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A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO AUTORAL NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF: O ENSAIO COMO FORMA LITERÁRIA E ESTRATÉGIA DE EMPODERAMENTO DA AUTORIA FEMININA

Por:   •  10/1/2018  •  3.087 Palavras (13 Páginas)  •  446 Visualizações

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[...] É bastante evidente que, mesmo no século XIX, a mulher não era incentivada a ser artista. Pelo contrário, era tratada com arrogância, esbofeteada, submetida a sermões e admoestada. Sua mente deve ter sofrido tensões, e sua vitalidade foi reduzida pela necessidade de opor-se a isso, de desmentir aquilo. Pois aí, mais uma vez, entramos no âmbito daquele complexo masculino muito interessante e obscuro que teve tanta influência no movimento feminista, daquele desejo arraigado não tanto de que ela seja inferior, mas de que ele seja superior [...] (WOOLF,1990 p. 68).

Dessa forma, podemos observar que, para a mulher ser artista, mais especificamente escritora até o século XIX, seria necessário que as mesmas escapassem de tais representações, e superassem a ideia patriarcal sobre criação e superioridades masculinas, pois, como afirma Woolf,[...] “Mas é óbvio que os valores das mulheres diferem, com freqüência, dos que foram estabelecidos pelo outro sexo; isso decerto acontece. E, no entanto, são os valores masculinos que prevalecem. ” (1990 p. 91)

3 O Ensaio de Woolf e o feminino autoral

Como ensaísta, Virginia Woolf abordou insistentemente as questões femininas, não especificamente as feministas – se formos considerar o termo no sentido político que foi criado a partir dos anos 60 como movimento político e social sistematizado, p que seria uma anacronia. De modo geral, a abordagem de VW esteve restritamente ligada ao direito a capacidade intelectual e criadora no meio artístico, político e social bem, isto é, o reconhecimento da capacidade intelectual para representação do mundo presente no feminino.

Em Um teto todo seu (1990), uma de suas obras ensaísticas, VW pontua a posição que a mulher ocupa na sociedade do mesmo modo que aborda os obstáculos e restrições da mulher como escritora. Nesta, VW afirma que

Faça o que fizer, uma mulher não consegue encontrar nelas a fonte de vida eterna que os críticos lhe garantem estar ali, não é apenas que eles celebrem virtudes masculinas, imponham valores masculinos e descrevam o mundo dos homens; é que a emoção de que esses livros estão permeados é incompreensível para uma mulher. (WOOLF,1990 p. 124)

Nesse trecho VW discute sobre as obras mais renomadas, os ditos clássicos universais, mas que, segundo a escritora, caem em ouvidos surdos: ela questiona que a “virilidade” tornou-se consciente de si mesma, ou seja, os homens estão escrevendo a partir de suas necessidades e de seu próprio intuito – essa universalidade, portanto, diz respeito à experiência do masculino. Por ser essencialmente masculina, as mulheres que “ousam” vivenciar a escrita como ato Criativo são estereotipadas como monstruosas – porque ousam se apoderar/portar o falo/caneta. Acerca disso, Woolf pondera

Que se pudesse encontrar algumas mulheres com essa disposição de ânimo no século XVI era obviamente impossível. Basta pensar nos túmulos elisabetanos, com todas aquelas crianças ajoelhadas, de mãos unidas, e em sua morte prematura, e ver sua casa de cômodos escuros e abarrotados, para perceber que nenhuma mulher poderia ter escrito poesia naquela época. O que se esperaria descobrir seria que, talvez bem mais tarde, alguma grande dama tirasse proveito de sua relativa liberdade e conforto para publicar algo com seu nome e arriscar-se a ser considerada um monstro. (WOOLF,1990 p. 73)

Em outras palavras, é necessária coragem para transgredir o paralelo estabelecido entre o mundo doméstico e o artístico e ter a ousadia para escrever. Ainda em consonância com VW, “até mesmo uma mulher com um grande pendor para a literatura fora levada a crer que escrever um livro significava ser ridícula, e até mesmo mostrar-se perturbada”. (WOOLF,1990 p. 80).

É importante observar que Um teto todo seu (1990) é um ensaio cuidadosamente estruturado, induzindo-nos a pensar a característica/estilo da escrita que VW escreve. Ela chama a nossa atenção para uma de suas principais características estética “a representação pluripessoal da consciência”, a que se refere Auerbach (1971) no seu famoso ensaio sobre a escritora, intitulado “The brown stocking” (apud OLIVEIRA, 2013, p. 27). Essa característica da escrita de Wolf, na obra ensaística citada, se incorpora na escolha de uma personagem para narrativizar suas considerações/reflexões:

Assim, ali estava eu (chamem-me Mary Beton, Mary Seton, Mary Carmichael ou o nome que lhes aprouver — isso não tem a menor importância), sentada à margem de um rio há uma ou duas semanas, gozando a amena temperatura de outubro, perdida em cogitações. (WOOLF,1990 p. 9)

Dessa forma, Woolf correlaciona a vida ficcional da personagem aos discursos do “real’’ sobre o feminino nesse jogo de ficção e realidade. Em seu trabalho sobre A representação feminina na obra de Virginia Woolf: Um diálogo entre o projeto político e o estético, Oliveira, (2013) aborda essa voz narrativa no ensaio de VW, a partir da qual apresenta seu principal argumento:

[...] A perspectiva da narradora parte do macro contexto, ou seja, da arquitetura patriarcal da cidade de Londres (a universidade, a biblioteca e o museu), para o micro contexto, os espaços vazios nos livros de história. Assim, o micro contexto reflete o macro contexto e vice-versa. Ao perceber que o acesso a determinados espaços lhe é negado, ou mesmo no pobre jantar que é servido para as mulheres, em comparação com o jantar servido aos homens em Cambridge, Woolf estabelece o argumento principal de seu ensaio: a mulher precisa de independência econômica e de certa privacidade para escrever (OLIVEIRA, 2013 p. 27)

Quando Woolf afirma que a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo dela se pretende escrever ficção, a autora/escritora, de fato, destaca que a mulher precisa de condições/ suportes que favoreçam tanto sua criatividade quanto sua liberdade para exercer sua capacidade intelectual de forma criativa, sem as restrições comumente impostas aos seus interesses.

4 O mundo das escritoras em Um teto todo seu

Como já foi mencionada, a obra ensaística de VW gira basicamente em torno da (auto)afirmação de que toda escritora/criadora precisa ter “um teto todo seu” e 500 mil libras por ano: esse foco na questão econômica é central para se pensar a constituição da mulher/escritora como um indivíduo livre, emancipado de sua submissão à vida doméstica:

E, como se queixaria tão veementemente Miss Nightingale — "As mulheres nunca dispõem de meia hora. . . que possam chamar de sua" —, ela era sempre interrompida. Mesmo assim,

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