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O Feminino na Odisseia - Circe e Calipso: duas facetas do Eros

Por:   •  4/5/2018  •  3.158 Palavras (13 Páginas)  •  387 Visualizações

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O episódio de Ulisses com Circe é narrado pelo próprio (narrador autodiegético), nos cantos X e XII, quando este se encontra na ilha dos Feaces (descrita como o “lugar ameno” clássico), constituindo uma das onze aventuras que compõem os Apologoi (narrações das aventuras do nobre Ulisses). Circe, a deusa “de belas tranças”, é a única experiência a que Ulisses se refere duas vezes (canto X 135-574 e canto XII 143), antes e depois da sua catábase/descida ao mundo dos mortos. Aliás, fora Circe que o aconselhara a ir ao Hades procurar a alma do adivinho Tirésias, para que este lhe revelasse a forma de regressar a Ítaca, para assim poder cumprir o seu destino.

É ela que apresenta Ulisses ao eros, representando o feminino como um perigo ameaçador, fantástico e sobrenatural, envolto em sexualidade, que detém a supremacia e tenta a libido masculina. Além disto, o episódio também aborda o tema da metamorfose e levanta questões acerca da visão homérica de Homem, ou seja, faz-nos questionar o que nos torna seres humanos e se se perdêssemos a nossa aparência e características físicas humanas se o continuaríamos a ser, na nossa mente.

Ulisses consegue evitar a sorte dos seus companheiros (que tinham sido transformados em porcos pela feiticeira), graças a uma erva que Hermes lhe dera e o tornou imune ao feitiço da maga. Contudo, não o conseguindo dominar através das suas artes mágicas, Circe utiliza a sua sensualidade, obrigando-o a subir à sua cama e deitar-se ao lado dela. Esta cena ilustra o domínio exercido pelo feminino sobre o masculino, inaceitável na sociedade patriarcal grega, todavia, admissível num mundo fictício como o da Odisseia. Porém, mesmo assim, o poder da mulher-feiticeira não é absoluto, pois Ulisses (que já tinha resistido ao seu feitiço), aceita, mas impondo-lhe uma condição antes de satisfazer a exigência: “Fica sabendo que não subirei para a tua cama,/a não ser que tu, ó deusa, ouses jurar um grande juramento:/que não prepararás para mim qualquer outro sofrimento” (Odisseia, X: 342-344).

O encontro de Ulisses com Circe não é, portanto, uma história de amor, mas um episódio sexual, motivado pelo poder da atração física e em que a iniciativa parte da mulher. Apesar disso, nada do ocorrido colocou em causa a dignidade do herói ou a fidelidade à sua mulher, pelo contrário, na ideologia masculina da época, funcionava até como um exemplo abonatório da sua virilidade, até porque a autocracia (domínio/ditadura) feminina era considerada subversiva e iminentemente destruidora.

Circe representa, então, as vicissitudes na vida masculina, a paixão, o eros sensual, encantador e fortuito, a que um homem não consegue resistir, mas que não ameaça a sua physis (natureza), pois é-lhe impossível vencê-lo.

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A Promessa de Amor Imortal da Ninfa Calipso

Segundo o dicionário de mitologia greco-romana, Calipso era uma ninfa, que vivia na ilha de Ogígia, na parte ocidental do Mediterrâneo, numa versão, filha de Atlas e Pleione/Pleiades, noutra versão, filha de Hélios e de Perseís e, portanto, irmã de Circe. Algumas lendas tardias mencionam um filho que nasceria da união entre Ulisses e Calipso, chamado Latino (também visto, em algumas versões, como filho de Circe e do herói), outros dois filhos, Nausítoo e Nausínoo, ou ainda um último, denominado Áuson. Também é, frequentemente, tida como filha de Tétis e do Oceano, uma das Oceânides ou uma das Nereidas.

Calipso, “ninfa divina entre as deusas” (Odisseia, I: 14), representa um eros diferente do da fria, cruel e caprichosa Circe, a possibilidade do amor perfeito e eterno, sendo ela carinhosa e capaz de sacrifício. A ilha Ogígia é representada como um Éden, um paraíso capaz de maravilhar até um deus, mas os motivos e a linguagem erótica do episódio de Circe mantêm-se. Ulisses permanecera apenas um ano com Circe, no entanto, vive ao lado de Calipso durante sete longos anos, após aportar na ilha da ninfa sem os seus companheiros (perdidos numa tempestade marítima como punição pela afronta que haviam feito ao deus Hélios). A sua situação solitária acabou por torna-lo vulnerável ao poder da deusa apaixonada.

Uma vez mais, a história é narrada de forma a que fique, no ouvinte/leitor, a sensação de que o herói seduz as deusas involuntariamente, e, no caso de Calipso, esta foi-o mais intensamente, pelo que apresenta um perigo maior, dado que o desejo dela não se esgota na sexualidade. Ela quer persuadi-lo a ficar consigo, esquecendo tudo o resto, pelo que até lhe oferece o dom da imortalidade (como é frequente, na tradição, as deusas fazerem, quando não resistem a amar um mortal). Calipso manteve-o assim, cativo, impedindo o seu desejado regresso.

Por fim, Zeus consentiu a libertação de Ulisses, para que este pudesse seguir o seu rumo, ao que, contrariada, a ninfa obedeceu, prestando-lhe toda a ajuda necessária à partida, com meios materiais e ensinamentos sobre a orientação através das estrelas. É-nos, então, revelado o grande pathos (sofrimento) do homem aprisionado nas teias do eros feminino dominador, que, com o passar do tempo, se torna fastidioso, pois, de tão perfeito acaba por inibir qualquer prazer, até mesmo o de viver. O herói chorava por aqueles que também certamente choravam por si, julgando-o morto, encontrando-se numa situação desesperada de impotência, incapaz de agir, apesar da sua grande astúcia. Conhecendo a sua vulnerabilidade, Ulisses expressa uma reação cautelosa, quando a ninfa lhe comunica que, finalmente, o deixará partir, ao que ela responde, declarando: “As minhas intenções são bondosas; no peito não tenho/um coração de ferro. Também sei sentir compaixão” (Odisseia, V: 190-191). Calipso tenta ainda dissuadi-lo, no momento da despedida, profetizando os perigos que ele terá que enfrentar antes de chegar a casa, propõe-lhe que fique com ela, pois como deusa imortal, certamente não seria inferior, em beleza ou estatura, à esposa que ele tanto desejava, além de que o poderia tornar imortal. Esta é a ultima provação a que Ulisses terá que resistir, antes de abandonar a ilha de Ogígia, recusando a dádiva da imortalidade e partindo.

No conto “A Perfeição” de Eça de Queirós, a ilha é descrita como detentora de uma “inefável paz e beleza imortal”, o que para Ulisses se afigura como um horrendo defeito que a torna “mole”, aborrecida, desinteressante e Calipso surge como “sublimemente serena”, de “olhos verdes”, “cabelos muito anelados e ardentemente louros”, “mocidade imortal” e “corpo (…) como

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