Essays.club - TCC, Modelos de monografias, Trabalhos de universidades, Ensaios, Bibliografias
Pesquisar

O SURGIMENTO DO PURGATÓRIO

Por:   •  23/12/2017  •  1.645 Palavras (7 Páginas)  •  387 Visualizações

Página 1 de 7

...

O Purgatório seria descentrado e oscilaria entre um polo positivo, risonho, tributário de concepções do Além, e um polo negativo, sombrio, derivado da literatura apocalíptica judaico-cristã. Em Dante, é o polo risonho que triunfa — intermediário ativo, orientando para o Céu; cônscia da magnífica arma política que tinha nas mãos, a Igreja se empenharia na vitória do polo oposto, infernalizando o Purgatório através de uma "pastoral do medo". Mesmo assim, a esperança era possível: o Purgatório da Igreja se insere na reconsideração geral das estruturas temporais da época, combina tempo escatológico e tempo terrestre e relaciona tempo desiguais diferentes sob as feições de um inferno com duração determinada. E aqui, uma novidade: harmonizando tradições eruditas e populares, Purgatório triunfante realizará uma inversão no tocante ao tempo do Além tal como aparece no folclore, em geral o executor por excelência do ato de imaginar o mundo ao contrário.

No Purgatório infernalizado, o horror dos castigos fará com que os dias escoados pareçam anos intermináveis. Para refazer o longo percurso de constituição desse sistema, Le Goff se volta para as antigas concepções do Além, destacando a tendência infernalizadora do imaginário egípcio, a importância do Apocalipse de Paulo e dos escritos dos teólogos gregos de Alexandria, mostrando que Santo Agostinho (séculos IV-V) e Gregório Magno (século VII) correspondem a dois momentos decisivos neste processo. Entre os séculos VIII X, estende-se um período de estagnação no qual, apesar da liturgia criar, em Cluny, um dia para comemorar os mortos que necessitam dos sufrágios dos vivos, pouco progrediu o esboço do Purgatório como lugar. Integrando o grande movimento de organização da cristandade desencadeado a partir de fins do século XII, os intelectuais das universidades dos mosteiros procuraram sistematizar o saber: surgiram então contribuições decisivas para a noção de Purgatório, destacando-se as de Guilherme de Auvergne e Alberto Magno. Este último é notável pela sensibilidade especial que denota ante o empírico — característica que Le Goff considera de extrema importância e lamenta não estar presente em espíritos "altivos" como Santo Agostinho e São Tomás; sua grandeza — 189 — reside na capacidade de organizar em um sistema as crenças comuns, a exuberância do imaginário medieval, a teologia e a lógica . Nascida no meio monástico — Cluny — e nos meios universitários parisienses — especialmente, a Escola do Capítulo de Notre Dame — a noção acabada de Purgatório passará a • ser, no século XIII, uma exigência das massas: povoará as pastorais, os testamentos, a literatura em língua vulgar — como a Legenda Áurea, de Jacopo da Varazze — ganhará uma santa especializada na libertação das almas do Purgatório — Santa Lutgarda . Contemporâneo do desenvolvimento urbano, do aumento das superfícies cultivadas, do surgimento da escolástica, da expansão geográfica da cristandade ocidental, da transformação das relações sociais, da eclosão de novos esquemas descritivos e normativos da sociedade, voltados também para o aprisionamento do Além, o Purgatório permitiu que os mortos participassem do enquadramento geral da sociedade, conferindo à fase final da existência terrestre um misto de temor e de esperança. Pensando nele, diria Santa Catarina de Gênova: "Que grande coisa, o Purgatório!"

...

Baixar como  txt (10.6 Kb)   pdf (52.9 Kb)   docx (14.7 Kb)  
Continuar por mais 6 páginas »
Disponível apenas no Essays.club