A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UM NOVO MODELO DE JUSTIÇA PENAL E A SUA POSSÍVEL APLICABILIDADE NO BRASIL
Por: Lidieisa • 6/12/2018 • 14.976 Palavras (60 Páginas) • 356 Visualizações
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O trabalho monográfico ora apresentado terá o objetivo de analisar a Justiça Restaurativa em todas as suas peculiaridades e, diante delas, verificar a possibilidade de sê-la aplicada em um país como o Brasil, também com características próprias no tratamento com o crime.
Dessa forma, será feito o exame do crime e outros distintivos que compreendem o atual sistema punitivo do ordenamento, a identificação das raízes históricas e primeiras experiências da Justiça Restaurativa, uma análise dinâmica da finalidade, valores, princípios e outros aspectos que norteiam tal justiça penal, para que ao final seja possível a comparação entre os dois sistemas e a conclusão pela probabilidade ou não de aplicação do modelo de justiça alternativo no Brasil.
Assim sendo, a apreciação do assunto ora em estudo se revela de grande importância por ser considerada uma inovação em termos de modelo alternativo de Justiça Criminal, haja vista que possui uma filosofia promissora quanto à redução de infrações penais. Além disso, o processo desse sistema possuiu peculiaridades que ainda não são conhecidas, justificando, portanto, sua análise de forma minuciosa.
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CAPÍTULO 1 - O SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Inicialmente, pode-se depreender do sistema penal vigente no país que uma de suas principais características é a de se retirar das partes o conflito que elas mesmas criaram, considerando que é o Estado quem detém o monopólio punitivo. Assim, tem-se que a atual justiça punitiva impede que as partes se envolvam na resolução de seus próprios conflitos. A esse respeito, discorre Christie (CHRISTIE, 1998, p. 14):
O conflito propriamente dito é que representa o bem subtraído mais importante. Os conflitos são elementos importantes da vida social. As vítimas de crimes, no entanto, perdem o direito de participar na solução deles. Conflitos ferem as pessoas diretamente envolvidas, ferem o sistema social, mas podem ser bem usados, podemos aprender com eles. Desde que não sejam subtraídos pelo sistema legal, pelos advogados, podem constituir uma experiência importante. Muitos de nós, como leigos, experimentamos tristes momentos quando nossos advogados nos dizem que nossos melhores argumentos sobre aquela briga com um vizinho não valeriam nada em juízo e que, pelo amor de Deus, não devemos sequer mencioná-los ao juiz. Depois, usam no tribunal argumentos que nós acharíamos irrelevantes ou indevidos. Assim, os conflitos vão se tornando propriedade dos operadores do direito.
A mesma autora (CHRISTIE, 1998, p. 14) ainda complementa que nesse sistema há todo um aparato de terceiros investidos nas funções de acusar, defender e julgar, o que se pode levar a afirmar que os envolvidos diretos não são considerados a participarem do caso sub judice, sob a pretensão de se evitar a vingança do crime pelo particular. No mesmo sentindo, Karina Silva (SILVA, 2007, p. 13) se manifesta:
De acordo com o modelo penal tradicional, o Estado, através dos personagens que fazem parte das agências formais de controle social (Juízes, promotores, delegados, advogados, etc.), subtrai os conflitos das partes, transformam-nos em casos e as impede de participar diretamente da sua solução.
O que se observa diante dessas considerações é que a organização do sistema penal possui uma estrutura rígida e formal, tanto que a própria Constituição Federal estabelece em seu art. 5ª, XXXIX, “que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
A partir daí, então, existe um Código Penal Brasileiro que não permite escapar da tipificação qualquer ato considerado delituoso. Além disso, a visualização prática desse dispositivo se revela na criação de leis extravagantes que só se multiplicam, de modo que tudo esteja rigidamente tipificado.
Corroborando com o entendimento de Nils Christie, Karina Silva (SILVA, 2007, p. 15) expressa:
A intervenção penal das agências judiciais é pautada em uma construção dogmáticade um sistema de regras que se propõe a tornar previsível e racional o exercício dos juristas, afim de que as decisões exaradas pelas agências criminalizadoras não sejam contraditórias.
Sendo assim, todo indivíduo que pratica conduta prevista na legislação penal, insurge em crime e por isso é “merecedor” de penalidade. O devido processo legal também é princípio constitucional explícito, que enseja a participação do infrator em um processo penal, para que, ao final se decida pela sua culpabilidade ou não e o quantum de sua pena.
Ocorre que, os procedimentos que se seguem após o cometimento do crime não incluem a participação de ofensor e ofendido, à vitima não é dada a oportunidade de se restaurar do que sofreu com o ato, ela participa do processo apenas como testemunha para auxiliar os interpretadores e aplicadores das normas a encaixar o fato praticado dentre as hipóteses pré-existentes, ao ofensor, por sua vez, não é dado a oportunidade de se restabelecer como pessoa e em relação à sociedade.
Nesta ceara, Karina Silva (SILVA, 2007, p. 17) sugere:
Apenas um sistema de resolução de conflitos flexível, que prime pela liberdade dos envolvidos, ou seja, que permita que os personagens não sejam tolhidos por regras pré-determinadas e que lhes dê oportunidade de participar de todo o processo de forma ativa e emancipatória será capaz de fazer com que elas dêem um significado comum à situação e aprendam com ela.
A vítima aqui, não é vista como um ser humano que foi lesionado, que necessita de amparo pelo que sofreu, segundo as palavras de Zaffaroni (ZAFFARONI, 2001, p. 384), “mas sim um signo da possibilidade de intervenção do poder das agências do sistema penal (que intervém quando quer, assim como atua sem levar em conta a vontade do lesionado ou vítima)”.
Diante da atuação do sistema punitivo e da forma como coloca a vítima na ação, acaba por tê-la como um objeto utilizado no processo decisório e não como parte dele e nem mesmo como parte do próprio conflito que ensejou a atuação estatal.Aplica-se a pena que está descrita no tipo penal, o infrator continua com os seus motivos ensejadores da conduta delituosa e o ofendido continua com as dores que o delito lhe causou.
Sob essa ótica, verifica-se o quanto pode estar equivocada a estrutura de tratamento do crime atualmente, haja vista que as estatísticas apontam o quanto crescem o número de crimes,
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