FACULDADE DE DIREITO DAS PROVAS
Por: Juliana2017 • 19/9/2018 • 4.707 Palavras (19 Páginas) • 291 Visualizações
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Apesar de todas essas considerações, para que cheguemos a um resultado probatório condizente com o sistema jurídico processual penal brasileiro, será necessário que todos esses quatro momentos da prova sejam lícitos.
1.1.1. A Busca da Verdade Real no Processo Penal
A busca da verdade, em todos os campos de conhecimento, instiga o homem. É esse angustiante objetivo o motor das pesquisas e dos avanços científicos. Assim, caminhamos de Lamarck a Darwin, de Copérnico a Galileu, da tese provável para a mais provável.
Contudo, aos poucos, percebeu-se que a verdade era um mito, um objetivo inalcançável, ao menos de forma permanente. Isso porque, a constatação de que descobertas no campo das ciências naturais - nas quais a racionalidade sempre pareceu adquirir sua forma absoluta - refutaram, muitas vezes até integralmente, conclusões alcançadas por teses anteriores, colocou em embate verdades até então inquestionáveis.
Para tal entendimento contribui G. Thums: “atualmente, considera-se que uma verdade científica somente existe até que outra venha ser descoberta para destruí-la”.[10] Também, Ferrajoli: “toda teoria científica está destinada a ser superada antes ou depois por outra teoria em contradição com alguma de suas teses, que por isso serão abandonadas um dia como falsas”.[11]
Aos poucos, começou-se a perceber, já no campo das ciências humanas - ainda menos próxima da precisão demonstrável por cálculos e leis da natureza[12] - que a verdade era utopia, sujeita ao transcurso do tempo, à influência do espaço, à subjetividade do próprio agente que reputa a algo o status de verdadeiro. Com efeito, a verdade está condicionada à ideologia de um dado momento e ao padrão moral prevalente em determinada sociedade.[13]
Assim, frisa-se que devem os operadores do Direito assumir suas incapacidades de obter o inalcançável, desvinculando-se da idéia da verdade como algo pleno e tangível. Merece ênfase a seguinte passagem de Cappi:
“Nós não conhecemos nenhuma realidade, a não ser a que os nossos sentidos percebem, da maneira como a percebem e dentro dá ótica de nossa visão de universo, do nosso mundo antropocultural. Não negamos a existência da natureza. Negamos nossa capacidade de compreendê-la adequadamente, como ela é em, si, por meio de verdades absolutas, necessárias e eternas. O homem só formula conhecimentos transitórios e relativos, consistentes dentro de um determinado sistema lógico e não consistentes em outros. Trata-se de representações mentais limitadas, relativas, historicamente situadas no tempo e no espaço, que nunca terão a pretensão de esgotar a realidade, de que são simplesmente aproximações. Somos seres contingentes, imperei tos, filhos do nosso tempo, incapazes de formular verdades eternas, imutáveis, necessárias e absolutas. Não somos Deus para saber o que é a realidade em si mesma. Somos homens, seres inteligentes, capazes de compreender e determinar o que a realidade significa para nós, doando-lhe uma intencionalidade, um valor, um sentido, uma destinação dento do nosso universo cultural”. [14]
Tudo isso já aponta para a dificuldade lógica de se chegar à verdade real. A versão dos fatos sempre vai esta incompleta[15], depois, a interpretação tanto dos eventos [16] quanto da lei está sujeita a valorações. “Em segundo lugar, a imprecisão dos próprios termos jurídicos torna difícil à tarefa judicial de acertar a verdade (...) consideraremos um fator muito importante para a relatividade da idéia de verdade processual o subjetivismo judicial”. [17]
O princípio da verdade real, que também se denomina verdade material, como originariamente concebido, diz respeito ao poder-dever inquisitivo do juiz penal, tendo por objeto a demonstração da existência do crime e da autoria. A prova penal, assim, é uma reconstrução histórica, devendo o juiz pesquisar além da convergência das partes sobre os fatos, a fim de reconhecer a realidade e a verdade dos fatos.
Bettiol, por exemplo, preconizava que “um princípio fundamental do processo penal é o da investigação da verdade material ou substancial dos fatos em discussão, para que sejam provados em sua subsistência histórica, sem distorções, obstáculos e deformações. Isso compreende que o legislador tenha de eliminar do código toda limitação à prova, e que o juiz tenha que ser deixado livre na formação do próprio convencimento.”[18]
Costuma-se, destarte, associar o conceito de verdade real ao processo penal, onde é mínimo o poder dispositivo das partes em relação às provas. E, em contraposição a este, moldou-se um conceito de verdade formal, ligado ao processo civil, onde seria absoluta a disponibilidade do objeto do processo e dos meios de prova.
Criou-se, assim, a antítese “material-formal”, que é criticável, quer do ponto de vista terminológico, quer do ponto de vista substancial. Sob este último aspecto, a crítica mais evidente seria sobre a absoluta disponibilidade do processo civil. Além das ações de Estado, onde os direitos substanciais em jogo são de caráter indisponível, o processo civil abrange uma gama crescente de outros direitos e interesses indisponíveis, tais os do Estado, do consumidor, do meio ambiente etc.
Também sob o aspecto terminológico, sustenta a doutrina tradicional uma distinção calcada na adequação da verdade à realidade dos fatos, que no processo penal corresponderia à verdade pura e simples, enquanto no processo civil se chegaria a reputar provados fatos incertos, simplesmente porque ambas as partes assim o admitiram.
Como acertadamente colocou Cândido Rangel Dinamarco, “a verdade e a certeza são dois conceitos absolutos, e, por isto. Jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz proferiria seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção desses nas categorias adequadas.”[19]
Assimilar-se, pois, a verdade real à certeza absoluta e a verdade formal à certeza relativa seria também um erro sob o ponto de vista da gnosiologia judicial, da técnica da pesquisa da verdade, que é extremamente influenciada por regras éticas.
Essa imprópria e artificiosa distinção conceitual, levada a extremos por uma facção da doutrina, culminou na imagem de um processo penal voltado exclusivamente para a pretensão de punir,
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