Mandado de Segurança - Leito UTI
Por: Sara • 14/11/2018 • 2.412 Palavras (10 Páginas) • 267 Visualizações
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Em consonância com os dispositivos constitucionais citados, a Lei Federal nº 8.080/90 dispôs sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, confirmando a obrigação do Poder Público em fornecer medicamentos à população.
O art. 2º do mencionado Diploma Legal, diz:
“Art. 2º A Saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação
Nesse sentido, conclusivo é o posicionamento do Min. Celso de Mello, firmando definitivamente posição naquela Corte Suprema, quanto ao dever do Estado (gênero) em fornecer gratuitamente medicamentos àqueles que necessitam:
“(…) Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional, consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar a todos a proteção à saúde, representa fator que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.(…) “. (STF, AI-452.312, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 31/05/2004)”.
Ademais, nos termos do art. 198, II da CF/88 e art. 6º, I da Lei 8080/90, o acesso à saúde deve ser integral, ou seja, impõe-se a garantia de tratamento até o nível de complexidade necessária para o atendimento dos usuários do SUS.
O Poder Judiciário têm compromisso com a lei, mas acima dela com os valores, direitos, princípios constitucionalmente assegurados, enfim, com a Justiça.
No conflito entre a lei e os princípios constitucionais (dignidade da pessoa humana e integralidade da assistência à saúde) e, principalmente, entre a lei e a Justiça, prevalecem os princípios e a Justiça.
O reconhecimento de omissão do Estado no cumprimento de um dever constitucionalmente explícito e legalmente reconhecido (artigo 7º - em especial inciso II, da Lei n.º 8.080/90) não significa qualquer interferência na discricionariedade administrativa.
O direito à saúde, embora topologicamente definido no título da Ordem Social, está umbilicalmente ligado e compõe o conjunto de direitos e garantias fundamentais (Título II), em especial os direitos à vida e à dignidade do viver, à dignidade da pessoa humana.
Sua efetivação não está sujeita, apenas, a critérios (falíveis) estabelecidos de forma exclusiva pelo Estado-Executivo, dentro das noções de “seletividade” e “distributividade”, e tampouco restrita à rígida previsão orçamentária em rubrica específica.
Não existe “vácuo” na atuação do Poder Judiciário.
Dessa forma, é vedado à Administração Pública impor qualquer sorte de restrição quanto à cobertura e atendimento na área da saúde, conclusão esta haurida não só da leitura isolada do artigo 194 da Constituição, mas levando-se em conta, também, a necessidade de interpretação sistemática que preserve os valores fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.
Nas falhas, omissões e abusos do Poder Público viceja, como esperança dos ofendidos, a atuação do Poder Judiciário, a corrigir ações ou omissões ilícitas, a repor nos trilhos o caminho do Estado.
Por outro lado, não se nega à possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível; ela é louvável e retrata com fidelidade o entendimento de que mesmo direitos constitucionalmente consagrados não são absolutos.
No entanto, a mera alegação de impactos financeiros e invocação da tese, desacompanhada de provas objetivas e suficientes do que se afirma, constitui verdadeiro ardil que demanda atenção e sensibilidade do Julgador para não chancelar a omissão injustificável do Estado.
A respeito do tema, o Eminente Ministro Celso de Mello talhou lapidar entendimento:
"Não se mostrará lícito ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade".
E, mesmo que demonstrados impactos razoáveis no orçamento da saúde, é preciso comprovar a impossibilidade do cumprimento do dever constitucional em vista da totalidade do orçamento e dos relatórios atualizados de execução orçamentária (que ordinariamente apontam, como se sabe, superávit de arrecadação).
Quantas vidas foram salvas e ainda serão pela intervenção do Poder Judiciário? Tem-se notícia de que o Estado sofreu “abalo significativo” por conta dessas decisões?
Se o Estado evoca a cláusula da “reserva do possível” (cuja aplicação não se nega), que comprove a incapacidade financeira – em vista do orçamento
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