O Poder das Instituições Médicas, a Episiotomia e o Machismo
Por: Jose.Nascimento • 28/8/2018 • 3.742 Palavras (15 Páginas) • 271 Visualizações
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por 72 horas e a episiotomia custe em torno de 134 milhões
de dólares anuais para a saúde, no Brasil.
Após as recomendações da OMS e outros órgãos, a incidência da episiotomia
tem caído ao redor do mundo, porém, na América Latina esse número distoa. No
Brasil, principalmente, esse altíssimo índice de práticas invasivas não pode ser visto
apenas como uma questão de saúde, não se pode deixar de incluir o problema como
questão racial e de classe social. Apenas 30% das mulheres brasileiras tem acesso a
hospitais privados e a planos de saúde - muitas vezes nem estas são respeitadas em
suas decisões, podendo apenas entrar com processos contra instituições ou profissionais após algum tipo de abuso obstétrico.
As outras 70%, em sua maioria negra, jovem e de classe com menor poder aquisitivo, sequer tem acesso à
informações importantes.
Liliane Gusmão, blogueira feminista, atribui essa violência à
desinformação e à postura passiva a que as mulheres são levadas a ter frente a
classe médica, detentora da informação, privando-as de seus direitos, de serem bem
tratadas e escutadas em seus desejos e escolhas em um momento tão vulnerável
como o parto. Como aponta sua pesquisa, a negra, pobre e jovem é aquela que mais
sofre de violência obstétrica.
Para que melhor possamos compreender essa relação de poder entre médico
e paciente, nos dias atuais, podemos olhar para alguns autores como Michel Foucault,
Bruno Latour e Nikolas Rose. Em sua obra, “O Nascimento da Clínica”, Foucault faz
um estudo das mudanças que os significados da medicina, hospital, doença e doente
(paciente) sofreram através da história, e como estes se apresentaram em diversas
épocas, a partir de rupturas em suas definições. Foucault tenta mostrar como se deu a
organização do conhecimento médico e trata essas rupturas como mudanças, tanto no
olhar para seus objetos, quanto em seus conceitos e métodos. A medicina passa a se
desenvolver para ser considerada, não mais como responsável pela higiene do
monarca, mas como uma barreira a propagação da doença e a profissão médica é
nacionalizada, hierarquizada e sua instituição passa a ser questionada e a ser
organizada pelo próprio Estado – a quem cabe validar o título de médico e como. Essa
mudança de parâmetros, como por exemplo a vida que agora cabia ao sacerdote ou à
religião, e agora passou a ser confiada ao médico, associada a mudança na
consciência de doença – antes um organismo separado do corpo – traz a tona o dever
da assistência do Estado. A doença, quando deixa de ser uma patologia que se insere
no corpo e passa a ser o corpo que se torna doente, transforma o homem em sujeito
e ao mesmo tempo em objeto de seu próprio conhecimento.
Outro tema tratado na mesma obra, de extrema importância, é o olhar. Toda a
sabedoria adquirida peoa médico foi pela observação de seus pacientes. O médico
antes pupilo e aprendiz foi, ao longo do tempo, desenvolvendo sua habilidade de olhar
com um olhar clínico, capaz de diagnosticar problemas, criar soluções e falar com
sabedoria. Somando isso às instituições e aos métodos, foi-se instaurando o poder
compreendido ao médico que poucos desafiam – aquele que as vezes o declara
doente sem ao menos examinar. Assim, perpetuou-se o valor dessa medicina através
da história, que passa a ter, no século XIX, o olhar detentor da “verdade”.
Foucault explica que o olhar não apenas expande a consciência de corpo e de doença, mas cria
uma vigilância empírica do Estado. Assim, o hospital se conecta com estruturas
políticas e sociais muito maiores, que operam na sociedade através de problemas
como: o tipo de investimento em estruturas hospitalares, o que e quem os determinam
através de leis aplicadas a prática da medicina, sua forma de ensino e como isso
molda as prioridades da disciplina e afeta a saúde pública. A medicina também se liga
ao Estado pelos problemas epidêmicos, pragas e suas formas de controle. Essa
formação de Estado e medicina criou sistemas de proteção de morais públicas e de
saúde pública. Elas vem, desde tempos, criando (e sendo criadas por) morais e
normas da contemporaneidade, políticas disciplinares, epidemologias, programas de
planejamento familiar, e assim, estabelecendo o corpo dos indivíduos como apenas
um número no sistema de informação de saúde – como em relatórios da OMS -, que
representa as prioridades de uma nação, suas conquistas e incompetências. A
medicina deixa de ser apenas uma técnica da cura e do saudável (como na
antiguidade clássica), para englobar a experiência do homem não doente, a definição
do homem modelo, que rege as relações físicas e morais do indivíduo e da sociedade
em
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