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A situação dos curdos na Turquia e no Iraque: uma análise comparativa

Por:   •  27/4/2018  •  5.493 Palavras (22 Páginas)  •  418 Visualizações

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1 A contenção pelo governo iraquiano das revoltas xiitas, no sul, e curdas, no norte em 1991, levou à intervenção internacional, que culminou no estabelecimento de uma zona autônoma para os curdos no norte, sob coordenação das Nações Unidas, mas com proteção militar dos Estados Unidos e da Turquia. Contudo, o embargo internacional ao Iraque foi acompanhado de um embargo iraquiano à Zona Autônoma, o que provocou um isolamento dos curdos, que passaram a competir por recursos extremamente escassos, divididos sob a liderança dos dois partidos rivais.

REVISTA PERSPECTIVA

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A forma de atuação dos grupos de cada país também é muito diferente, já que as ações do PKK se concentraram em estratégia de guerrilha, enquanto que PUK e KDP basearam sua atuação em guerra convencional com o governo iraquiano. Isso pode ser explicado principalmente pela diferença de força entre seus ini migos. A guerra convencional que o PKK empreendeu contra a Turquia resultou em um desastre militar que enfraqueceu enormemente o partido (AHMAD, 1993). Enquanto isso, o apoio dos vizinhos aos curdos iraquianos possibilitava a luta desses contra o governo de forma equiparável. No entanto, ambos os movimentos experimentaram formas diferentes de ataque aos seus opressores. A legitimidade concedida pelos demais países e o poder de negociação de que os curdos iraquianos dispunham não podem ser equiparados a nada do que os curdos turcos tinham. A possibilidade de negociação entre partidos curdos e o governo central como semelhantes não era possível na Turquia, uma vez que a organização do Estado turco não deixava espaço para tais negociações (ÖZCAN, 2006). Além disso, a manutenção da tática de guerrilha lhe retirava muito da legitimidade internacional que poderia ter, inserindo-se no contexto de combate mundial do terrorismo. Dessa forma, apesar do alto grau de coesão que o movimento curdo na Turquia possui, isso não foi sufi ciente para atingir a liberdade que foi alcançada no Iraque. Essa diferença nos resultados dos partidos não é decorrente da coesão interna do movimento, senão da infl uência de atores internacionais e da fraqueza do governo central. Esses dois fatores permitiram a ascensão política dos partidos a um status de força negociadora independente, com capacidade de se relacionar com países vizinhos e, no caso da Guerra do Iraque, com os Estados Unidos contra o governo de seu país.

Análise Estrutural As condições estruturais que determinaram o comportamento e defi niram as oportunidades do povo curdo tiveram algumas diferenças essenciais entre o caso turco e o iraquiano. Contudo, algumas características podem ser classifi cadas como semelhantes. O grau de coesão da elite curda nos dois países se deu de maneira diferente. No caso dos curdos da Turquia, a elite tradicional curda se manteve desligada dos movimentos nacionalistas, pois a elite dos grupos tribais e semi-tribais foi cooptada pelo governo para apoiar o domínio deste sobre aqueles. Além disso, havia grande rivalidade entre os líderes das diferentes tribos curdas englobadas pela Turquia. Embora os aghas2 tivessem cargos no governo, isso não gerou uma maior possibilidade de revolta curda em relação ao nacionalismo liderada pela elite tradicional, muito

2 Elite dos grupos curdos que, no caso turco, recebeu benefícios do governo turco para apoiar a subjugação do povo curdo nas regiões em que indivíduos dessa etnia predominavam.

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A Situação dos Curdos na Turquia e no Iraque:...

pelo contrário, esse processo diminuiu as chances disso acontecer. Esse era, desde o início, o objetivo do Estado turco, ou seja, aderir os líderes tribais ao governo e dar-lhes, em troca, bons pagamentos e grandes quantidades de terras para que a elite tradicional curda não organizasse levantes contra a Turquia. Através desse processo, a elite tradicional se transformou em grandes proprietários de terra que viviam nas cidades e que tinham pouquíssimo contato com os camponeses. Logo, a massa camponesa curda pouco se identifi cava com a elite tradicional, que era dona de grande parte das terras e que, de certa forma, oprimia a população rural. A elite tradicional curda na Turquia era, então, uma elite pouco coesa, que buscava satisfazer seus próprios interesses e que tinha laços muito fracos com os movimentos nacionalistas e com a classe camponesa curda. Uma elite com uma identidade curda mais forte surgiria nas décadas de 1960 e 1970, na época dos dois golpes de Estado na Turquia. Durante essa época surgia uma massa intelectual de cunho esquerdista que daria origem aos movimentos nacionalistas curdos atuais. Essa massa logo se transformaria na elite intelectual política curda que, ao contrário da elite tradicional dos aghas, era mais coesa em relação ao problema curdo e mais próxima à população camponesa (ROMANO, 2006). Já no caso dos curdos do Iraque, a elite tradicional participou e formou os principais movimentos nacionalistas curdos. O melhor exemplo disso seria Mustafa Barzani, um agha. Barzani se transformou em um dos maiores símbolos do nacionalismo curdo no Iraque. Seu sucesso se dava, principalmente, devido aos recursos de que dispunha justamente por ser um líder tribal e grande proprietário de terras. Desse modo, mesmo alguns nacionalistas curdos de tendência esquerdista viam maiores chances de existência de um nacionalismo sob o comando de Barzani. No entanto, mesmo que a elite tradicional fosse ligada aos ideais de nacionalismo, esses movimentos não conseguiram um apoio tão grande da massa camponesa quanto na Turquia. Embora a elite curda iraquiana parecesse ter certa estabilidade e um mínimo de coesão necessária para melhor perseguir seus objetivos, uma divisão na elite curda iraquiana se deu na cisão do movimento nacionalista entre o KDP e o PUK, divisão que só seria superada com a Guerra do Iraque em 2003. Uma semelhança entre os dois grupos de curdos nos diferentes países era de que, por um bom tempo, as tribos curdas não eram coesas entre si. Havia muita rivalidade entre as próprias tribos o que, na Turquia, impediu que se formasse um grande movimento coeso a favor do nacionalismo. Esse fator fez com que, durante uma das maiores oportunidades de formação de um Estado curdo – isto é, durante a Guerra de Independência turca – os curdos se mantivessem desunidos e, ao contrário de outros povos, não conseguissem estabelecer seu próprio Estado ou região autônoma. No caso do Iraque, a falta de união entre as tribos fez com que as oportunidades dadas pela coroa inglesa nos primeiros anos de estabelecimento do Estado iraquiano não fossem aproveitadas,

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