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UM OLHAR SISTÊMICO-FUNCIONAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA MATERNA

Por:   •  4/4/2018  •  1.873 Palavras (8 Páginas)  •  448 Visualizações

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Cada microfunção é equivalente a um uso da linguagem e o bebê, nesta fase protolinguística, só consegue ‘significar’ uma única coisa por vez. Cada vocalização, então, só exerce uma das seis microfunções mutuamente excludentes. As vocalizações são, portanto, unifuncionais pelo fato de a dimensão funcional ainda ser extralinguística: as microfunções não fazem nada mais além de construir o contexto de situação do bebê, sem ativar qualquer interface formal entre os planos de conteúdo e de expressão. Em resumo, não há nenhuma organização funcional do cerne do sistema protolinguístico uma vez que tal cerne, o estrato lexicogramatical, ainda não se desenvolveu.

A Fase II marca a transição para a língua do adulto e se estende do 6o estágio (16½ a 18 meses) ao 10o estágio (22½ a 24 meses). Caracteriza-se pela aglutinação de cinco das microfunções em torno de funções transitórias mais abstratas ou macrofunções. Enquanto as vocalizações realizadoras das microfunções instrumental e regulatória começam a ser usadas quando uma resposta é demandada, aquelas que realizam as microfunções pessoal e heurística começam a ser usadas quando nenhuma resposta é necessária. Por um lado, a combinação da instrumental e da regulatória leva à função transitória chamada pragmática ou função ‘linguagem-para-fazer’. Por outro lado, a combinação da pessoal e da heurística leva à função transitória chamada matética ou função ‘linguagem-para-aprender’(a estratégia idiossincrática do Nigel para sinalizar se suas vocalizações transitórias eram pragmáticas ou matéticas foi o uso de um tom ascendente para as primeiras e de um tom descendente para as outras). As vocalizações interacionais, por sua vez, se revezam entre as duas funções transitórias. Quanto à microfunção imaginativa, Halliday (1975) diz que “o aspecto que fica de fora do sistema transitório é a função imaginativa ou função de brincar, que, neste estágio, toma a forma de cantos e jingles com padrões entonacionais especiais próprios” (p. 53).

A combinação das microfunções é viabilizada pela entrada, no sistema protolinguístico, do vocabulário, o qual, por sua vez, tem seu surgimento motivado pela necessidade de categorização dos fenômenos circundantes a fim de que o bebê, ao mesmo tempo em que aprende a língua, possa também aprender – através da língua –, sobre o ambiente ou contexto de situação e, em última instância, sobre o contexto de cultura. A necessidade de categorização é, então, o impulso para a função transitória matética ou reflexiva/para aprender.

Outros desenvolvimentos importantes da Fase II são os surgimentos da estrutura gramatical e do diálogo. Este, através da manipulação da estrutura, habilita o bebê a designar e a aceitar ou rejeitar os papéis sociais que “existem somente na e através da língua ... falante, destinatário, respondente, perguntador, persuasor e outros” (HALLIDAY, 1975, p. 48). A designação e o aceite ou a rejeição dos papéis pressupõem o fato de que os participantes sociais agem uns sobre os outros. A necessidade de negociação dos papéis sociais é, então, o impulso para a função transitória pragmática ou ativa/para fazer.

Quando o vocabulário e a estrutura gramatical são incorporados, eles passam a constituir um contínuo formal que se transforma em um estrato único: a lexicogramática. O novo estrato surge, dentro do plano do conteúdo, entre os estratos primitivos do conteúdo/significados e da expressão, o que leva ao sistema triestrato da Fase III.

As vocalizações da Fase II ainda são unifuncionais – ou matéticas ou pragmáticas. Dado que o principal encargo da lexicogramática “é sobrepor os diferentes significados funcionais uns sobre os outros” (HALLIDAY, 1975, p. 42), seu surgimento leva aos enunciados plurifuncionais da língua do adulto. As macrofunções transitórias matética e pragmática se transformam nas metafunções maduras ideacional e interpessoal, respectivamente. Daí para frente, a criança começa a produzir enunciados – graças à entrada da lexicogramática, repito –, que são simultaneamente ideacionais e interpessoais, o que marca sua chegada na Fase III.

A Fase III, cujo início se dá por volta do início do andar, já é a língua madura do adulto ou o sistema semiótico de ordem superior. Materialmente falando, esse nível tão elevado de complexidade do desenvolvimento linguístico foi alcançado porque o cérebro, concomitantemente, evoluiu do nível primário de consciência para o nível superior de consciência:

Essa estratificação do plano de conteúdo [de significados apenas para significados e formas ou lexicogramática] significou um passo imenso na evolução da espécie humana – não é nenhum exagero dizer que ela transformou homo … em homo sapiens … Ela expandiu o poder da língua e, ao fazê-lo, criou o cérebro humano moderno. (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 25)

A língua do adulto caracteriza-se por uma mudança no significado do termo ‘função’: de ‘um único uso da língua’ ou microfunção na Fase I, passando por ‘um uso generalizado da língua’ ou macrofunção na Fase II, chegando a “componente do sistema linguístico” ou metafunção (HALLIDAY, 1975, p. 54) na Fase III, isto é, o significado evolui de uma conotação extralinguística para uma conotação intralinguística de função. A mudança é possibilitada devido à inserção da lexicogramática (forma), que, ao se tornar o cerne do sistema, se conecta ao domínio material via os estratos pré-existentes do conteúdo (semântica) e da expressão (fonologia ou grafologia). Quando o sistema linguístico inteiro é visto de cima, a semântica é a interface entre o cerne lexicogramatical e o contexto de situação social; quando o sistema é visto de baixo, a fonologia ou a grafologia é a interface entre o cerne e o mundo físico dos sons e sinais gráficos. Quanto aos resultados do desenvolvimento lexicogramatical, tem-se que os enunciados da criança passam a ser composições simultâneas de todas as metafunções e que sua capacidade para significar se torna ilimitada, pois, diferentemente das microfunções e macrofunções individualizadas, as metafunções constituem um potencial de significados socializados/universais.

Além das metafunções ideacional e interpessoal da língua do adulto, há também a metafunção textual. Quanto à sua origem, Halliday (1975)

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