Verdade e mentira no sentido extra-moral
Por: SonSolimar • 18/5/2018 • 3.523 Palavras (15 Páginas) • 427 Visualizações
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munido apenas de mãos e pernas, utiliza da dissimulação não só para se sobressair aos outros animais na busca pela sobrevivência, mas também para criar toda uma nova concepção de existência, mergulhando na ilusão e nos sonhos, criados (concebidos) pelo intelecto.
“Mas o que sabe o homem, na verdade, de si mesmo? E ainda, seria ele sequer capaz de se perceber a si próprio, totalmente de boa-fé, como se estivesse exposto numa vitrine iluminada”? Tais indagações são feitas pelo autor, com base na profundidade quase que abissal em que se encontra a humanidade, a ponto de não se acreditar mais em um verdadeiro instinto, sem que o mesmo passasse por uma lapidação pelo intelecto e pelo conhecimento humano. O homem se prendeu à sua própria invenção, e assumiu para si como única realidade, pondo-se em um lugar de destaque que nunca lhe pertenceu.
As relações entre indivíduos são mediadas pela dissimulação. Para evitar o bellum omnium contra omnes, ou “A guerra de todos contra todos” citado por Thomas Hobbes, o homem sente a necessidade de dissimular a realidade existencial com fins de proteção do meio, para que a harmonia impere, e a paz em seus rebanhos permaneça de tal forma a evitar o estado de natureza, criando assim, contratos sociais entre si, abdicando de liberdades, preferências e opiniões unicamente em troca da convivência pacífica. E isso é o embrião do que podemos chamar de “verdade” do ser humano, que nada mais é senão uma designação aceita e entendida como tal por todos, a fim de que se possa garantir sua existência. Não tarda, pois, a aparecer a relação de oposição entre “verdade” e “mentira”.
O que se diz “mentiroso” nada mais é do que um “inversor da sua realidade”, logo se persistir em tais atos com intuito de tirar proveito da sociedade, a mesma agirá com repreensão, excluindo o mentiroso de seu nicho e passando a adotar uma imagem negativa para ele.
Podemos tomar como exemplo a atual política brasileira, onde os tidos como “mentirosos” são excluídos do cerne de parte sociedade que visa melhorias, a outra parte que segue os passos de tais políticos, compactuam com um aspecto que o próprio Nietzsche expõe em seu texto, quando diz que “o homem foge menos da mentira do que do prejuízo provocado por uma mentira”. Ora, se as mentiras vêm a ser benéficas ou vêm a calhar, tudo bem, mas seus efeitos negativos estão como sombra para aqueles que as proferem. Por sua vez, o homem não busca a verdade senão por interesse em seus efeitos. Uma “verdade” mal dita, que venha a colocar em colapso todo um esquema de paz em seu rebanho, é tida como desnecessária e portanto descartada, sendo assim, interessante apenas os efeitos positivos das verdades. De fato, o homem busca os efeitos positivos em ambas, na verdade e na mentira, uma vez que seus interesses devem prevalecer, não importando assim, de que modo será introduzida uma idéia para fins de pacificação perante a sociedade e protelação de sua existência.
Adiante, o autor mostra um aspecto bastante interessante para o enraizamento do que se é “verdade”: o esquecimento do homem. Nós tomamos, para Nietzsche, ilusões na forma de verdades. Como tomar algo por verdade se não sabemos o real sentido do que estamos apenas subjetivamente tratando, ou rotulando? Temos uma ilusão. Veja, se eu chamo algo de “duro”, como no exemplo citado no texto, isso parte do princípio que eu já, de fato, sei o real significado de duro, mas tal significado é meramente uma excitação subjetiva, portanto, uma ilusão perpetuada no tempo e tida como verdade através do esquecimento humano. “A que ponto estamos afastados do cânone da certeza! ”, afirma o autor.
Para exemplificar que a verdade não está nem perto de ser alcançada, são postas em questão as diversas línguas existentes no mundo, onde cada uma, de acordo com sua particularidade, define (designa) diferentes significados para propriedades de uma coisa, que seja. Tomamos por verdades, designações convencionadas ao nosso deleite e ao nosso bom grado. Nós não assumimos o real sentido, a “coisa em si”, mas tão somente suas relações. E aí vem a questão das metáforas, abordadas por Nietzsche. Quando se fala em formação de “palavras”, ocorrem dois passos (e duas metáforas) para o autor, a primeira quando se trata da transformação de uma excitação nervosa em uma imagem, e em sequência a transformação dessa imagem em um som. Puramente metáforas. Nós, através do nosso intelecto, acreditamos que as designações que fazemos para as coisas do mundo são absolutas, portanto, verdades, mas, de fato não tomamos o verdadeiro sentido de tais coisas como verdadeiros visto que nossas designações em nada têm a ver com às origens reais das coisas. A criação das palavras, e por consequência, da linguagem, não obedece o trâmite normal a que deveria seguir, de acordo com Nietzsche. Para ele, se aquilo que homem conhece por “verdade” não provém de uma entidade maior, como Sírius (que nos tempos antigos e em várias civilizações foi tida como fonte de sabedoria misteriosa), não pode de forma alguma vir da essência das “coisas em si”.
Posteriormente, o autor nos dá a idéia de “conceito”, como uma palavra que designa um vasto número de casos, ao mesmo tempo, que possuem certa semelhança. Veja, não são “idênticos”, e sim com uma certa semelhança, que os torna diferentes. O conceito nos traz uma idéia de generalização subjetiva de uma coisa, apenas por aspectos que se configuram semelhantes a uma ideia de existência una e original de tal coisa.
A “verdade” é tratada como um processo de relações humanas, amadurecido na ilusão pela poesia e pela retórica, e que com o passar dos tempos foi se afirmando como estável pela sociedade. Tais ilusões, metáforas, metonímias e antropomorfismos foram mantidos como tais, devido à nossa capacidade de esquecimento, e com isso, postos como quase que imutáveis para fins de pacificação do nosso rebanho. O que chamamos de “verdade” (mesmo que inconscientemente) só existe com apenas um propósito: manter o nosso contrato social.
O homem é, como afirma Nietzsche, um “gênio da arquitetura” porque conseguiu, sobre fundações frágeis e movediças, erguer seu castelo de conceitos baseado apenas no seu intelecto, ou seja, na vivência enquanto homem, de que os seus conceitos (sejam verdadeiros, sejam mentirosos) serviriam para adequar pacífica e ordeiramente a convivência dentro do rebanho. As definições de ”verdades” são subjetivas, e não “verdades sem si”, que se desprendem da existência do homem para existir. Uma pessoa que venha a buscar pelo sentido da verdade, irá meramente pesquisar tomando o homem como centro do universo e cairá em
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