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PAJELANÇA E CURA: UMA ANÁLISE PANORÂMICA NO CONTEXTO INDÍGENA BRASILEIRO

Por:   •  15/8/2018  •  5.939 Palavras (24 Páginas)  •  372 Visualizações

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Nesse contexto de diversidade, delineado por aspectos culturais, religiosos, sociais e, inclusive, geográficos, pode-se situar a pajelança enquanto objeto de análise importante para o entendimento da dinâmica social brasileira, em especial em regiões em que tais práticas (relacionadas, principalmente, ao xamanismo) acabaram se inserindo em aspectos culturais de tal forma que, a exemplo de cidades no norte e nordeste, ocorreu sincretismo entre religiões europeias, africanas e a base indígena do xamanismo.

De acordo com Albuquerque e Faro (2012), a cultura brasileira reúne, em sua estrutura, uma diversidade de culturas e povos, o que por sua vez, desde o início do processo de colonização tem levado a relações étnicas que proporcionaram a formação de um corpo cultural intensamente diversificado. Essa intensa diversificação, da mesma forma, resultou em múltiplas facetas da interação entre os aspectos religiosos indígenas, africanos e europeus.

Ainda de acordo com as autoras, a pajelança tem como característica básica um conjunto de práticas e crenças de base xamanística que tem suas expressões culturais a partir da mesclagem de elementos da religiosidade indígena, africana e católica, com graus variados de interação e expressão. O xamanismo, por sua vez, de acordo com Montal (1986), é delineado a partir da sua própria origem etimológica – xamã, de saman que tem seu significado relacionado à ideia de inspiração (ao homem) por espíritos. Ainda o autor explica que o fenômeno do xamanismo é encontrado entre esquimós, índios da América do Norte, tribos da Oceania e sudeste asiático, bem como na Índia e na China. Esse aspecto da crença, por sua vez, é carrega de simbolismos e, principalmente, de mesclagem de aspectos religiosos de outras culturas, que se incorporam ao tronco religioso local.

Cabe destacar que, conforme Tedlock (2008), o xamanismo é uma prática que raramente se constitui em uma instituição social formal. O que se observa, quase que na totalidade dos estudos, é que o xamanismo representa mais um conjunto de atividades locais do que uma instituição étnica definida. Cabe salientar, ainda sobre o tema, que de acordo com Maués (2012), no Brasil, pode-se fazer uma diferenciação entre tipos de pajelança com base na natureza xamânica das práticas religiosas dos grupos. O autor descreve, por exemplo, que a prática de grupos tribais amazônicos não se confundem com a pajelança em grupos caboclos de outras regiões do país. Enquanto a primeira é prática de grupos de origem indígena, que preservam fortes raízes de suas religiões, o segundo é uma prática que se disseminou principalmente em regiões interioranas e áreas rurais, não se percebendo como religião.

De acordo com Cristina e Borges (2007), a pajelança, além de poder ser entendida como sistema de crenças que mescla elementos indígenas, africanos e católicos, ainda possui estreita relação com o meio ambiente e recursos fitoterápicos. Os autores explicam que tais recursos são necessários para banhos, chás e outros processos relacionados a sessões de cura de doenças. Decorre, por sua vez, que tal prática – a pajelança – pode ser visualizada, também, a partir de um prisma relacionado ao meio ambiente.

De acordo com Arentz (2003), estudar a pajelança é estudar sua tese principal, que se trata da cura de doenças através de rituais típicos do movimento xamânico. Essa perspectiva, por sua vez, se baseia em contrastes de identidade, pois no Brasil há uma tendência dos participantes do movimento em se intitularem pertencentes a religiões cristãs, como a católica ou mesmo o movimento pentecostal. Apesar disso, os mesmos participantes fazem uso de ritos xamãs, participam de sessões de cura e, por vezes, realizam rituais inerentes à cultura xamânica e manifestações das expressões culturais típicas da pajelança.

Ainda Arentz (2003), salienta uma série de agentes e papéis que delimitam o escopo cultural da pajelança, entre eles: o papel do curador, a função social do curador, o movimento do uso de rituais e elementos naturais na cura, as entidades espirituais enquanto instrumentos curadores, os ritos de iniciação e a manifestação da cura nos participantes das sessões. De forma complementar, segundo Albuquerque (2008) é possível visualizar a pajelança, de forma geral, por meio de elementos que se fazem presentes em religiões como a católica, elementos de umbanda e correntes teóricas do kardecismo.

É importante salientar, quando se analisa a pajelança, que existem diferenças entre os agentes centrais do referido fenômeno. Cabe diferenciar, inclusive, o papel do curandeiro e do pajé, que em muitos momentos pode parecer semelhante em conceito, mas são diferentes na prática da cura. Primeiro, o curandeiro não incorpora espíritos ou não possuído por forças mágicas para curar, apenas faz o receitamento de determinados banhos, chás, garrafadas etc. Sua função maior, inclusive o situando no contexto sociocultural local, é geralmente fazer orações e rezas. O pajé, em contrapartida, é atuante direto junto a espíritos, servindo de instrumento para que espíritos realizem a cura sobre os enfermos. Esse último, inclusive, tem um papel mais religioso e sobrenatural no fenômeno da pajelança, detendo suposto maior poder de cura de enfermidades naturais e não naturais (SILVA, 2006).

1.1 Justificativa

Os diversos aspectos culturais e sociais, formatados em razão de uma rica diversidade étnica no Brasil, levaram, na mesma proporção, a uma variedade de aspectos religiosos, muitas vezes presentes em grupos e populações que desconhecem o processo de sincretismo que ajudou a formar uma concepção religiosa que se enraizou na cultura local. Dito isso, há de se destacar que dentre as diversas religiões que fazem parte da história (e do cotidiano) brasileiro, pode-se destacar o papel vital que a cultura indígena teve na construção da identidade cultural brasileira. Não por menos, a quantidade de culturas indígenas, suas histórias e religiões se inseriram em aspectos religiosos de outros grupos étnicos.

Nesse contexto indígena, e sobretudo, religioso, pode-se situar a pajelança enquanto um importante aspecto (até mesmo marcante) das culturas indígenas como um todo. Esse aspecto, por outro lado, não fica em situação de exclusividade no meio indígena, pelo contrário: o entendimento da dinâmica social brasileira leva a crer que as religiões indígenas e aspectos marcantes delas se mantiveram como artefatos da cultura brasileira. Salienta-se que, embora em algumas regiões tais práticas – relacionadas, principalmente, ao xamanismo – acabaram se inserindo

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