QUAL A RELAÇÃO ENTRE POBREZA E MEIO AMBIENTE? Evidências e Reflexões desde uma Perspectiva Multidimensional do Bem-estar Humano
Por: eduardamaia17 • 8/11/2017 • 9.338 Palavras (38 Páginas) • 838 Visualizações
...
Existem algumas evidências dos elos P&M, no entanto, é importante que se reconheça o processo pelo qual as relações P&M se configuram, identificando como as privações humanas podem surgir devido à fragilidade do meio ambiente e que aspectos podem potencializar essas relações. Sobre isso, deve-se considerar aspectos de vulnerabilidade com respeito a: i) sensibilidade, relacionado com o grau de dependência na agricultura e nos serviços dos ecossistemas; ii) exposição, que se refere à maior concentração de pessoas pobres em locais geográficos de maior risco de eventos extremos do clima ou em zonas com maior degradação ambiental; iii) vulnerabilidade devido à deficiência em interações sociais, econômicas, políticas, entre outras, que impedem o acesso a serviços públicos como água potável, saneamento básico, acesso a educação e cuidado de saúde, acesso à informação e ao seguro de proteção social. Tendo em conta esses aspectos, uma pessoa considera-se mais vulnerável em seu bem-estar a mudanças ambientais quando, por exemplo, apresenta maior exposição a eventos extremos do climáticas, quando depende em maior proporção da agricultura ou quando tem menor acesso a água potável.
Os nexos P&M apresentam conotações complexas, dada a heterogeneidade humana e a diversidade de ambientes nos quais as pessoas se inserem. Essas relações dependem das condições climáticas particulares dos países, das formas de vida das pessoas e do grau de dependência nos serviços dos ecossistemas. Distintas comunidades diferem em suas relações e prioridades ambientais. Em algumas, a relação mais evidente deve ser com respeito à escassez de água, em outras deve ser no que refere a riscos de tormentas e inundações.
São poucos os estudos que exploram as relações P&M. Por um lado, observam-se limitações com respeito aos critérios de avaliação da pobreza, tradicionalmente associados a aspectos monetários, o qual impõe restrições ao se pensar em sua relação com o meio ambiente. Por outro lado, há ausência de análises que mostrem o processo pelo qual se configura a relação P&M. Uma análises estatística pode apontar a direção de algumas relações, mas não dizem muito da historia ou do processo que existe por trás delas, de como os diferentes funcionamentos de realizações e ações que são valoradas pelas pessoas, como a saúde, a segurança, a educação e os meios de subsistência podem estar sendo privadas pela fragilidade dos recursos naturais e os serviços dos ecossistemas. Portanto, é necessário que se realize uma análise normativa e multidimensional, que considere aspectos de pobreza que vaiam além de julgamentos relacionados à renda ou commodities disponíveis pelos indivíduos, pois estes aspectos não são suficientes para explicar a pobreza humana quando, por exemplo, a qualidade do ar é reduzida ou quando as pessoas se deparam com eventos extremos do clima. A avaliação do bem-estar deve considerar múltiplas dimensões, entre as quais estão suas relações com as condições do meio ambiente. Desta forma, o presente artigo vem contribuir desde um sentido teórico e prático ao identificar e caracterizar os nexos da pobreza e o meio ambiente, reconhecendo o processo pelo qual essas relações se manifestam a partir de aspectos de vulnerabilidade como sensibilidade, exposição e interações deficientes entre aspectos sociais, políticos e econômicos. De igual forma, parte da originalidade deste artigo é contribuir empiricamente ao entendimento das relações P&M através de um modelo econométrico com dados em painel, relacionando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com variáveis proxy da dimensão ambiental.
O artigo está estruturado em cinco seções incluindo esta introdução. A segunda seção examina a visão de pobreza fundamentada por Amartya Sen na Abordagem das Capacitações. A terceira seção apresenta as evidências com respeito às relações entre pobreza e meio ambiente. Nesta mesma seção define-se a estrutura analítica seguida neste estudo e que contempla aspectos de vulnerabilidade como parte do processo que configura os nexos P&M. Na quarta seção apresenta-se a análise empírica, com a respectiva metodologia de dados em painel e resultados da estimação do modelo. Por último são apresentadas as considerações finais.
- Pobreza desde uma perspectiva multidimensional
Tradicionalmente a pobreza é associada a fatores monetários, considerando-se pobres todos aqueles cuja renda é igual ou inferior a uma referência chamada linha da pobreza, a qual é estabelecida conforme padrões mínimos de vida pré-estabelecido em cada sociedade.
As medidas mais usuais da pobreza monetária são as que caracterizam a incidência e a intensidade da pobreza. A primeira refere-se à proporção de pobres, que mede a extensão da pobreza como a razão entre as pessoas que vivem a abaixo da linha da pobreza e o total da população. A segunda corresponde à razão de insuficiência de renda, que indica o nível no qual a pessoa pobre está situada abaixo da linha da pobreza, ou seja, mede a distância em que estão as pessoas pobres em relação à linha de pobreza (DEATON, 1997).
Estas medidas, apesar de serem muito utilizadas, são limitadas ao considerar a insuficiência de renda como única demissão na caracterização da pobreza. O problema é que estas medidas não revelam muito sobre o tipo de vida que levam as pessoas, de quais são suas reais privações, ou quais são os aspectos que valorizam como parte de seu bem-estar e que são constrangidos por diversas deficiências, tanto sociais, políticas, econômicas como de caráter pessoal ou ambiental, que não se referem exclusivamente a restrições de renda. Esta visão limitada da pobreza tem levado a acreditar que o aumento da renda é suficiente para atingir o melhoramento da qualidade de vida das pessoas. Porém, maiores níveis de renda nem sempre garantem a ampliação das liberdades das pessoas para alcançar o estilo de vida que desejam. As vezes, só a possibilidade de contar com integridade do meio ambiente para respirar ar limpo pode evitar doenças respiratórias e expandir a liberdade de contar com boa saúde.
Uma visão mais ampla apresentada por Amartya Sen (2000, p. 109), argumenta que “a pobreza deve ser vista como privação de capacitações básicas em vez de meramente como baixo nível de renda”. Desde esse ponto de vista, uma pessoa é considerada pobre quando é impossibilitada de desfrutar de um conjunto de vetores de funcionamentos (elementos constitutivos do ser da pessoa) que representam diferentes estados do ser e fazer (“beings e doings”), como desfrutar de uma boa saúde,
...