TRABALHO, CIDADANIA E DIREITO DO CONSUMIDOR
Por: Sara • 16/11/2018 • 6.435 Palavras (26 Páginas) • 409 Visualizações
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Para que isso seja viável, porém, é necessário o desenvolvimento de alguns esclarecimentos pertinentes a conteúdos basilares para nosso intento, notadamente pertinentes aos termos ‘trabalho’, ‘cidadania’ e ‘direito do consumidor’, que no conjunto demonstram, como veremos adiante, flagrante dependência de outro não menos importante, ‘educação’.
1 CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO TRABALHO
Aparentemente isolados entre si, o ‘trabalho’, a ‘cidadania’ e o ‘Direito do Consumidor’ apresentam-se como valores que são ou pelo menos deveriam ser indissociáveis, dada a dinâmica atual da vida humana em sociedade. Para melhor compreensão, é conveniente uma abordagem segmentada, específica de cada um deles, visando estabelecer também o ponto de interseção proveniente da educação.
Ao contrário do gênero animal, que instintivamente se adapta às condições naturais e evolui conforme o resultado dessa equação, o gênero humano adequa a natureza, alterando sua substância com fito de atender seus interesses, transformando-a para torná-la mais consentânea às suas peculiares condições de sobrevivência, procriação, conforto, lazer, etc. Essa é a descrição elementar do que seja trabalho, instrumento de que se utiliza o homem para criar uma verdadeira segunda natureza, premissa a partir da qual Saviani explica a importância da educação, considerando que o respectivo objeto
diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 1991).
A seu turno, Enguita (1989: 113) demonstra a profunda modificação constatada na escola como resultado da alteração dos próprios meios de produção, explicitando que na medida em que o trabalho já não mais se resume em atividades camponesas, os ensinamentos arcaicos, geralmente a cargo dos anciãos na estrutura familiar, apresentam-se insuficientes. Fez-se necessário, por isso, o implemento de conhecimentos que habilitassem o indivíduo às novas formas de trabalho, às novas tecnologias, ao mesmo tempo em que o condicionasse a se resignar em trabalhar para outro e fazê-lo nas condições que este outro lhe impusesse.
Aqui é notada a face perversa do novo papel da escola, que surge como verdadeira ferramenta de dominação, segundo as palavras de John Locke (1986: 225, apud ENGUITA, 1989: 111):
Ninguém está obrigado a saber tudo. O estudo das ciências em geral é assunto daqueles que vivem confortavelmente e dispõem de tempo livre. Os que têm empregos particulares devem entender as funções; e não é insensato exigir que pensem e raciocinem apenas sobre o que forma sua ocupação cotidiana.
Utilizando-se como preceito primário de orientação a obra A ideologia alemã, de Karl Marx (2000: 38), Saviani desenvolveu uma análise crítica do papel da educação para o capitalismo, elucidando
porque a escola primária pública, universal, gratuita, obrigatória e leiga, idealizada e realizada pela burguesia para converter os súditos em cidadãos, não tenha passado de um instrumento a serviço da emancipação política entendida como ‘a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral. (2005: 231-232).
Arrimado nessas balizas, o autor preconiza que quanto à atuação da escola em nível fundamental o desejável é que “supere a contradição entre o homem e a sociedade garantindo uma formação básica comum que possibilite a reconciliação entre o indivíduo e o cidadão” (2005: 234), ou seja, considerando-se o modo como está organizada a sociedade atual teremos os elementos necessários para a organização do ensino fundamental de sorte a identificar o acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos sem o que não terá o agente condições efetivas de exercer a cidadania.
Para o nível médio, Saviani propõe uma educação que, “centrada na ideia de politecnia, permita a superação da contradição entre o homem e o trabalho pela tomada de consciência teórica e prática do trabalho como constituinte da essência humana para todos e cada um dos homens” (2005: 234). Assim fazendo, por meio da educação o indivíduo não apenas poderá dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que derivam e ao mesmo tempo colaboram para o processo de trabalho na sociedade, como também terá condições de alcançar o saber prático, ou seja, o modo como aqueles elementos do conhecimento se convertem em potência material no processo de produção.
Por derradeiro, visando superar a contradição entre o homem e a cultura, à educação superior seria atribuída a tarefa de “organizar a cultura superior como forma de possibilitar que participem plenamente da vida cultural, em sua manifestação mais elaborada, todos os membros da sociedade” (2005: 236), isso sem distinção quanto ao respectivo tipo de atividade profissional.
À vista desses argumentos, torna-se perceptível que ao mesmo tempo em que se fala do “papel perverso da escola como instrumento de dominação a cargo do capitalismo”, denota-se sua importância na organização da vida em sociedade e, quando bem empregada, na disseminação de valores humanos, sociais, éticos, enfim, na condução a um nível de consciência que permita ao discente alcançar, ao final do processo educacional, verdadeira evolução, não apenas no campo laboral, mas também pessoal, familiar, comunitário, humano.
Aparentemente simples, esse conteúdo demanda argumentação consistente, dada a seriedade da matéria. A respeito, pertinente a lição de Triviños, segundo o qual
...existem realidades simples que não precisam de nenhuma teoria para serem compreendidas em toda sua extensão e significado. Mas os fatos sociais e educacionais, geralmente complexos, não só precisam como exigem um suporte de princípios que permitam atingir os níveis de verdadeira importância do que se estuda. (2009: 99).
Esse é o caso de nosso trabalho, cujo tema abrange tanto fatos sociais como educacionais e, por isso, demanda acentuada atenção a princípios cuja constatação preliminar resultou na identificação de três contextos que se ostentam a nós como de primeira grandeza: a história, o trabalho, a educação, a legislação e as relações de consumo.
Quanto à definição do que podemos compreender como história, Marilena Chauí ensina que
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