaleça a interpretação jurídica pura da constituição, a qual preconiza que somente o contribuinte de direito é quem pode ser contemplado pela imunidade, pois só esse figura na estrutura obrigacional fiscal.
- Portanto, o debate versado nos presentes autos volta-se a questão diversa, qual seja, se a regra imunizante do art. 150, VI, alínea c, da Constituição Federal se estende ao ICMS incidente sobre os insumos, medicamentos e serviços adquiridos por entidades de assistência social na qualidade de consumidoras (contribuinte de fato).
A Origem da Imunidade Tributária do Hospital
- As imunidades constitucionais são uma vedação constitucional ao poder de tributar. Não representam uma renúncia fiscal, mas a proibição da entrada do fisco em área interditada para atuar. Difere da isenção, esta sim uma renúncia fiscal.
- Nas imunidades, o Poder Impositivo está proibido de agir, por impedimento constitucional para tributar determinadas situações, pessoas físicas ou jurídicas, ou bens considerados relevantes para um Estado Democrático de Direito. Nas isenções, é o próprio poder tributante que abre mão de receita tributária, principalmente visando estímulo a determinados comportamentos.
- Neste sentido, são as palavras de Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que o preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a Isenção se dá no plano da legislação ordinária[1].
- As entidades filantrópicas nas aéreas de saúde, educação e assistência social compõem um universo de 8.695 pessoas jurídicas. De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, a rede de entidades filantrópicas da saúde é composta por 3.311 estabelecimentos, distribuídos em 1.784 municípios, sendo que, em 997 cidades, a assistência hospitalar é realizada unicamente por hospitais beneficentes-filantrópicos. Somente a rede de filantropia compreende um universo de 1.727 hospitais que prestam serviço ao SUS.
- O primeiro requisito básico exigido para usufruto da benesse inerente a imunidade tributária delineada na parte final da alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88, é determinada instituição ser classificada como “entidade beneficente da assistência social”. Desta forma, as instituições de assistência social são aquelas pessoas jurídicas de direito privado, associações civis, fundações e serviços sociais dedicados à previdência, saúde e assistência social[2].
- Seguindo o mesmo entendimento, o art. 3º da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) considera como entidade e organização de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bom com as que atuam na defesa e garantia de direitos.
- Logo, conforme depreende-se na redação do artigo trazido à baila, é considerada então instituição de assistência social aquela que cumpra os requisitos básicos instituídos em Lei, para fins de usufruto da benesse da imunidade tributária capitaneada na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88.
- Além dos requisitos previstos em lei, para usufruir da imunidade tributária é necessário que a instituição de assistência social cumpra outros requisitos básicos para tal enquadramento, qual seja a “ausência de fins lucrativos”. Para o ilustre doutrinador Paulo Ayres Barreto, consideram-se entidades sem fins lucrativos: toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a instituíram[3].
- Portanto, para que sejam classificados como “sem fins lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não distribuam lucros (mais correto seria dizer seus superávits); e b) não revertam seu patrimônio às pessoas que as criaram. Preenchidos esses pressupostos, tem-se instituição sem fins lucrativos.
- Evidencia-se desta maneira que as entidades beneficentes da assistência social usufruem da imunidade em relação ao dever de pagar impostos, conforme previsão expressa do artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal. Destaque-se, conforme já mencionado no típico anterior, que o usufruto da imunidade em relação aos impostos pelas entidades beneficentes da assistência social, diz respeito, tão somente, em relação ao seu patrimônio (IPTU, IPVA, ITR), renda (IRPJ) ou serviços (ISS, ICMS), relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas, conforme prevê o §4º, do artigo 150, da CF/88.
- Faz-se imperioso elucidar, igualmente, que, em um primeiro momento, percebe-se que o texto constitucional atribui as denominadas entidades beneficentes da assistência social o direito ao usufruto da imunidade tributária em relação a impostos e as contribuições para seguridade social, conforme preceituam os artigos 150, VI, “c” c/c 195, §7º. Quanto as demais modalidades de tributos, tais como as taxas e demais contribuições, tais entidades são normalmente passíveis de tributação em razão da ausência de norma constitucional que as exonere de tal obrigação.
- A vedação constitucional de instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços das instituições de assistência social sem fins lucrativos, também encontra-se disposta no art. 150, VI, “c”, está condicionada ao atendimento dos requisitos previstos em lei. Importante salientar que a imunidade constitucional em apreço, insculpida no texto constitucional, possui reflexo infraconstitucional de acordo com a norma prevista no artigo 9º, IV, do CTN.
