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Confrarias de Buenos Aires resistência e desintegração cultural

Por:   •  11/10/2018  •  2.218 Palavras (9 Páginas)  •  262 Visualizações

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Eram dedicadas a um santo específico, associados a igrejas paroquiais locais, proporcionando vínculos de união espiritual e social. Assim, num primeiro momento, participavam das confrarias os membros crioulos, ou seja, os confrades eram os que compunham a parcela social dominadora, que vivia da extração do trabalho escravo, e praticava a discriminação das castas. (GOMES NETO, 2003, p.28)

A confraria teria a Virgem Maria como padroeira, e seria aberta a sacerdotes e seculares, homens e mulheres, de Regla y norma. As mulheres, no entanto, não teriam direito de voto, nem poderiam assistir as reuniões dos confrades. Além disso, para ser aceito na confraria, o membro deveria ter sangue limpo, ser de bons costumes e não realizar ejercicio vil. Essa confraria tinha três pontos básicos: culto e glorificação da Virgem, a ajuda às almas do Purgatório, e fornecer conforto espiritual aos seus membros. (GOMES NETO, 2003, p.28-29)

O referido capítulo, intitulado “De las personas que han de admitirse a la hermandad”, vê-se que entre os critérios estabelecidos para ingresso de membros da confraria, o principal refere-se à limpieza de sangre. O dito texto afirma que, para um corpo qualquer subsistir, é necessária a proporção e correspondência de seus membros, sem a qual lhe faltaria toda a beleza que deveria ter, e este se tornaria ingrato e até monstruoso. Diz ainda que seria fundamental que as pessoas (de ambos os sexos) admitidas na irmandade, não somente fossem cristãs, piedosas e devotas, mas também de qualificada limpeza de sangue e qualidade. (GOMES NETO, 2003, p.29)

Socolow (1991) aponta como causa principal desse declínio, o crescente interesse que as confrarias despertavam na população negra da cidade. Porém, outra instituição religiosa aparecia para substituir as confrarias, nas ligações dos brancos com a Igreja: era a Terceira Ordem. Esta instituição englobava, paulatinamente, comerciantes de status alto e médio, oficiais militares e empregados públicos. A diferença era que estas não estavam vinculadas a paróquias, nem sob o controle do clero secular, mas colocavam-se sob a égide da ordem provincial regular. (GOMES NETO, 2003, p.30)

A primeira confraria composta por negros fundada em Buenos Aires foi a de São Baltasar, em 1771, dependente da Igreja da Piedade (Iglesia de la Piedad), autorizada pelo arcebispo da cidade. Tinha como protetor São Baltasar, de cor negra, identificado como sendo um dos três reis magos que visitaram Jesus quando do seu nascimento. São Baltazar, assim, tinha para os negros uma relação étnica. A confraria estava localizada do lado de fora da Igreja da Piedade, com um cemitério situado também ao lado da Igreja, separado daquele utilizado pelos brancos. (GOMES NETO, 2003, p.31)

Rosal (1981) afirma que é possível que a devoção aos santos negros tivesse sido mais intensa entre a massa escravizada, que entre os negros de condição livre. Assim, o estrato superior dos afroportenhos haviam preferido os santos de “maior categoria”, de cor branca. (GOMES NETO, 2003, p.32)

Essa convenção, discriminatória em relação ao branco espanhol, concedia ingresso, no entanto, aos índios, numa demonstração de que as castas, se desejassem, poderiam unir-se contra as elites dominantes, embora tal possibilidade jamais tenha se efetivado. (GOMES NETO, 2003, p.32)

Os regulamentos da dita confraria também indicam que aqueles membros que iriam fazer parte da administração, eram vistos como autoridades, que respeitavam uma hierarquia pré-estabelecida. Assim, seriam nomeados: irmão maior e irmão menor, tesoureiro, zeladores, sacristãos, enfermeiros, um sócio encarregado de avisar aos outros as datas das reuniões que aconteceriam, chamado mullidor. (GOMES NETO, 2003, p.34)

O irmão maior, que era “coroado” durante as festividades denominadas congadas deveria, conforme as regras, comunicar ao capelão ou às autoridades civis (normalmente o chefe de polícia), quem havia cometido o delito, e quais as regras de foram descumpridas. (GOMES NETO, 2003, p.34)

Ao irmão maior, por seu lado, caberia pôr em prática os referidos serviços, como organizar as missas semanais, liderar as rezas do Rosário e as quotidianas, além dos atos da vida, como tratar dos casamentos dos sócios, nascimentos, festas em geral e, naturalmente, as cerimônias fúnebres. (GOMES NETO, 2003, p.35)

Por outro lado, o comportamento adotado pelos negros escravos e livres na América, acabou por assustar as camadas dominantes, e fazê-las pensar que deveriam não impedir, mas criar mecanismos de controle, liberando, até certo ponto, os bailes e as manifestações religiosas de todo tipo. Molas (1970) chama a atenção afirmando que o temor e a desconfiança que despertavam os negros, considerados como delinqüentes potenciais, acaba por refinar, com o tempo, a polícia. (GOMES NETO, 2003, p.35)

Um ponto que vale ressaltar, relaciona-se com uma possível divisão entre morenos livres e escravos, pertencentes a confraria de São Baltasar. Por hipótese, tal fato se daria em função da preferência que teriam os morenos livres, em associar-se a irmandades de maior importância e prestígio, em detrimento daquelas que eram compostas por escravos, de posição social inferior. (GOMES NETO, 2003, p.35)

Acrescentava-se ainda que, se viesse a falecer algum sócio que não tivesse pago a taxa de ingresso, somente seria enterrado e receberia homenagens os irmãos pobres. Quanto aos ricos, estes não seriam tratados como irmãos. (GOMES NETO, 2003, p.37)

A vontade que os negros tinham de possuir a sua própria capela, na qual pudessem agregar a confraria a qual pertenciam, sempre existiu, embora nem todos os confrades conseguissem realizar seus desejos. (GOMES NETO, 2003, p.38)

Essa solicitação confirma que os negros, desde tempos imemoriais, já faziam seus bailes e danças, preservando a cultura africana, e alijando, durante muito tempo, a influência crioula, que porventura pudesse haver. (GOMES NETO, 2003, p.38)

Ao mesmo tempo em que mantinham os laços com suas origens, principalmente até finais do século XVIII, quando ainda entrava em Buenos Aires uma grande quantidade de africanos, os negros sofriam críticas, tanto por parte dos governantes, quanto da sociedade branca em geral. (GOMES NETO, 2003, p.38)

As confrarias, na verdade, apresentavam uma contradição: o choque direto entre os ritos pagãos africanos, e os rituais católicos. Essa questão jamais seria resolvida totalmente, caso se preservassem as características das irmandades, ou seja, se os negros insistissem em formar associações ligadas a igrejas, cuja dominação, por parte do pároco,

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