Biografias não autorizadas e os crimes contra a honra: pode haver responsabilidade penal?
Por: YdecRupolo • 23/5/2018 • 2.961 Palavras (12 Páginas) • 472 Visualizações
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Para compreender melhor o entendimento de cada crime e também para tipifica-lo, a doutrina costuma dividir o bem jurídico entre honra objetiva e subjetiva. O primeiro conceito “seria a reputação que o indivíduo desfruta em determinado meio social, a estima que lhe é conferida”[13]. O segundo refere-se à “estima que cada qual tem por si próprio, sentimento pessoal da própria dignidade”[14].
Essa diferença é importante para a própria definição dos crimes estudados. A calúnia e a difamação, por exemplo, atingem a honra objetiva do ofendido; já a injúria, à honra subjetiva.
Por fim, é importante citar que as três modalidades foram classificadas como crimes contra a honra por respeitarem, de acordo com o professor Victor Eduardo Gonçalves, dois pontos em comum. A seguir, partimos à discussão de cada crime em sua peculiaridade.
1.A possibilidade de pedido de explicações, sendo que este pedido poderá ser feito através de requerimento ao juiz, que mandará notificar o autor da imputação a ser esclarecida. Posteriormente, a vítima poderá ingressar com a queixa, que será analisada pelo juiz.
2. O fato de que, geralmente, a ação penal tem caráter privado, salvo no caso de ofensa a ser feita contra a honra do Presidente da República ou de qualquer chefe de governo estrangeiro, no tocante ao exercício de suas funções, quando esta possui caráter público[15].
- Calúnia
O delito tipifica-se imputando a alguém falsamente fato definido como crime pela lei. O bem jurídico protegido é a honra objetiva. Assim, o que se busca lesionar pelo sujeito ativo é a visão que a sociedade tem do sujeito passivo. O sujeito ativo e o passivo podem ser quaisquer pessoas físicas. E “a falsidade pode recair, alternativamente, sobre o próprio fato ou sobre sua autoria”[16].
O elemento subjetivo da calúnia é o dolo genérico, incluindo o dolo eventual. O crime consuma-se quando uma terceira pessoa toma conhecimento do fato imputado à vítima, uma vez que, como já visto, deve-se atingir a honra objetiva.
É importante destacar que, como explica o penalista Nelson Hungria, não há a necessidade de a informação falsa atribuída ao sujeito passivo descrever todos os fatos supostamente ocorridos – basta ser algo determinado.
Para determinar um fato, não é preciso narrá-lo com todas as suas circunstâncias: basta que se dê a impressão de certo acontecimento concreto ou específico. Se digo de alguém que é amigo do alheio, certamente não individualizo fato algum e, portanto, ao invés de calúnia, o que se apresenta é uma injúria (genérica atribuição de qualidades deprimentes); mas, se afirmo, por exemplo, que essa pessoa já se apropriou indebitamente de valores que lhe foram confiados por um amigo, ter-se-á, iniludivelmente, o material da calúnia, embora omitidos detalhes quanto ao tempo, lugar, modo e sujeito passivo.[17]
- Difamação.
Na difamação, também se lesa a honra objetiva do sujeito passivo, mas não há a necessidade de atribuir-se-lhe crime falso. O tipo penal “consiste na imputação de fato que, embora sem revestir caráter criminoso, incide na reprovação ético-social e é, portanto, ofensivo à reputação da pessoa a quem se atribui”[18].
Outra diferença para a calúnia é que, no caso da difamação, o fato citado não precisa ser necessariamente falso, pois o tipo penal não exige a prova da veracidade. Nesse caso, cabe ainda a penalização por imputação de um fato definido em lei como contravenção penal – para a calúnia, a tipicidade exigia que o fato atribuído fosse definido em lei exatamente como crime.
A consumação do crime novamente ocorre quando uma terceira pessoa toma conhecimento do assunto. Os sujeitos ativo e passivo podem ser quaisquer uns e o sujeito ativo deve agir com dolo (direto e eventual), tendo o fim de difamar a reputação alheia.
A observação sobre a não necessidade de descrição detalhada do fato imputado, feita quanto à calúnia, continua válida para a difamação.
Destaca-se que a separação entre difamação e injúria causa debates doutrinários. De acordo com Nelson Hungria, em caso de dúvida deve-se aplicar o princípio penal segundo o qual deve-se tipificar a injúria, um tipo penal mais favorável ao réu.
Se afirmo de um indivíduo que já foi expulso de um sodalício de homens de bem, pouco importa que eu deixe de citar o nome do grêmio, a época ou os motivos da expulsão: incido nas penas de difamação, pois estou a mencionar um fato específico, um episódio que teria ocorrido realmente. É certo que, algumas vezes, na prática, apresenta-se difícil a distinção entre a difamação e a injúria, que é a simples atribuição genérica de vícios, defeitos ou más qualidades. Nos casos duvidosos, a solução deve ser no sentido de reconhecimento da injúria, que é menos severamente punida que a difamação (in dubio pro reo)[19].
- Injúria.
A primeira diferença da injúria para os tipos penais citados anteriormente é que a dignidade e o decoro do sujeito passivo não são ofendidos por meio de fatos precisos imputados a ele. Basta somente “atribuição genérica de qualidades negativas ou de fatos vagos e indeterminados”[20].
A segunda diferença reside no bem jurídico tutelado, a honra subjetiva, e não a objetiva, isto é, o sentimento que a pessoa conserva em relação a si mesma. Novamente, não há restrições quanto à identidade dos sujeitos ativo e passivo, sendo que no tipo subjetivo ocorre o dolo.
A consumação do delito acontece quando a própria vítima toma conhecimento do fato, que pode ser veiculado em diversos meios (na forma de texto, imagem, oral, sinais, etc.).
Nesse tipo penal, há duas causas de extinção de punibilidade, quais sejam: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Nesses casos, previstos no parágrafo 1º do artigo 140 do Código Penal, o Juiz profere o decreto condenatório, mas deixa de aplicar a pena.
Passaremos agora à discussão da possibilidade de retratação, que interessa diretamente ao debate sobre as biografias não autorizadas. Essa possibilidade não existe no caso da injúria – somente para a calúnia e a difamação.
- O debate sobre a retratação
Para ser efetiva e isentar o querelado da pena, a retratação é cabível somente nos casos
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