Distinção entre Contribuinte de Fato e de Direito
- O papel assumido pelas partes na relação tributaria varia entre sujeito ativo e sujeito passivo. Conforme preceitua o artigo 119 do CTN, “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”, sendo aquele que tem o direito de exigir a obrigação tributária imposta ao sujeito passivo, é o credor, ou seja, o que integra o polo ativo da relação jurídica.
- Já conceito legal apresentado pelo Código Tributário Nacional para sujeito passivo é nos termos do artigo 121, onde se lê: “o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.”
- A doutrina define o papel assumido pelo sujeito passivo na relação tributaria como vinculador, sendo compulsória, portanto, a satisfação da prestação pecuniária, honrando o pagamento do tributo devido e previsto na regra-matriz de incidência tributária.
- Sacha Calmon Navarro Coelho defende que o sujeito passivo é aquele que está “obrigado a satisfazer a prestação pecuniária, o chamado crédito tributário, correspondente ao tributo devido”[4]. Paulo de Barros Carvalho, aduz que o sujeito passivo é portador do dever jurídico de adimplir referida prestação (pecuniária equivalente ao tributo).
- Sujeito passivo da obrigação tributária é, por sua vez, a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação pecuniária. Esse é, em termos jurídicos, o contribuinte, ou seja, aquele que deve realizar o pagamento dos tributos eventualmente devidos[5].
- Por fim, encerra-se a definição com indispensáveis palavras de Aliomar Baleeiro, que ao discorrer sobre o tema, afirma que o CTN distingue, por si só, o sujeito passivo da obrigação principal do sujeito passivo da obrigação acessória. O primeiro seria, então, somente quem, por lei, está obrigado a pagar o tributo ou pena pecuniária.
- Diante da classificação de sujeito passivo oferecida pelo parágrafo único do artigo 121 do CTN, o qual subdivide o papel em contribuinte e responsável, é possível avaliar a posição assumida pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre no caso em questão[6].
- Enquanto o contribuinte seria o que realizaria o fato gerador, o responsável seria aquele obrigado, por força de lei, a pagar o tributo no lugar do contribuinte ou juntamente com ele – direta, solidária ou subsidiariamente.
- Leandro Paulsen sugere a definição de contribuinte como aquele que realiza o fato gerador e que, portanto, é indicado pelo legislador para contribuir em face da sua capacidade contributiva. Seria, por consequência, o conjugador do verbo constante no critério material da regra-matriz de incidência tributária de determinado tributo[7].
- Paulo de Barros Carvalho admite o contribuinte como “o sujeito de direitos que ocupa o lugar sintático de devedor, no chamado polo passivo da obrigação tributária[8]. A doutrina classifica a posição de contribuinte em dois, como expor-se-á no presente recurso: contribuinte de direito e contribuinte de fato.
- O Ministro Herman Benjamin, em julgamento de recurso especial, perante a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, assim definiu o contribuinte de direito, tornando-a clássica: contribuinte de direito é o sujeito passivo que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, nos termos do art. 121, par. único, I, do CTN. Indicado na lei para ocupar o polo passivo da obrigação tributária, é também quem deve, em última análise, recolher o tributo ao Fisco. Assim, contribuinte de direito é, por definição, aquele determinado pela lei[9].
- Sinteticamente, é do contribuinte de direito que o Fisco pode exigir o pagamento do tributo, valendo-se das medidas cabíveis. Já o contribuinte de fato, posição adotada pela Santa Casa da Misericórdia em questão, não tem qualquer relação direta com a Fazenda.
- O pensamento de Ives Gandra da Silva Martins explicita o caráter assumido pela figura diversa, uma vez que o contribuinte de fato é “aquele que suporta o encargo financeiro do tributo”[10]. É, sem duvida alguma, um terceiro, não-ocupante do polo passivo da relação jurídico-tributária, motivo pelo qual sua imunidade tributária não deveria fomentar discussão acerca do pagamento ou não do tributo por parte do contribuinte de direito.
- Isso porque ate mesmo um dos exemplos mais tradicionais da didática do contribuinte de fato é encontrado no imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços – ICMS.
- Se é notório que um comerciante onera o produto adquirido pelo consumidor com o montante que paga referente ao ICMS, não sendo o consumidor substituto tributário do fornecedor em momento algum, apenas cabendo a ele efetivar a quantia que será futuramente utilizada para pagamento do tributo, de igual modo é feita a classificação no caso de fornecimento de medicamentos por parte de empresa privada à Santa Casa de Misericórdia, assumindo a entidade o papel de consumidor, singularmente.
