Essays.club - TCC, Modelos de monografias, Trabalhos de universidades, Ensaios, Bibliografias
Pesquisar

AS PARTES DE UM TODO: COMO SE CONFIGURA A ESTRUTURA NARRATIVA E A SUA RELAÇÃO COM O LEITOR NOS CONTOS DE LYGIA FAGUNDES TELLES.

Por:   •  12/11/2018  •  3.182 Palavras (13 Páginas)  •  380 Visualizações

Página 1 de 13

...

E o menino magrela e dentuço falando sem parar, Carta azul é para amigo mesmo, mas essa daqui cor-de-rosa, está vendo? esta é carta de amor! Esta daqui branca é de amor que acabou mas esta roxa é a carta da saudade, a saudade é roxa, leva tudo e faço um preço especial!. (p.64-65).

Embora o motorista se mostre solidário, sugerindo à personagem a compra da carta, por causa do bom perfume, ela continua na decisão de dizer não. Cumprindo sua rotina, vai ao banco e aos correios, e se depara com um mendigo que a borda na calçada. Ela é criticada por ele que diante de uma negativa dela lhe diz que seu coração é de pedra. Ao voltar para o táxi o motorista a esperava com um semblante de desaprovação, meio que censurando suas atitudes.

Fiquei muda ao sentir que meu semblante tinha descaído como os semblantes bíblicos nas horas das danações. Baixei a cabeça e pensei ainda em Santo Agostinho, “a abelha de Deus fabricando o mel que destila a misericórdia e a verdade”. Afinal, o dia de dizer Não estava mesmo cortado pelo meio porque na outra face da medalha estava o Sim. A vontade podia servir tanto de um lado como do outro, o importante era escolher o lado verdadeiro e para isso seguir a inspiração da razão. Ou do coração? Ora, liberdade nessa inspiração, toda a liberdade para não me sentir como estava me sentindo agora, uma esponja de fel. A ênfase da inspiração! decidi e levantei a cabeça no susto da revelação: o menino das muletas! Era nele que pensava (e não pensava) o tempo todo. (p.66).

Nesse momento nota-se que há uma dualidade, as faces da medalha, que perturba a personagem, a vontade de dizer Não à realidade e a condição de continuar a conviver com ela. Então, ela percebe que tudo é questão de escolha. Possivelmente a realidade não mude, mas pode-se “destilar misericórdia” ao invés de espalhar, ainda mais, o que a sociedade já tem de sobra. Quando se lembrou do “menino das muletas”, pediu ao motorista que retornasse para a rua onde o encontrara, a fim de comprar todas as suas cartas. Porém, não conseguiu encontrá-lo, perguntou aos outros ambulantes se tinham visto “o menino das cartas perfumadas”, mas era tarde demais. A mea culpa que tanto evitava, se estabeleceu de forma bastante dura e incisiva.

A narradora não se apresenta otimista nem superior aos outros personagens pelo simples fato de ser uma voz em primeira pessoa; pelo contrário ela se revela individualista, insegura e frágil, mesmo que isso se coloque contra si mesma, segundo os padrões morais da sociedade, é seu interior, confessando o que pensa de verdade, que lhe dá uma identidade mais natural, ou seja, sendo ela mesma.

A escolha desse tipo de foco narrativo, no conto em discussão, mostra que o narrador conversa o tempo todo com o leitor, e aos olhos deste a história acaba ganhando verdade, quando, nesse diálogo entre o narrador e o leitor não existe intermediário, pois a comunicação é direta. Posto que, o narrador é personagem, ele participa da história, do conflito, faz com que o leitor se aproxime mais, se identifique com o personagem narrador, pois ele compartilha algo pessoal, seu conflito, tornando o diálogo como uma confissão. O leitor se deixar levar pela história como participante desta, como um confidente.

Como conta a história

No conto discutido, anteriormente, a personagem descreve imagens, cenas e situações que modelam o verdadeiro caos social. E cada cena, imagem criada por ela tem a função de desenhar aquilo que é o objetivo do conto: a crítica à realidade social em que a personagem vive. Uma das características encontradas neste livro é aproximação do cotidiano, em que Lygia Fagundes Telles encontra, em pequenos fatos do dia a dia, inspiração para a arte e simbolismo. Como, por exemplo, no conto “O menino e o velho”, visto que o narrador também personagem, relata suas observações sobre o comportamento dos sujeitos que dá nome ao titulo do conto, num restaurante à beira mar.

A história se passa em três momentos. No primeiro contato do narrador com os dois, ele identifica que entre o velho e o menino não existia nenhum laço de parentesco, por conta das diferenças sociais aparentes. Percebeu que o homem evitava o olhar dela, enquanto ele conversava em tom baixo com o menino, como que o convencendo a fazer algo que ninguém mais podia ouvir. No segundo momento, semanas depois, os reencontra e nota que o aspecto do menino melhorou bastante. Vestia roupas novas, tinha unhas e cabelos cortados, parecia mais feliz. No terceiro momento da história, alguns meses mais tardes, ele entra no restaurante novamente, mas não vê os dois. O garçom informa que o menino enforcou o velho com um cordão de nylon, roubou o seu dinheiro e fugiu. Ele foi encontrado nu com o corpo todo machucado.

No primeiro momento, para o narrador tudo parece normal, um velho e um menino que, também aos nossos olhos, poderia ser o avô com seu neto. Porém, a narradora falar das aparências e avisa: “Na aparência, tudo normal: ainda com os resíduos da antiga beleza o avô foi buscar o neto na saída da escola e agora faziam um lanche, gazeteavam? Mas o avô não era o avô.” (p.70).

No entanto, ela continua com a repetição de que não há traços de parentesco por causa das diferenças entre eles: “E não era um avô com o neto, tão nítidas as tais diferenças de classe no contraste entre o homem vestido com simplicidade mas num estilo rebuscado e o menino encardido, um moleque de alguma escola pobre, a mochila de livros toda esbagaçada no espaldar da cadeira.” (p.69). O garçom que atendeu a personagem narradora ao acompanhá-la até a porta, após passar pela mesa onde estavam o velho e o menino, comenta rapidamente, sem ela lhe perguntar nada, que aquele senhor era um homem bom.

No segundo momento, quando volta ao restaurante duas ou três semanas depois, a narradora cruzou com os dois na mesma mesa. A relação que parece existir entre eles é evidenciada na descrição do olhar do velho para o menino: “O velho apertava os olhos para ver melhor e seu olhar era demorado enquanto ia acendendo o cachimbo com gestos vagarosos, compondo todo um ritual de elegância.” (p.70). Nesse trecho, o fogo faz par com o calor do olhar do velho. Esse calor é explicitado: “Deixou o cachimbo no canto da boca e consertou o colarinho da camisa branca que aparecia sob o decote do suéter verde-claro, devia estar sentindo calor mas não tirou o suéter, apenas desabotoou o colarinho.”(p.70). Assim, evidencia que esse “fogo” e “calor” podem está associados à sexualidade, como um jogo de sedução.

No terceiro momento, quando volta ao restaurante, no final

...

Baixar como  txt (19.5 Kb)   pdf (66.2 Kb)   docx (20.2 Kb)  
Continuar por mais 12 páginas »
Disponível apenas no Essays.club