- Hugo de Brito Machado trata sobre o tema com maestria, dando o exemplo de uma entidade do Poder Público (que é imune, nos termos do art. 150, VI, "a") que compra uma mercadoria.
- O argumento de que o imposto sobre produtos industrializados (IPI) assim como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da Ciência das Finanças. Não no Direito Tributário.
- A relação tributária instaura-se entre o industrial, ou comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a Fazenda Pública, ou fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da mercadoria e o industrial, ou comerciante, que a fornece, instaura-se uma relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual.
- O Estado comprador paga simplesmente o preço da mercadoria adquirida. Não o tributo. Este pode estar incluído no preço, mas neste também está incluído o salário dos empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isto não tem relevância para o Direito, no pertinente à questão de saber quem paga tais custos[11].
- Diante do exposto, conclui-se que o papel assumido pela Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre é de contribuinte de fato, não participante da relação jurídica entre o contribuinte de direito e o Fisco e, portanto, não ensejando revisão da incidência do ICMS sobre medicamentos adquiridos pela entidade.
A inaplicabilidade da repercussão econômica do tributo para verificação dos efeitos da imunidade tributária: a imunidade subjetiva se aplica apenas ao contribuinte de direito
- A Imunidade Tributária é beneplácito previsto na Constituição Federal de 1988, Letra a qual estatui que determinados bens, pessoas, rendas e atividades não sofrerão a incidência de tributos, trazendo, portanto, uma dispensa constitucional de tributo, não podendo o contrário ser previsto em outra fonte jurídica que não a própria Lei Magna, pois não trata-se de uma renúncia fiscal, mas sim da proibição da entrada do Fisco em área interditada para atuar.
- Devido à importância econômica auferida em sua determinação, está prescrita em cláusulas pétreas, sendo de extrema relevância ressaltar a impossibilidade de sua modificação, por força do § 4º, inciso IV, do artigo 60 da Carta Magna.
- São imunes, com base no Código Tributário Internacional, que tem eficácia de lei complementar- as Santas Casas de Misericórdia, por força do seu artigo 14. A imunidade tributária que engloba a Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre e da qual tratamos aqui é, especificamente, a subjetiva, também chamada de pessoal, uma vez que está intrinsecamente ligada às características da entidade, como se demonstrará.
- Isso porque a determinação do CTN é condicionante do que mencionado na Lei Maior, que discorre sobre a imunidade tributária no art. 150 , inciso VI, c, onde cita as entidades hospitalares de assistência social, sem fins lucrativos, prestadoras de serviço na área da saúde, que “demonstrem preencher os requisitos do artigo 14 do CTN”.
- O tributo objeto da discussão suscitada pela Santa Casa de Porto Alegre é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, definido como tributo indireto, considerando que permite a transferência do seu encargo econômico para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo, veja-se doutrina:
- "O ICMS é tributo indireto. Todo o seu ônus econômico-financeiro é transferido para o consumidor que, ao pagar o preço da mercadoria, paga também o valor do imposto que naquele preço se acha embutido". (ob. cit., p. 225).
- Exposto o caráter assumido pelo tributo, passa-se à explanação acerca dos motivos justificadores de tal classificação, motivo pelo qual se fazem imprescindíveis esclarecimentos também quanto a representação assumida pela Santa Casa na relação de direito obrigacional da qual se trata a obrigação tributária: existem, no curso da pactuação da obrigação tributária, a figura do sujeito ativo e do sujeito passivo.
- O artigo 119 do CTN preconiza que sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. Segundo Paulo De Barros Carvalho, sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. Pode ser uma pessoa jurídica pública ou privada[12].
- Já a figura do sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 121) e o sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto (art. 122). O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I –contribuinte, quando tenha relação pessoa e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (art. 121, p.ú.).
- Observa-se, ainda, o disposto no artigo 126 do CTN, o qual aduz que a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil da pessoa natural ou jurídica (regular constituição), bem como a capacidade tributária passiva independe de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios (CTN, art. 126, II); a capacidade tributária passiva independe de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional (CTN, art. 126, III).
- Na área do sujeito passivo, apresenta-se, então, a figura do contribuinte de fato e de direito.
- O contribuinte por si só já é pessoa, física ou jurídica, que tenha relação de natureza econômica, pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador, devendo ser especificado para que depreenda-se quem detém a obrigação de pagar o tributo. Enquanto o contribuinte de fato não integra a relação econômica e não tem obrigação legal de pagar o tributo, mas arca com o ônus econômico do tributo; o contribuinte de direito tem a obrigação legal de pagar o tributo.
- Em outras palavras, enquanto o contribuinte de direito é a pessoa que realiza o fato gerador, o contribuinte de fato é a pessoa que paga efetivamente o imposto, considerando que o contribuinte de direito transferiu para ele este encargo, sendo popularmente chamado de “consumidor”.
- A compreensão da subdivisão do papel é imprescindível para a determinação da aplicabilidade da imunidade, portanto. Exemplificando, se uma entidade de assistência social comercializar, com o intuito de arrecadar fundos, lembranças personalizadas. A venda das mesmas estaria sujeita, supostamente, ao pagamento de ICMS, o que oneraria o bem.
- No caso em epígrafe, a entidade assume o papel do contribuinte de direito, uma vez que é ela que passaria o encargo tributário em frente, suscitando a questão da imunidade tributária.
- Foi o julgado nos autos da Suspensão de Segurança 3.533/MG, nos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário n. 210.251-2/SP, que estatuiu a tese vigente das entidades imunes enquanto contribuinte de direito, -se em vista a importância de tais entidades para o desenvolvimento social da sociedade.
- Imagine-se, em contrapartida, a situação hipotética em que a mesma entidade adquira essas lembranças de outra empresa de âmbito particular. Assumiria, então, o papel de consumidora, tornando-se contribuinte de fato.
- É em situação semelhante em que se encontra a Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre, ao tratar da compra de medicamentos – não deverá, nesta análise, haver interpretação sob o aspecto econômico ou qualquer outro que não o aspecto formal: se outrora acordado e previsto, que cumpra-se o determinado na Constituição, interpretando-se de modo que se a entidade imune for contribuinte de direito, o imposto não incidirá; todavia, se a entidade imune for apenas contribuinte de fato, o imposto incidirá normalmente.
- A alegação de oneração do preço como motivo para estender a imunidade tributária da entidade assume caráter inconstitucional e portanto, ilegal, não sendo sua ponderação com base em arcabouço jurídico firme, pois o valor do ICMS é incluído no remédio como pura e simplesmente numerário, e não de tributo, ou melhor, cobrança do Fisco, como tenta argumentar.
- Abrilhante-se mais uma vez a necessidade da repercussão econômica para terceiros ser desconsiderada na exigência do ICMS, sob a égide do contribuinte de fato imune, uma vez que não há prerrogativa alguma que embase o contrário.
- A Súmula 591 deste Supremo Tribunal Federal, transmitiu outrora ideia sintetizada da aplicação do ICMS: A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados, não havendo motivo para pautar sua decisão, diante das particularidades do caso, de forma a desrespeitar fala anterior.
- Depreende-se, conforme explicado por Leandro Paulsen, Importa, para a verificação da existência ou não da imunidade, a posição de contribuinte, nos moldes do raciocínio que inspirou a Súmula nº 591 do STF. Conforme orientação atual do STF, seguindo a linha da referida súmula, descabe verificar se o ente imune é ou não contribuinte de fato, pois a repercussão econômica não está em questão[13].
- Igualmente, se a Constituição diz que é vedado cobrar impostos das entidades de assistência social, é porque nega competência para tanto, não sendo dado ao intérprete perquirir quanto à repercussão econômica do tributo para efeito de decidir se é devido ou não.
- Por conseguinte, sabe-se que a incidência jurídica dos tributos corresponde justamente ao vínculo jurídico-obrigacional tributário que une o sujeito ativo (Fazenda Pública) ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em torno de uma prestação pecuniária (tributo) ou não pecuniária (deveres instrumentais)[14].
- A exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo sujeito passivo (contribuinte ou responsável) não se confunde com o ônus econômico, tendo em vista que a incidência jurídica se distingue da incidência econômica do tributo. Esta realidade torna-se nítida na tributação indireta, cuja incidência jurídica vincula o sujeito passivo a uma obrigação tributária, mas a incidência econômica recai, sobre o consumidor (contribuinte de fato).
- Por outro lado, na tributação direta, a incidência jurídica coincide com a incidência econômica, ou seja, aquele agente que a lei indicou para satisfazer a obrigação tributária é o mesmo que irá suportar o ônus econômico do tributo. Este fato, no entanto, não impede que em determinadas circunstâncias de mercado o ônus econômico do tributo seja agregado aos preços finais de mercadorias, produtos e serviços.
- A obrigação tributária principal é satisfeita com o pagamento do tributo pelo sujeito passivo (contribuinte ou responsável) que a lei indicou. Este pagamento, contudo, não se confunde com o ônus econômico do tributo. A diferenciação entre pagamento e ônus revela-se através de aspectos pessoais, materiais, temporais e espaciais[15].
- Com relação ao primeiro aspecto, qual seja, o aspecto pessoal, este ressalta a nítida distinção entre o sujeito passivo (contribuinte de direito) que é impelido a satisfazer (pagar) a obrigação tributária e aquele (contribuinte de fato) que suporta o ônus econômico do tributo, aquele que tem seu patrimônio diminuído.
- Por conseguinte, no que se refere o aspecto material, existe a possibilidade de o montante do tributo pago não coincide com o ônus econômico suportado. Por exemplo, o consumo final de mercadorias é fato gerador do ICMS, cuja alíquota interna é de 17% ou 18%. Neste caso, sobre o consumidor final (contribuinte de fato) recairá a totalidade do ônus econômico incidente sobre toda a cadeia de circulação, enquanto o sujeito passivo (contribuinte de direito) que realizou a venda a consumidor final irá pagar apenas o ICMS incidente sobre o valor agregado nesta operação, em respeito ao princípio da não-cumulatividade.
- Do mesmo modo, o aspecto temporal funciona como pilar ímpar para a diferenciação entre o pagamento do tributo e a incidência econômica do tributo. Por exemplo, em uma compra à vista de mercadorias, o consumidor final (contribuinte de fato) será onerado no ato desta compra, enquanto a empresa (contribuinte de direito) deverá efetuar o pagamento deste tributo no prazo estabelecido na legislação tributária.
- Por fim, o aspecto espacial, que evidencia a possibilidade de pagamento do tributo em determinado circunscrição territorial e o ônus econômico do tributo em outro. Nesta situação, podem ser incluídas as vendas a consumidor final realizadas através da internet.
- Estabelecidas as distinções entre a incidência jurídica e econômica do tributo, importa ressaltar que o ICMS é um imposto plurifásico e não-cumulativo, isto é, ele incide sobre um mesmo produto mais de uma vez, em suas diversas fases de comercialização, mas o contribuinte, no caso a firma, tem o direito de compensar o montante recolhido nas etapas anteriores independente do Estado de origem[16].
- Deve-se ressaltar, ademais, para o presente caso, existir uma clara distinção para os diferentes institutos jurídicos em jogo: de um lado tem-se o contribuinte de direito, qual seja, o fornecedor de medicamentos, e, do outro, tem o contribuinte de fato, i.e. o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
- A respeito do tema, já lecionava Ruy B. Nogueira, acerca da qualidade singular do contribuinte de direito, sendo exatamente o atributo de quem realiza o fato típico ou cerne do fato gerador, de modo que sobre este recai a incidência jurídica do tributo[17], diferentemente daquilo que ocorre com a situação do contribuinte de fato, para o qual, na presente situação, incide tão somente a repercussão ou ônus econômico do tributo.
- Este atributo é, portanto, uma verdadeira relação e vínculo que imputa a autoria do fato tributado (núcleo do fato gerador) à pessoa que o realizou, que o concretizou e como consequência lhe dá a qualidade de contribuinte ou devedor do tributo. Desta forma, há uma sujeição passiva direta[18]. No mesmo sentido, nas palavras de Veiga Filho, o imposto vai diretamente em procura do contribuinte para fazer incidir a tributação sobre fatos que com ele se relacionam, atingindo-o na sua própria existência, profissão ou propriedade[19].
- Por outro lado, sabe-se que praticamente todos os tributos do comércio sofrem repercussão econômica, pois de maneira lógica, no momento que o produtor efetuar a venda do produto, considerará o custo tributário no preço da mercadoria. Neste sentido, as incidências tributárias que gravam o patrimônio do contribuinte, agregando-se a custos, despesas, acréscimos às margens de lucro, formam um montante caracterizado como preço, ou valor da operação, que, dentro do ciclo operacional, passa a ser suportado pelos adquirentes[20].
- No caso do recolhimento do ICMS, por se tratar de tributo de repercussão jurídica por retenção, tem-se que o legislador seleciona a figura do substituto tributária, para recolher o tributo do contribuinte de direito, valendo-se por fim da repercussão econômica, para não suportar prejuízos, sendo que novamente, o contribuinte indireto, será o consumidor final[21].
- Observa-se, portanto, que se trata de efeito natural da incidência tributária em determinada relação jurídico-tributária a figura da repercussão econômica do tributo. Em razão disto, a imunidade tributária só alcança quem faz parte da relação jurídica do tributo, sendo exatamente por isso que as entidades filantrópicas, tais como o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, devem pagar ICMS sobre os produtos que comprarem para desempenhar suas respectivas atividades.
- A repercussão ou translação, conforme ressaltado, é o fenômeno pelo qual o contribuinte paga o imposto e mediante a possibilidade legal, liberta-se do sacrifício, transferindo-o a terceiros no todo ou em parte. Dá-se o nome de contribuinte de direito (incidência legal) àquele a quem a norma jurídica obriga o recolhimento do imposto quando define o fato gerador para incidência tributária. Por outro lado, o contribuinte de fato (incidência efetiva) é quem, afinal, por efeito da transferência, suporta efetivamente o ônus tributário, embora a lei o não designasse para esse determinado fim[22].
- Juridicamente, o ICMS é pago pelo comerciante, tal como o IPI é pago pelo fabricante. Todavia, é o consumidor que economicamente arca com o ônus tributário referente à incidência legal do ICMS, que lhe é transferido, eis que tal tributo é indireto e, portanto, passível legalmente de repercussão.
- Neste sentido, para que ocorra a repercussão econômica do tributo, necessita-se que a matéria tributada seja objeto de operação de compra e venda ou outra modalidade de troca econômica, já que a formações do preço serve de processo ao desenvolvimento do fenômeno da repercussão tributária, de modo a transferir o ônus da incidência legal do contribuinte de direito para o contribuinte de fato, transvestido de verdadeira faceta contratual, uma vez que encontra-se afixado no preço final estipulado pelo fornecedor do bem[23].
- A incidência ou ônus econômico do tributo, portanto, significa que a prestação jurídico-tributária, i.e. o pagamento do imposto, acarreta no plano econômico ou pré-jurídico uma redução patrimonial ou um verdadeiro ônus econômico. Esse desfalque econômico poderá ser recompensado, no todo ou em parte, sobre um ou mais pessoas, i.e. difusão do ônus econômico, a mercê da repercussão econômica do tributo, e segundo certas condições jurídico-econômicas.
- Na cadeia de repercussão econômica haverá uma ou mais pessoas que restará impossibilitada de se recompor deste ônus econômico, suportando definitivamente, parcela ou todo, o encargo econômico do tributo. De modo que se efetiva incidência econômica do tributo e tem-se igualmente como caracterizado o contribuinte de fato.
- Sabe-se que a repercussão do tributo, incluindo-se o ICMS, pode ser meramente econômica (pré-jurídica) ou jurídica (válida para o mundo jurídico). Destarte, em ambas as configurações há um fato econômico, ou seja, uma redução patrimonial correspondente ao quantum recolhido a título de tributo. Não obstante fatos econômicos, há aquele que não tem reconhecimento no plano jurídico, sendo portanto fatos econômicos que não lograram atração jurígena, por isso são meramente econômicos. Por outro lado, há aqueles que recebem a valoração jurídica e por conseguinte são fatos econômicos e jurídicos[24].
- Torna-se transparente, portanto, que o contribuinte de direito ao satisfazer a prestação jurídico-tributária sofre um ônus econômico. Desta maneira, logicamente buscará transferir o ônus econômico do tributo a outras pessoas e isto ocorrerá na oportunidade em que o contribuinte de direito tiver relações econômicas ou jurídicas com estas outras pessoas.
- A repercussão do ônus econômico do tributo do contribuinte de direito, para outra pessoa, poderá ser total ou parcial, bem como poderá ser sobre uma só ou sobre diversas pessoas. Não obstante, a pessoa que tiver sofrido a repercussão do ônus econômico do tributo procurará transladar este ônus econômico para outra pessoa e assim sucessivamente. Destarte, este fenômeno da trajetória econômica da repercussão econômico-tributária será transferido sucessivamente na cadeia comercial ou jurídica a ser constituída[25].
- Por fim, tem-se, em síntese, que a repercussão econômica identifica-se com a transferência do encargo econômico-financeiro da obrigação tributária pelo sujeito passivo legalmente eleito (contribuinte de direito) para terceiro que efetivamente não realizou o fato jurídico tributário (contribuinte de fato)[26], de modo que, ordinariamente, isto ocorre, verbi gratia, quando o contribuinte legalmente eleito transfere o ônus do tributo a terceiro, que sofre a incidência econômica da norma tributária sem ter realizado o fato jurídico tributário, mediante, comumente, a agregação, ao preço de venda, do valor devido a título de imposto[27].
- Desta maneira, estando estabelecidas as premissas necessárias para identificação e valoração do instituto da repercussão econômica do tributo, há que se ressaltar sua inaplicabilidade ou irrelevância para mitigação ou extensão, como é o presente caso, da imunidade tributária.
- A imunidade tributária é outorgada às entidades de assistência social visando facilitar a atuação longa manus do Poder Público por tais instituições na substituição de áreas deficientes de atuação estatal, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do Poder Constituinte[28]. É cediço também que toda outorga de competência aos entes públicos tem um sentido positivo e outro, negativo. Positivo, no caso, na medida em que permite criar exações quando outorgado poder de tributar. E negativo, porque a outorga de competência integra o estatuto dos cidadãos, que tem o direito de não se sujeitar para além do que o Poder Público está constitucionalmente autorizado.
- Em que pese as disputas doutrinárias para conceituá-la, a imunidade tributária das entidades assistenciais é concebida para que seja (a) respeitada a ausência de capacidade contributiva, mormente porque não possuem finalidade lucrativa; e seja (b) realizado valor constitucionalmente relevante de serem atendidos por tais entidades os direitos sociais dos hipossuficientes. Qualquer imposto que sobre elas incidisse implicaria desfalcar o patrimônio, diminuir a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos dessas entidades presumidamente desinteressadas por sua própria natureza[29].
- Poder-se-ia argumentar acerca da necessidade de interpretação do texto Constitucional sob o viés já manifestado pela doutrina acerca da noção de que há repertório jurídico (e não simplesmente econômico) que sinaliza preocupação com o contribuinte de fato ou consumidor final ao se verificar que (i) a própria Constituição da República imprime noção da capacidade contributiva aos impostos ditos indiretos ao prever as regras da não-cumulatividade e da seletividade de alíquotas com vistas à sua não-oneração excessiva, tendo (ii) o legislador infraconstitucional reconhecido a juridicidade do fenômeno da repercussão econômica do tributo e da figura do contribuinte de fato ao prever o art. 166 do Código Tributário Nacional e tendo o Supremo Tribunal Federal referendado a existência do contribuinte de fato com a edição da Súmula n. 546[30].
- Não obstante, não merecem prosperar tais posicionamentos. Inicialmente, a capacidade contributiva a considerar é a do sujeito passivo de direito, sem considerar o fenômeno da repercussão. As referências à “não cumulatividade” e à “seletividade das alíquotas” não são pertinentes ao tema da “imunidade tributária”, porque pressupõem que o tributo já foi instituído, situando-se, portanto, no contexto do exercício da competência tributária, ao contrário da “imunidade tributária”, em que a competência impositiva já nasce tolhida em relação às pessoas protegidas por essa norma.
- A referência à “não cumulatividade” não é pertinente ao tema da “imunidade tributária”, porque o direito de abatimento de créditos não possui o condão de converter o ICMS em “imposto sobre valor agregado”, circunstância que poderia corroborar a tese de que a “não-cumulatividade” teria como inspiração o contribuinte “de fato”[31].
- A imunidade tributária às entidades de assistência social, tais como o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, não contém qualquer norma indutora porque tais entes, limitando-se às suas finalidades essenciais, não estão no Domínio Econômico. Do mesmo modo, a extrafiscalidade do ICMS não guarda qualquer nexo com a imunidade tributária, porque a seletividade de alíquotas varia apenas de acordo com a essencialidade do bem e não em virtude da etapa de circulação ou do destino ou do destinatário da mercadoria ou do serviço.
- A respeito do tema, em situações análogas, já se manifestou a jurisprudência pátria. Neste quesito, em demandas analisadas pelo Supremo Tribunal Federal, sustentou-se a tese segundo a qual as pessoas de Direito Público poderiam impetrar mandado de segurança e se opor ao pagamento do imposto sobre consumo exigido de fabricantes ou outros contribuintes de direito pelos fornecimentos que lhes fizessem, porque o imposto sobre consumo, por ser tributo indireto, tem seu impacto repercutido sobre o comprador, contribuinte de “fato”.
- Todavia, faz-se necessário ressaltar o posicionamento firmado pelo Min. Bilac Pinto, que relatou e produziu o voto-condutor em célebre precedente no qual o impetrante do mandado de segurança era o Serviço Funerário do Município de São Paulo, escancarando a discordância à tese da “realidade econômica” sustentada pelo Min. Aliomar Baleeiro, porque a figura do contribuinte de “fato” é estranha à relação jurídica tributária, sendo a divergência solucionada em 15.12.1976, com a edição da Súmula n. 591 (impossibilidade extensão da imunidade tributária do contribuinte de fato para o contribuinte de direito em situação do IPI) pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, desde então em vigor[32].
- A questão do ICMS também já foi analisada pela Corte Constitucional. O leading case a respeito do tema foi a Suspensão de Segurança n. 3.533/MG nos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário n. 210.251-2/SP, onde, sob a relatoria do Min. Gilmar Mendes, entendeu-se que a imunidade do art. 150, VI, c, CF/88, em relação ao ICMS, quando a entidade filantrópica seja a contribuinte de direito e comercialize bens, cujo ganho retorne integralmente para a realização da atividades da entidade[33].
- Naquele caso, assim como a pretensão do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, buscava-se a imunidade de ICMS cobrado aos seus fornecedores (contribuintes de direito) que eram repassados à instituição e assistência social (contribuinte de fato), situação em que o Supremo Tribunal Federal indeferiu o pleito da entidade assistencial uma vez que se afastada a incidência do ICMS, a título de imunidade tributária, tal fato poderia ensejar grave lesão à ordem tributária, uma vez que inexiste expressa disposição constitucional nesse sentido[34].
- Conclui-se que a razão determinante para que não fosse reconhecida a imunidade da entidade beneficente é a circunstância de que ela não é a fornecedora dos bens ou a prestadora de serviços (contribuinte de direito), mas destinatária (contribuinte de fato, que suporta o ônus final do imposto) das mercadorias e serviços.
- Portanto, embora existam hipóteses, em razão da clara previsão constitucional, em que a entidade na qualidade de contribuinte de direito obteve o reconhecimento da imunidade, resta igualmente claro o posicionamento que não reconhece a imunidade quando a entidade de assistência social é o contribuinte de fato, adquirente de mercadorias/bens ou tomadora de serviços, em similitude à Súmula STF n. 591.
- O contexto da interpretação da imunidade tributária das entidades de assistência social, colhe-se das recentes manifestações das Turmas do Supremo Tribunal Federal julgados que indeferem a pretensão de entidades assistenciais que invocam a circunstância em que são adquirentes de bens ou serviços (contribuinte de fato).
- A imunidade tributária às entidades de assistência social não contém qualquer norma indutora porque tais entes, limitando-se às suas finalidades essenciais, não estão no Domínio Econômico, e no que toca especificamente à “seletividade das alíquotas”, tal instrumento não é pertinente para aferir “capacidade contributiva” do contribuinte “de fato”, porquanto a “seletividade de alíquotas” varia apenas de acordo com a essencialidade do bem e não em virtude da etapa de circulação ou do destino ou do destinatário da mercadoria ou do serviço.
- Finalmente, não se pode interpretar a Constituição mediante remissão à lei, mas, pelo contrário, só a lei pode ser interpretada à luz da Constituição. Não é possível inverter essa ordem. Ademais, os julgados recentes são em sua maioria uniformes quanto à adesão ao precedente e paradigma, ao leading case e à súmula, circunstância representativa de uma falta de cultura de respeito à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal por seus próprios Ministros.
- Neste contexto é bem vinda a reflexão da doutrina em propor de lege ferenda solução jurídica para a controvérsia com a intervenção do legislador concedendo “isenção” aos vendedores, fabricantes e prestadores não-imunes contratados pelas entidades de assistência social, haja vista que a “imunidade” não se faz suficiente para desonerar tais entidades quando ostentam o pretenso predicado de contribuinte “de fato”.
- Logo, diante das razões desenvolvidas, verifica-se mostrar inviável o reconhecimento de imunidade tributária para o contribuinte de direito na presente relação jurídico-tributária do caso em apreço, pela qual não devem prosperar os pelitos perquiridos pelo Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Pedidos
- Diante do exposto, verifica-se a inexistência de razões aptas a justificar as pretensões perquiridas pelo Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, de modo que deve ser reconhecida a impossibilidade de transmissão da imunidade conferida à entidade assistencial ao fornecedor de mercadorias, uma vez que inexiste respaldo constitucional apto a justificar tal ampliação de hipótese de imunidade tributária.
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